RAIMUNDO FERREIRA
O exercício da mente é o tema da coluna desta sexta-feira, 19, do professor Raimundo Ferreira de Souza
EXERCÍCIO MENTAL
Mesmo que muitos que tomam conhecimento de nossos ensaios despretensiosos não reconheçam sua importância, ou não os considerem úteis como tentativa de registrar e dizer algo sobre a vida e as coisas à nossa volta — sobretudo em uma sociedade onde poucos se dispõem a expor suas ideias —, nós continuamos. Não sei até quando, mas seguiremos mantendo esse hábito, já cultivado há tantos anos: o de exercitar a mente, dentro de nossos limites, falando do nosso jeito e sobre qualquer temática.
Neste momento, poderíamos refletir sobre a situação política atual — a tensão entre separação e união dos poderes, e as intrigas que servem, não raro, mais para ativistas assistirem do que para o povo compreender. Poderíamos também discutir a questão ambiental, que, além de nos inquietar, nos deixa perplexos diante do fato de que o ser humano, por livre escolha, devasta e polui justamente o bem que o sustenta.
Ou ainda falar sobre o “boom” das construções de moradias que transformou João Pessoa. Segundo reportagem recente que li, a cidade tem recebido muita gente interessada em fixar residência, e isso já começou a impactar o ritmo da antiga cidade pacata — trânsito, segurança, serviços de saúde e até o custo de vida.
Mas também poderíamos voltar o olhar para a mitologia grega, à narrativa do princípio da Terra. Gaia, a Terra, surgiu como ventre universal, fonte de fecundidade, solidez e estabilidade — a base de todas as formas de vida. De seu seio profundo nasceu Urano, o Céu estrelado, que a cobriu como um manto infinito. Mãe e filho uniram-se — Terra e Céu — e geraram muitos seres, em um espaço fechado e fecundo, onde alto e baixo se confundiam em fusão eterna.
Urano, entretanto, não cessava de fecundar Gaia, e temendo a força dos filhos que nasciam, impedia-os de ver a luz, mantendo-os encerrados no ventre materno. Essa situação tornou-se insuportável para Gaia, que elaborou um plano: forjou uma espada de pedra e combinou com seu filho mais novo, Cronos, que simboliza o Tempo, para atacar o pai e libertar a todos.
Cronos, então, surpreendeu Urano, decepou-lhe os órgãos genitais e o afastou da Mãe-Terra, abrindo pela primeira vez o espaço entre Céu e Terra. Esse ato violento não foi apenas um gesto de poder filial, mas um marco cósmico: a criação da distância, a possibilidade da respiração, do movimento e da vida em liberdade. Assim, ao dividir céu e terra, Cronos não apenas libertou seus irmãos, mas inaugurou o universo como espaço aberto, onde tudo mais poderia acontecer.