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Mário Maffi, um revolucionário do agro no Acre, fala ao AcreNews: “fazer agricultura é para quem tem coragem”

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Jorge Natal, especial para o AcreNews

Quando o espanhol Luiz Galvez aportou por estas paragens, despertou-se nos acreanos um sentimento de altivez e um espírito libertário que contribuíram muito para a formação da identidade do nosso povo e do nosso Estado. Ao querer criar uma nação independente, sabia ele que as nossas terras eram boas, tínhamos gente trabalhadora e uma posição estratégica na geografia político-econômica do mundo.

Isso pôde ser confirmado quando a nossa região foi incorporada pelo Brasil. Sendo “o filho mais novo”, já enchemos a nossa pátria de orgulho. No início do século passado, a extração do látex gerou muitas divisas para o Brasil. A borracha chegou a ser o segundo produto mais exportado do País, ficando atrás apenas do café.

E se a cultura cafeeira gerou a sua aristocracia, nós, os borracheiros, também formamos a nossa. O renomado historiador Leandro Tocantins conta, em seu livro “Formação Histórica e Econômica do Acre”, que os barões da borracha ganhavam tanto dinheiro que acendiam charutos com notas de 100 contos de réis.

Mesmo com a desleal concorrência da borracha asiática e o descaso do governo federal, a nossa produção gomífera continuou sendo a principal atividade extrativista da região. A deflagração da Segunda Guerra Mundial e o consequente retorno da produção em alta escala provaria o que Galvez já havia preconizado: o Acre era viável.

Se a história não se repete, como bem disse um pensador, aconteceu a segunda migração de nordestinos para a nossa região, desta feita em maior contingente. Os chamados arigós travaram e venceram a batalha da borracha. Porém, a mentira do governo federal logo veio à baila. Prometeu-se que os valorosos combatentes ficariam ricos e retornariam para o sertão. Isso jamais foi cumprido. Ocorreu o contrário. Eles foram abandonados à própria sorte na selva. O beribéri, a malária, os animais silvestres e a melancolia dizimaram milhares deles, constituindo o que podemos chamar de hecatombe social.

Agruras e adversidades à parte, formamos um povo e um território. Os ideais de autonomia, no entanto, nunca saíram do imaginário coletivo dos acreanos e, em 1962, transformamo-nos em um ente federativo. Remontam-se, naquela época, as políticas do governador Guiomard Santos, que ousou investir na agricultura e pecuária, na tentativa de criar alternativas para substituir a então combalida produção extrativista.

Quando a família Maffi deixou o Sul do Brasil, embarcou em uma aventura de sonhos de uma vida melhor, rejeitando o destino que lhe impusera. Eram os anos 1980, período em que a extração da borracha perdia valor, culminando na desativação dos seringais — o que arruinou a principal base econômica do Acre.

Os Maffi se instalaram em Epitaciolândia, no Ramal do 20, na comunidade São Cristóvão, santo do qual são devotos. Mário, que à época tinha 14 anos, hoje é o maior produtor de grãos do Alto Acre. Suas lavouras de milho e soja, modernizadas, são exemplo de que o agronegócio é produtivo e viável no Estado. Ele também foi pioneiro na produção de arroz na região.

Agricultores por vocação, o clã precisou se tornar pecuarista porque sequer existiam vias trafegáveis. “Em uma época em que as estradas eram precárias durante a maior parte do ano, até para mexer com a pecuária era difícil”, relembrou Mário, que, em sociedade com os irmãos, também é suinocultor. “E agora estamos nos planejando para sermos cafeicultores”.

Apaixonado pelo Acre e pela região onde escolheu viver, o produtor rural lamenta os impedimentos legais à expansão da produção. “No Sul, pode-se trabalhar em 80% da propriedade e deixar o restante para preservação. Aqui no Acre é o contrário — podemos mexer em apenas 20% das nossas áreas”, criticou, ao lamentar a enorme quantidade de terras planas, viáveis e produtivas que permanecem sem uso. Veja a entrevista:

Acre News – Quais são as suas origens?
Maffi – Os meus pais são gaúchos e descendem de italianos. Eu nasci em Santa Catarina e cheguei ao Acre com 14 anos, em outubro de 1984. Os meus irmãos mais velhos, que vieram em 1973, trabalhavam numa madeireira. Depois veio o restante da família.

Acre News – Como era o Acre naquela época?
Maffi – Era muito difícil. A gente saiu de uma região desenvolvida e viemos para um Estado que ainda estava sendo desbravado, que era isolado e que faltava praticamente tudo. Para nos deslocarmos até a cidade, íamos de caminhão e era necessário um trator para puxá-lo. Sem contar que havia muita malária. Chegamos com a ideia de fazer agricultura, mas não era viável. E focamos naquilo que era possível – a pecuária.

Acre News – O senhor foi a primeira pessoa, aqui na região do Alto Acre, a acreditar na agricultura. Por quê?
Maffi – A agricultura sempre foi mais rentável que a pecuária, além da satisfação de trabalhar com ela. Eu comecei em 2004, momento em que eu estava ‘quebrado’ no ramo da madeira. E fui para a lona e comecei sem nenhum recurso. Eu tinha apenas a minha colônia. A primeira área que eu plantei, seis hectares de milho, foi com trator alugado de uma associação. Depois passei para 15 hectares, depois para 30 e por aí vai. Somente em 2020, inclui a soja e fui o primeiro a iniciar essa cultura na região. Os maiores produtores do Estado começaram depois. As minhas máquinas colheram a primeira lavoura do Jorge Moura. Eu ajudei a convencê-lo a entrar para a agricultura, uma vez que ele havia crescido agarrado num rabo de boi. Essa expressão é dele. A agricultura é apaixonante.

Acre News – O senhor também foi pioneiro com o plantio de arroz. Como isso foi possível, pois a nossa região não concorre com a produção do Rio Grande do Sul, por exemplo?
Maffi – Plantei 400 hectares e colhi 40 mil sacas de arroz. Foi uma produção excelente, ou seja, uma média de 100 sacas por hectare. E qual foi o problema? Não temos indústrias beneficiadoras no Estado. Eu tive que mandar para Rondônia e pagar 12% de imposto para entrar o produto e mais 12% para ele voltar beneficiado. E aí acabou a margem de lucro.

Acre News – Os Maffi entraram para o ramo da suinocultura. Comente sobre isso.
Maffi – Somos integrados à agroindústria Dom Porquito. A gente constrói os galpões e instalamos os equipamentos, além de sermos os responsáveis pela mão de obra. A empresa fornece o leitão, a ração e a assistência técnica. Inclusive estamos ampliando o nosso plantel. Hoje a suinocultura é uma referência e muito me orgulha ter sido o primeiro empreendedor nesse ramo. A nossa região se desenvolveu muito com a chegada do agronegócio, apesar de não termos grandes quantidades de terra com a topografia favorável. Temos muitas terras boas e apropriadas, mas são florestas, ou seja, não foram abertas. Essas reservas engessaram os municípios. A Resex Chico Mendes tem um milhão de hectares pertencentes a cinco municípios. As reservas deveriam ser criadas onde não houvesse população. A eles só resta serem extrativistas. E mal conseguem sobreviver, quanto mais pagar uma faculdade para um filho. Tiraram deles o direito de ser prósperos, ou seja, de terem uma vida digna. Eu não sou contra a preservação, mas da forma como aconteceu foi um equívoco.

Acre News – Em meio à COP 30, o que é desenvolvimento sustentável?
Maffi – É uma expressão bonita. É perfeitamente possível se desenvolver sem esgotar os recursos naturais ou depredar o meio ambiente. Eu sempre acreditei na produção racional, ou seja, sem comprometer o bem-viver das próximas gerações.

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