GERAL
Tácio Júnior faz reflexão sobre o progressismo no Acre: “Do heroísmo à ressignificação e a urgência de se reencantar com o possível”
Por Tácio Júnior
Por vezes, a política acreana parece caminhar entre espelhos retrovisores — presos à nostalgia de glórias passadas ou à tentação de atribuir fracassos a decisões alheias, como se a história se resumisse a uma partida de xadrez mal jogada. Há quem considere que os partidos progressistas tenham cometido um erro histórico ao abrirem mão de uma candidatura majoritária própria nas eleições de 2024. Concordar em parte é um gesto de lucidez, mas restringir a análise à superfície dos fatos seria como tentar desvendar o céu através de uma rachadura no teto.
É necessário abandonar o conforto das dicotomias maniqueístas — essa velha armadilha analítica que reduz o cenário ao simplismo pueril do certo contra o errado. A realidade política é um organismo mutante, feito de múltiplas camadas e contradições. A decisão do campo progressista de apoiar Marcus Alexandre, mesmo que este tenha deixado a legenda-mãe, não foi apenas um movimento de conveniência: foi, antes de tudo, um ato de leitura contextual, de sintonia com a querência do eleitor — este, sim, o verdadeiro protagonista do enredo democrático.
Aprendemos que a política deve escapar da “chantagem da pureza ideológica”. Quando a esquerda se tranca em sua torre de marfim moral, ela se torna ineficaz diante da crueza das urnas. O eleitor moderno, desiludido com utopias absolutas e promessas messiânicas, exige pragmatismo sem cinismo, coerência sem rigidez. A decisão de apoiar Marcus não foi a negação da identidade progressista, mas sua tradução tática diante de um novo ciclo.
Afinal, estamos vivendo uma mutação no tecido social e simbólico da política. As subjetividades se fragmentaram, os pertencimentos se dissolveram, e os partidos precisam aprender a dialogar com novos imaginários. A esquerda acreana, que por duas décadas governou com relevância, agora precisa revisitar o ethos da humildade revolucionária. Não há como retomar o protagonismo sem antes refazer o caminho com os pés no barro, com os ouvidos atentos e com o coração desarmado.
Perguntemo-nos com honestidade: teria o PT, em 2024, musculatura política, base orgânica e narrativa pública para sustentar um projeto majoritário competitivo? Haveria nome com viabilidade real ou apenas uma candidatura kamikaze — daquelas que queimam capital político e não deixam herança? E mais: ao isolar-se em uma aventura identitária, quem teria ficado pelo caminho? André Kamai, o mais combativo vereador da oposição à gestão Bocalom e símbolo de uma nova esquerda que se reconstrói a partir da escuta e do enfrentamento cotidiano?
O progressismo acreano não precisa de autoflagelação. Precisa de ressignificação — essa linda palavra que significa atribuir novo sentido a algo sem renegá-lo. Reencantar-se com o possível. E isso passa por reconhecer que a política não se faz apenas de vitórias gloriosas, mas de derrotas pedagógicas. A aliança com Marcus Alexandre foi, talvez, uma aposta arriscada. Mas foi, sobretudo, uma tentativa de continuar existindo dentro das regras do jogo real.
Chega de arrogância de barricada. É tempo de recomeçar com os pés no chão e os olhos no horizonte. Em vez de cobrar do passado uma coerência que o presente não comporta, devemos construir uma nova gramática de futuro — onde ser progressista não seja um fardo doutrinário, mas um gesto de esperança ativa.
Quem tiver ouvidos, que escute. Quem tiver humildade, que reconstrua. E quem tiver coragem, que lute — não por pureza, mas por potência. Porque a história é feita não pelos que julgam de longe, mas pelos que erram tentando.
Tácio Júnior é jornalista, pela Universidade Federal do Acre, acadêmico de sistemas para internet, pelo Instituto Federal do Acre, e assessor do vereador André Kamai.