Política & Economia
“O isentão”, escreve Valterlucio Bessa Campelo sobre o sujeito que prefere se emiscuir do debate político
No efervescente cenário político brasileiro, surgiu o “isentão”, termo que designa, em tese, o indivíduo que se recusa a tomar partido, buscando uma suposta neutralidade em um espectro ideológico dominado pela dicotomia entre direita e esquerda. Contudo, essa aparente equidistância invariavelmente esconde intenções, nem sempre nobres.
O sujeito meio mole meio duro, meio quente meio frio, possui algumas características bem visíveis ao olhar mais atento. Em primeiro, há nele uma evidente estratégia para evitar o ônus do posicionamento, especialmente em um ambiente onde cada palavra é pesada e julgada. Não se posicionar o protege do risco de exposição e de suas consequências.
Em segundo, a disposição de criticar “tudo que está aí”, a corrupção de uns e o radicalismo de outros, vem desprovida de propostas. Se, pelo menos, o sujeito apontasse começo, meio e fim de um projeto alternativo, vá lá, poderíamos entender que está de boa vontade indicando um caminho “detox” para a política. Entretanto, a crítica que fazem normalmente vem superficial, montada como legos em cima de notícias do noticiário já enviesado. Não assume ideologia, como se isso fosse possível na política. Neste sentido, é ignorante.
Em terceiro, o isentão foge do comprometimento. Em um cenário político que exige engajamento e a defesa de ideais, o indivíduo que se mantém à margem, avaliando superficialmente os acontecimentos, é como alguém que se exime de sua responsabilidade cívica. A “isenção” é uma forma de fraqueza intelectual ou moral, uma fuga da tomada de posição que é inerente à participação política.
Outra de suas características é que, apesar de se autoproclamar neutro, o “isentão” é facilmente flagrado com o viés político de esquerda. Seus discursos são isentos, no máximo, até a penúltima página, quando sempre desembarcam do lado canhoto com alguma desculpa esfarrapada. Em alguns casos, até uma frase fora do contexto tem serventia. No fundo, sua aversão à polarização é uma túnica rota para cobrir a cueca vermelha.
Um dado interessante é a suposta moralidade ou inteligência superiores, que tentam levar na caçamba da isenção. É como se dissesse uma boçalidade do tipo “distante da polarização, sou capaz de elaborar juízos mais inteligentes, essa gente aí é tosca”. Debater política de verdade que é bom, nem pensar.
Sim, às vezes o “isentão” é apenas um sujeito educado que não quer criar dissabores no círculo social. Com interlocutores de ambos os lados, ele evita assim uma confrontação e mantém a pose equilibrada, evitando levar porrada ideológica dos dois lados.
De todo modo, é importante reconhecer que, de fato, as pessoas têm todo o direito de buscar um centro, uma posição conciliadora a partir de um sincero desencanto com as posições ideológicas mais firmes etc. O sujeito pode olhar para os lados e pensar “nenhuma opção me representa, quero afirmar uma nova perspectiva”. Ocorre que isso exige rigorosa elaboração, ou seja, muito mais que afirmações superficiais de quem bebe na velha imprensa como se não fosse, ela mesma, parte fundamental da polarização, à medida que interpreta os fatos de modo parcial ao invés de informar a sociedade. Negar que os veículos tradicionais têm vínculos estreitos com a esquerda que os financia, e aceitar e macaquear a versão que sai do consórcio informacional brasileiro não é isenção, é tolice.
Há também os que primam pelo pragmatismo, desconhecendo ou desvalorizando a ideologia que sustenta toda ação política. Para eles, importam os resultados. Se em sua métrica as coisas estão sendo bem geridas, o PIB crescendo, a inflação baixa, o emprego estável, o câmbio controlado, os juros em baixa. Dane-se a ideologia! tanto faz Marx como Smith, ignorando, obviamente, que há valores como a liberdade que para a grande maioria supera qualquer resultado econômico. Esses aí, utilitaristas, aceitariam de bom grado uma ditadura eficiente. É uma isenção de balcão, sem profundidade. De todo modo, é muito fácil reconhecer a espécie.
Novamente aproximando-se o período eleitoral, os isentões farão de tudo para apresentarem uma candidatura do centrão, aquele que se adapta a qualquer coisa com cheiro de poder e verbas, se proclamando contra a “polarização extrema” como eles denominam o debate público.
Valterlucio Bessa Campelo escreve às segundas-feiras no site AC24HORAS, terças, quintas e sábados no DIÁRIO DO ACRE, quartas, sextas e domingos no ACRENEWS e, eventualmente, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor PERCIVAL PUGGINA, no VOZ DA AMAZÔNIA e em outros sites.