RAIMUNDO FERREIRA
Veiculando conversas distorcidas, a fofoca vem se mantendo firme há séculos e é assunto da coluna desta terça, 11, do professor Raimundo Ferreira
FOFOCA
Raimundo Ferreira de Souza
Atravessando os séculos, a fofoca vem se mantendo firme como uma prática cotidiana: veiculando conversas, distorcendo a realidade e, certamente, promovendo escândalos e desavenças na vida de muita gente. Alguns especialistas afirmam até que a fofoca — também conhecida como futrica, babado ou mexerico, conforme a região — faz parte da natureza humana.
Apesar de muitos garantirem que não praticam, no fundo, basta um leve cheiro de fofoca no ar para que os olhos se arregalem e os ouvidos fiquem atentos. Dizem, inclusive, que para os famosos “línguas de trapo”, a fofoca é algo incontrolável. Na prática, ela às vezes funciona como uma atitude quase ingênua — um mero comentário — e pode ser vista como um mórbido prazer de relatar o que acontece na vida alheia.
Mas por que não entender também como uma forma de comunicação? Em algumas tribos africanas, por exemplo, onde os meios de comunicação inexistem, a fofoca é considerada um serviço de utilidade pública. As informações circulam no sistema “boca a boca”, o único meio disponível para repassar as novidades da aldeia.
Deixando o viés da curiosidade de lado, é fato que as pessoas são naturalmente ávidas por saber — ou melhor, por se inteirar — de um bom babado, especialmente quando envolve alguém que se apresenta como falso moralista.
Aqui entre nós e a torcida do Flamengo, dizem as más línguas que as mulheres são mais fofoqueiras que os homens, principalmente quando o assunto é outra mulher. Particularmente, não tenho dados comprobatórios, mas, sinceramente, não boto a mão no fogo. O que posso afirmar é que elas falam muito mais do que os homens e, em meio a esse blá-blá-blá incessante, é bem possível que a fofoca esteja presente no repertório.
Um dos maiores problemas da fofoca é sua capacidade de se camuflar rapidamente. Ela vai passando de pessoa em pessoa, mudando o enredo, o tom e os detalhes. Depois de umas cinco transmissões, a história original já é completamente outra. Existe até uma técnica de grupo, usada na área da educação, chamada cochicho, que demonstra exatamente isso: uma pequena história é contada a uma pessoa, que repassa à próxima, e assim por diante, sem que os demais escutem. Depois que umas oito pessoas participam, o resultado final é totalmente diferente da versão inicial.
Para ilustrar, vamos a uma futrica histórica. Dizem que a estada do padre Antônio Vieira, por dez anos no Maranhão, como membro da Companhia de Jesus, foi uma espécie de exílio motivado por uma briga que teve com a Corte Portuguesa. Indignado, o religioso teria resolvido se vingar — e começou a inventar mentiras para os fiéis. Como era um exímio orador, encaixava essas histórias em suas pregações, em forma de parábolas.
Em uma dessas lendárias “mentiras”, contou que o Diabo havia saído do inferno e explodido sobre a Europa, espalhando-se em pedaços. A cabeça, com chifres e tudo, caiu na Espanha (daí a preferência dos espanhóis por miolos quentes); os pés foram parar na França (o que explicaria a habilidade e o gosto dos franceses pela dança); o ventre satânico foi cair na Alemanha (justificando a gula desse povo por chucrutes e porcos assados). E a língua do demo? — perguntou Vieira aos fiéis. Diante do silêncio da igreja, ele mesmo respondeu: “Foi cair em Portugal, e com tantas palavras ruins que carregava, impregnou naquele povo o mau hábito do falatório, da intriga e do fuxico.”

