GERAL
Alerta na Europa: economia do continente está atrasada em relação aos EUA e à China
A participação da Europa na economia global está diminuindo, ao mesmo tempo que cresce o temor de que o continente não consiga mais acompanhar o ritmo dos Estados Unidos e da China. “Somos muito pequenos”, disse Enrico Letta, ex-primeiro-ministro italiano que recentemente entregou à União Europeia (UE) um relatório a respeito do futuro do mercado único. Nicolai Tangen, chefe do fundo soberano da Noruega, o maior do mundo, declarou ao “The Financial Times”: “Não somos muito ambiciosos. Os americanos simplesmente trabalham mais.” Já a associação de câmaras de comércio da Europa justificou: “As empresas europeias precisam recuperar a autoconfiança.”
A lista de motivos para o que tem sido chamado de “crise de competitividade” prossegue: a UE tem muitas regulamentações e sua liderança em Bruxelas tem muito pouco poder; os mercados financeiros são muito fragmentados; os investimentos públicos e privados são muito baixos e as empresas, muito pequenas para competir em escala global.
“Nossa organização, nossa tomada de decisões e nosso financiamento foram projetados para ‘o mundo de ontem’, pré-covid, pré-Ucrânia, pré-conflagração no Oriente Médio, pré-retorno da rivalidade entre as grandes potências”, afirmou Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, que está liderando um estudo sobre a competitividade da Europa.
A energia de baixo custo da Rússia, as exportações baratas da China e a dependência fundamental da proteção militar dos Estados Unidos não podem mais ser consideradas garantidas. Ao mesmo tempo, Pequim e Washington estão canalizando centenas de bilhões de dólares para a expansão de seus setores de semicondutores, energia alternativa e carros elétricos, além de estarem alterando significativamente o regime de livre comércio mundial.
O investimento privado também está ficando para trás. Em comparação com suas concorrentes americanas, as grandes corporações da Europa, por exemplo, investiram 60% menos em 2022 e cresceram a um ritmo dois terços inferior, de acordo com um relatório do Instituto Global McKinsey. Quanto à renda per capita, esta é, em média, 27% menor do que a dos Estados Unidos. E o crescimento da produtividade é mais lento do que em outras grandes economias, enquanto o preço da energia é muito mais alto.
O relatório de Draghi só vai poder ser divulgado agora que os eleitores dos 27 Estados da UE foram às urnas neste domingo (9), para eleger seus representantes parlamentares, mas mesmo antes disso ele já tinha declarado que seria necessária uma “mudança radical”, o que, em sua opinião, significa um enorme aumento nos gastos conjuntos, uma revisão dos confusos financiamentos e regulamentações da Europa e uma consolidação de empresas menores.
Os desafios intrínsecos à necessidade de fazer com que mais de duas dúzias de países ajam como uma unidade se intensificaram diante do rápido avanço tecnológico, dos conflitos internacionais crescentes e do uso progressivo de políticas nacionais para orientar os negócios. É como se cada estado dos Estados Unidos tivesse soberania nacional e houvesse apenas um poder federal limitado para arrecadar dinheiro para financiar atividades como as forças armadas.
A Europa já tomou algumas providências para acompanhar esse ritmo: no ano passado, a UE aprovou um Plano Industrial do Pacto Ecológico para acelerar a transição energética e, nesta primavera setentrional, propôs pela primeira vez uma política de defesa industrial. Mas esses esforços foram superados pelos recursos que os Estados Unidos e a China estão empregando. “O bloco está prestes a ficar muito distante de suas ambiciosas metas de transição para a energia renovável, da capacidade de tecnologia limpa e dos investimentos na cadeia doméstica de suprimentos”, afirmou a empresa de pesquisa Rystad Energy em uma análise na semana passada.
Necessidade de investimentos
Na visão de Draghi, a fim de acompanhar o ritmo das transições digital e ecológica, os investimentos públicos e privados da UE precisam de um aumento de mais de meio trilhão de euros por ano (US$ 542 bilhões). Seu relatório e o de Letta foram encomendados pela Comissão Europeia, órgão executivo da UE, para orientar os formuladores de políticas quando eles se reunirem no outono setentrional para elaborar o próximo plano estratégico de cinco anos do bloco.
Ainda há um contingente considerável na Europa – e em outros lugares – que prefere mercados abertos e que desconfia das intervenções governamentais. Mas muitos dos principais políticos influentes, autoridades e líderes empresariais da Europa estão falando cada vez mais sobre a necessidade de uma ação coletiva mais agressiva. Argumentam que, sem reunir o financiamento público e criar um mercado único de capitais, a Europa não vai poder fazer o tipo de investimento em defesa, energia, supercomputação e outros tópicos necessários para competir de forma eficaz.
E sem consolidar empresas menores não pode competir no âmbito da eficiência e do custo com grandes empresas estrangeiras que já têm uma posição de destaque no mercado global. A Europa, por exemplo, tem pelo menos 34 redes móveis importantes, disse Draghi, enquanto a China tem quatro e os Estados Unidos, três.
Letta disse que experimentou em primeira mão as peculiaridades das deficiências competitivas da Europa quando passou seis meses visitando 65 cidades europeias para fazer pesquisas para seu relatório: “Era impossível viajar de trem de alta velocidade entre as capitais europeias. Essa é uma profunda e emblemática contradição dos problemas do Mercado Único.”
As soluções propostas, contudo, podem ir contra a corrente política. Muitos líderes e eleitores de todo o continente estão profundamente preocupados com os empregos, o padrão de vida e o poder aquisitivo. Mas estão receosos em dar à UE mais controle e poder financeiro. E, com frequência, relutam em assistir à fusão de marcas nacionais com rivais ou ao desaparecimento de práticas comerciais e regras administrativas conhecidas. A criação de um novo labirinto de burocracia é outra preocupação.
Este ano, agricultores furiosos na França e na Bélgica bloquearam estradas e despejaram caminhões de esterco para protestar contra a proliferação de regulamentações ambientais da UE que regem o uso de pesticidas e de fertilizantes, os cronogramas de plantio, o zoneamento e muito mais.
Problemas políticos
Culpar Bruxelas também é uma tática conveniente para os partidos políticos de extrema-direita que visam explorar as ansiedades econômicas. O partido anti-imigração Rassemblement National (Reunião Nacional), da França, chamou a UE de “inimiga do povo”.
Seguindo o que foi apontado nas pesquisas, os partidos de direita ganharam mais assentos no Parlamento Europeu, deixando o órgão legislativo ainda mais fragmentado.
Ao nível nacional, os líderes governamentais podem defender suas prerrogativas. Na última década, a UE tentou criar um mercado de capitais único para facilitar o investimento internacional. Mas muitas nações menores, incluindo a Irlanda, a Romênia e a Suécia, temendo deixar seu setor financeiro nacional em desvantagem, se opuseram a ceder poder à UE ou a mudar suas leis.
As organizações da sociedade civil também estão preocupadas com a concentração de poder. No mês passado, 13 grupos na Europa escreveram uma carta aberta alertando que uma maior consolidação do mercado prejudicaria os consumidores, os funcionários e as pequenas empresas, e daria aos gigantes corporativos muita influência, causando o aumento dos preços. Além disso, receiam que outras prioridades econômicas, sociais e ambientais sejam deixadas de lado.
Há mais de uma década, a Europa vem ficando para trás em vários indicadores de competitividade, incluindo investimentos de capital, pesquisa e desenvolvimento e crescimento da produtividade. Por outro lado, de acordo com a McKinsey, ela é líder mundial em redução de emissões, limitação da desigualdade de renda e expansão da mobilidade social.
Algumas das disparidades econômicas com os Estados Unidos resultam de escolhas. Metade da diferença do Produto Interno Bruto (PIB) per capita entre a Europa e os Estados Unidos se deve ao fato de que os europeus escolheram trabalhar menos horas, em média, ao longo da vida.
Mas as pessoas alertam que essas escolhas podem ser um luxo que os europeus não terão mais se quiserem manter seu padrão de vida. As políticas que regem a energia, os mercados e os bancos são muito discrepantes, disse Simone Tagliapietra, pesquisador sênior da Bruegel, organização de pesquisa em Bruxelas. “Se continuarmos a ter 27 mercados que não estão bem integrados, não vamos poder competir com os chineses ou os americanos.”