GOSPEL
Cerca de 100 milhões de cristãos ao redor do mundo não têm Bíblia
A mais recente avaliação global indica que cerca de 100 milhões de cristãos vivem sem acesso a uma Bíblia, evidenciando restrições legais e escassez acentuada em dezenas de países. A Lista de Acesso à Bíblia, divulgada na semana passada pela Iniciativa de Acesso à Bíblia, reúne dados e análises de especialistas de 88 países para apontar onde as Escrituras são mais difíceis de obter.
O levantamento constatou que quase três dezenas de nações impõem restrições “extremas” ou “severas” ao acesso à Bíblia, impedindo milhões de fiéis de ler a Palavra de Deus. “Embora existam muitos equívocos sobre o acesso à Bíblia em todo o mundo, a Lista de Acesso à Bíblia destaca as complexidades e nuances da questão”, afirmou Ken Bitgood, fundador e CEO da Sociedade Bíblica Digital, parceira fundadora da iniciativa. “O acesso irrestrito à Bíblia não é um padrão universal”.
O estudo também publica a Lista de Restrições Bíblicas, que mede barreiras como proibições governamentais, ações de grupos extremistas e fatores socioeconômicos que limitam a distribuição das Escrituras. Essa lista estima ainda o número de cristãos que desejam ter uma Bíblia, mas não conseguem obtê-la. Wybo Nicolai, cocriador da BAL, afirmou: “A fome moderna persiste, não devido à apatia, mas por causa das barreiras que impedem as pessoas de acessar a Bíblia”. As barreiras variam de país para país, mas o efeito prático é semelhante: milhões permanecem isolados da Palavra. Em muitos contextos, os fiéis nunca viram uma Bíblia em seu próprio idioma, no formato preferido ou a um preço acessível, e, em alguns casos, não conseguem obtê-la com segurança.
A Somália aparece como o país com pior acesso, classificado com “restrições extremas de acesso” por causa de perseguição legal, ameaças de violência e limitações econômicas. O perfil do BAL sobre a Somália registra: “O acesso à Bíblia na Somália não é apenas limitado; é proibido. Segundo uma interpretação estrita da Sharia, é ilegal imprimir, importar, armazenar ou distribuir Bíblias”. A pobreza extrema agrava o cenário: com mais de 70% da população em situação de pobreza e insegurança alimentar após anos de seca e conflito, necessidades básicas tendem a se sobrepor à compra de uma Bíblia — ainda que fosse permitida. No ranking anual da Lista Mundial de Observação da Portas Abertas, a Somália é apontada como o segundo pior ambiente para perseguição cristã, com destaque para a atuação do Al-Shabaab e pressões familiares.
Em seguida, o Afeganistão, sob o regime do Talibã desde 2021, ocupa o segundo lugar entre os piores países para acesso às Escrituras. Em uma população de 43 milhões, a comunidade cristã estimada é de cerca de 0,02%, majoritariamente formada por convertidos do islamismo, que enfrentam forte perseguição. O relatório afirma: “O acesso à Bíblia no Afeganistão não é apenas limitado, é quase impossível”. Também registra: “Especialistas estimam que menos de um terço dos cristãos afegãos têm acesso às Escrituras.” O documento acrescenta: “O retorno do Talibã ao poder em 2021 apenas reforçou as restrições, impondo uma interpretação mais severa da lei islâmica e monitorando ativamente a atividade online. Como resultado, até mesmo ler a Bíblia no celular é amplamente considerado inseguro. O risco não é teórico. Crentes de origem muçulmana (MBBs) frequentemente enfrentam pressão de suas próprias famílias, comunidades e autoridades locais. A exposição pode levar a casamento forçado, prisão ou execução”.
O Iêmen figura em terceiro lugar. De acordo com o relatório, em um país com 35 milhões de habitantes, a comunidade cristã é “pouco visível”, e menos de um terço dos aproximadamente 17 mil cristãos teria acesso a uma Bíblia sob o sistema legal baseado na Sharia. A avaliação registra: “Qualquer esforço percebido para compartilhar a fé cristã é considerado blasfêmia ou apostasia, punível com a morte”. A Coreia do Norte ocupa a quarta posição, com controle e censura religiosos amplamente documentados. Pesquisadores observam: “Na Coreia do Norte, a Bíblia não é apenas proibida — é temida”. Segundo o levantamento, o regime enxerga o cristianismo como ameaça ao culto à personalidade em torno de Kim Jong-un e como um desafio direto ao controle ideológico do Estado.
A República Islâmica da Mauritânia fecha o grupo dos cinco piores países no acesso às Escrituras. Com população de cerca de 5 milhões, apenas 11 mil se identificam como cristãos, e menos de 40% teriam acesso a uma Bíblia devido a restrições severas. O relatório informa que as políticas nacionais proíbem impressão, importação, distribuição e exibição de materiais cristãos e que a posse de múltiplas cópias “pode resultar em processo, com acusações que, em alguns casos, podem levar à pena de morte por proselitismo ou apostasia”. O texto acrescenta: “A posição firme do governo está enraizada na identidade constitucional da Mauritânia como um Estado islâmico. A apostasia é um crime punível com a morte. Até mesmo o acesso à internet é monitorado de perto; embora quase metade do país tenha conexão com a internet, o risco de ser vinculado a atividades cristãs online pode ter consequências graves e fatais”.
Em sexto lugar surge a Eritreia, frequentemente apelidada de “Coreia do Norte da África” por suas políticas autoritárias e severas restrições à liberdade religiosa. Embora cerca de metade da população se identifique como cristã (1,7 milhão), estimativas citadas pelos pesquisadores sugerem que nem 40% dos fiéis têm acesso a uma Bíblia. “O controle governamental permeia quase todos os aspectos da vida religiosa”, diz o relatório. “A posse, a distribuição e até mesmo a leitura privada da Bíblia são severamente restringidas pela lei eritreia. Embora cristãos ortodoxos e católicos (que representam cerca de 95% da população cristã) possam encontrar um pouco menos de obstáculos, seu acesso continua rigorosamente monitorado. Para igrejas domésticas protestantes e fiéis de origem muçulmana (MBBs), a situação é drasticamente pior”.
Completam o top 10 dos piores países para obter uma Bíblia Líbia, Argélia, Irã e Turcomenistão. No total, o relatório identifica 15 países com “restrições extremas”. Na categoria seguinte, de “restrições severas”, aparecem 18 nações. O Butão lidera esse segundo bloco e ocupa a 16ª posição no geral, em razão de “restrições religiosas rigorosas” e de uma taxa de alfabetização de 70%. Entre outros países com “restrições severas”, o estudo cita Arábia Saudita (18º), Paquistão (20º), China (25º), Azerbaijão (30º) e Kuwait (32º).
A Armênia, primeira nação a adotar oficialmente o cristianismo no século IV, figura na 87ª posição. Com 95% da população identificada como cristã, o país não impõe restrições à posse ou distribuição de Bíblias. Ainda assim, os pesquisadores descrevem uma “crise silenciosa de escassez de Bíblias”, vinculada a “dificuldades econômicas, à redução da infraestrutura das igrejas e a redes de distribuição obsoletas ou limitadas”. O relatório resume: “Mesmo em um país onde o cristianismo é culturalmente dominante, a capacidade real de ler e se envolver com a Palavra de Deus continua limitada para a maioria”.
O Brasil aparece no final da lista, em 88º lugar. De maioria cristã, o país enfrenta dificuldades de acesso às Escrituras em áreas marcadas por “extrema pobreza”. O perfil nacional afirma: “Mesmo quando as Bíblias estão disponíveis para compra, muitas famílias são forçadas a priorizar comida e abrigo em detrimento de recursos espirituais”.
O portal The Christian Post deu destaque ao trecho do texto que acrescenta que “altos impostos e a corrupção elevam os custos dos materiais impressos, incluindo as Bíblias”.
De acordo com a divulgação, além de Portas Abertas e da Sociedade Bíblica Digital, a edição 2025 do relatório contou com a participação de organizações como Frontlines International, Bible League International, Biblica, Bible League Canada e OneHope. O conjunto de dados, segundo os autores, busca orientar igrejas, missionários e parceiros de distribuição na intercessão e na logística para que mais pessoas tenham acesso às Escrituras.
GOODPRIME