Câmara dos Deputados aprova Projeto Antifacção para combate ao crime organizado
A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (18), por 370 votos a 110, o chamado Projeto Antifacção, que cria um novo marco legal para o enfrentamento de organizações criminosas.
O projeto foi enviado pelo governo federal em outubro. A relatoria ficou com o deputado Guilherme Derrite (Progressistas-SP), secretário licenciado de Segurança Pública de São Paulo, escolha que gerou incômodo no Planalto. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), foi quem atribuiu a função ao deputado.
A tramitação foi marcada por tensão entre governo e oposição. Lideranças governistas criticaram mudanças propostas por Derrite, enquanto opositores cobraram endurecimento maior do texto.
Entre os principais pontos de atrito, Derrite chegou a propor que o combate ao crime organizado fosse uma atribuição das polícias civis e governos estaduais. O que, na prática, enfraqueceria a atuação da Polícia Federal. Ele voltou atrás, após ser pressionado. Outro impasse foi a possibilidade de equiparar facções criminosas ao terrorismo, que também ficou de fora do texto.
O projeto aprovado pela Câmara aumenta penas, cria novos crimes, amplia mecanismos de investigação e estabelece regras especiais para líderes de facções.
O projeto ainda passar pelo Senado e pela sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) antes de virar lei.
Confira os principais pontos:
🔎 O que diz o projeto
O texto trata de “organizações criminosas, paramilitares ou milícias privadas” que atuem com violência ou grave ameaça. O relator introduziu ainda o conceito de “organização criminosa ultraviolenta”, que concentra as punições mais duras.
O governo, porém, criticou a ausência da expressão “facções criminosas” na redação final e afirmou que buscará a votação para a inclusão deste trecho separadamente.
Entre os pilares, está o aumento de pena em crimes praticados por essas organizações, que poderá chegar a 40 anos.
Aumento de penas e novos tipos penais
O texto prevê:
- ▶️penas de 20 a 40 anos para ações de facções ultraviolentas;
- ▶️novos crimes, como novo cangaço, domínio territorial, uso de explosivos, armas pesadas, drones e ataques contra infraestrutura essencial;
- ▶️agravante para crimes ligados a garimpo ilegal.
A proposta também dificulta a progressão de regime para membros dessas organizações.
➕O projeto original do governo já previa o aumento de penas. O relator propôs incluir a criação de novos crimes, com penas mais altas do que o previsto pelo governo.
Regras mais rígidas para progressão de pena
A progressão poderá exigir 70%, 75%, 80% ou até 85% do cumprimento da pena, dependendo da gravidade e da reincidência.
Hoje, em crimes hediondos, o percentual costuma ser menor.
➕Esta foi uma sugestão do relator, e o governo não propôs mudanças.
Direito ao voto
Durante a fase de discussão no plenário, os deputados aprovaram a inclusão de um trecho que proíbe que presos — condenados definitivamente ou provisórios — votem em eleições.
Foram 349 votos favoráveis ao impedimento e 40 contrários. Atualmente, a legislação eleitoral impede o voto apenas aos condenados com sentença transitada em julgado (quando não cabe mais recurso).
Presídio federal obrigatório para lideranças
O texto determina que chefes de organizações criminosas cumpram pena em presídios federais de segurança máxima, com o objetivo de interromper comunicações ilícitas e reduzir o poder de comando dentro do sistema prisional.
➕Esta foi uma sugestão do relator, e o governo não propôs mudanças.
Novos instrumentos de investigação
O projeto prevê:
- ▶️monitoramento audiovisual de parlatórios, inclusive em contato com advogados em hipóteses excepcionais e sob ordem judicial;
- ▶️ampliação de buscas, quebras de sigilo, operações encobertas;
- ▶️audiências e atos processuais por videoconferência.
➕Neste ponto, a inclusão do monitoramento dos presos e a ampliação de buscas e quebras de sigilo, por exemplo, são medidas que estavam previstas no texto original, que veio do Executivo. A questão das audiências por videoconferência foi uma sugestão do relator.
➕O governo também tinha sugerido mecanismos para colaboração premiada com membros de organizações criminosas prevendo, inclusive, que o suspeito pudesse colaborar como um infiltrado para ajudar na investigação. Este trecho foi retirado pelo relator.
➕O governo também sugeria mecanismos para proteger policiais infiltrados em investigações, como criação de novas identidades e sigilo desses dados por determinado período. O relator manteve a possibilidade de os policiais trabalharem como infiltrados nas organizações criminosas, mas tirou todas as regras de proteção.
Nesse âmbito, Derrite também chegou a propor mudanças nas atribuições da Polícia Federal, em duas versões da proposta.
➕Mas, voltou atrás e o texto final não propôs mudanças na atuação da PF no combate ao crime organizado, nem na Lei Antiterrorismo — pontos que eram alvo de críticas do governo quando constavam em versões anteriores.
Regras de confisco e alienação de bens
O projeto cria mecanismos mais duros para atacar o patrimônio das facções, como:
- ▶️bloqueio imediato de contas, bens e criptoativos;
- ▶️alienação antecipada ainda na fase da investigação;
- ▶️possibilidade de intervenção judicial em empresas usadas por organizações criminosas.
➕Esse é um dos pontos que geraram maior atrito entre governo e relator. A destinação de bens das organizações criminosas para a PF era uma demanda do governo, que acabou atendida por Derrite na última versão do relatório.
➕Na versão anterior do texto, os recursos eram destinados integralmente aos Estados e ao Distrito Federal.
➡️O projeto aprovado prevê que, quando o crime estiver sendo investigado pela PF, a destinação dos bens apreendidos vai para o Fundo Nacional de Segurança.
➡️O parlamentar também incluiu no substitutivo que os bens apreendidos serão destinados a favor do ente onde tramita a ação penal que apura os crimes.
Entenda as principais divergências:
- Governo vê risco de ‘descapitalização’ da PF
Mesmo com negociações, líderes da base afirmam que o texto ainda reduz recursos da Polícia Federal e da União, especialmente na divisão dos valores confiscados de facções.
Segundo integrantes da articulação, Derrite reforçou o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), mas manteve a regra de rateio quando houver operações conjuntas entre PF e forças estaduais — o que, para o governo, pode tirar recursos de fundos federais como o Funad (Fundo Nacional Antidrogas).
Para tentar reverter o cenário, o PT apresentou um destaque que buscava retomar a redação original do governo. Mas esse destaque foi rejeitado.
- Tentativa de equiparação ao terrorismo foi barrada
A oposição tentou, na votação em plenário, incluir um destaque para equiparar facções criminosas ao terrorismo. O presidente Hugo Motta, que sempre se posicionou contra essa equiparação, barrou o pedido.
O governo também era contrário. Para o Planalto, a mudança poderia abrir brecha para interferência externa em políticas de segurança pública.
- Preservação da estrutura da PF
Outro ponto de atrito era a proposta inicial de Derrite que mexia nas atribuições da Polícia Federal. A PF temia perder autonomia.
O relator recuou e a versão aprovada não altera essas competências.








