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Rafaela Vilaça escreve: “Não deixe ninguém ferir suas perspectivas”

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Ao escrever esta coluna, tive a mesma sensação de Fernando Sabino, quando pretendia sagrar o fim de um ciclo com algo pitoresco. O autor se debruçava na busca por um assunto, quando em um botequim na Gávea sagrou o momento esperado e compôs ‘A última Crônica’ de 1963. Não vou mentir, escrevi outros textos antes do ocorrido, mas sinceramente, não era o viés que queria apresentar-lhes nos últimos momentos de minha jornada pelo Brasil. Aguardava um momento inusitado, que me inspirasse a escrever.

Sim… pode vir por aqui. Isso, senhor, fique à vontade. Qualquer coisa, é só me chamar. – Obrigado, querida! Ouvi de longe tal diálogo e comecei a prestar atenção à cena que se projetava diante de mim. Era um local iluminado, cheio de cores e orquídeas, doces e salgados finos e as lembranças de toda uma vida me vinha à cabeça. Não era o que tinha planejado para aquela manhã em uma cafeteria de alto padrão em Camboriú.

[Eu estou só. Diante de mim pessoas que não enxergo o rosto claramente, mas me sinto bem. Lembro de minha mãe, uma octogenária, que me fez repensar o sentido da vida, muito cedo. Mamãe tentara privar-se de seus sofrimentos por muitas vezes, mas sem sucesso. Hoje vive acamada em um apartamento suntuoso custeando uma enfermeira de tempo integral. Mas isso não abala minhas perspectivas. Lembro-me também de meu pai.

Aquele homem viril e determinado que nuca quis ostentar o status de divorciado. Se casou no mesmo dia que se separou de minha mãe com sua secretária, uma franzina de gosto duvidoso, mas com mente brilhante. Acho que ao final, ele fez um bom negócio.

Lembro-me também dos meus avós e te pergunto: qual a vantagem de ser um aristocrata paranaense nos dias atuais? Nenhuma!

Até que me vem à memória meus amores e prazeres de uma vida inteira, sempre regada a insulina. Um dia me cansei, me oportunizei viver plenamente. E isso culminou num diálogo recente, se não foi o mais difícil, certamente foi o mais sensato que tive em anos: – Vá! – Lembro-me das palavras: – Não é responsabilidade sua cuidar da consequência de minhas escolhas do passado. Eu já vivi, agora é sua vez de fazer suas escolhas.’ E ele se foi. Não escolheu a mim. E isso também não me fere as perspectivas.

De fato, vivi. Plenamente! Espero que você também viva plenamente sua jornada. Mas lembre-se, querida, ninguém é obrigado a carregar as consequências de suas escolhas. Então, quando chega um momento é melhor deixar ir.]

Essas foram as palavras de Túlio, maquiador, aristocrata paranaense, um homem de sorriso largo que não me detive em conhecer numa cafeteria de Camboriú.

Veja que as famílias são semelhantes. Todas têm desafios, problemas, mesquinharias, muitos egos e superegos, mas principalmente se ajustam e se aceitam. De qualquer forma seguem unidos, mesmo que não estejam juntos.

Quando fazemos as escolhas para nossas vidas, algumas consequências podem demorar para chegar. E quando chegam, o outro não tem obrigação alguma de arcar com as nossas mazelas. Túlio me ensinou que é melhor deixar ir. Sei que não é fácil, mas é o correto a se fazer. Deixe ir, antes de se magoar com a pessoa que não é capaz de te amar por inteiro, ou caso, minha metade – disse Túlio.

Túlio perdeu grande parte da visão e a sola dos pés em decorrência do diabetes congênito. Viveu a glória de seus tempos áureos como maquiador, filho de militar com uma mãe que beirava à esquizofrenia. E agora, com parte da vida vivida, não se sente no direito de obrigar o outro a compartilhar suas consequências – eu tomei as decisões sozinho, essa pena é minha, não do outro – completa. Dignidade!

Vi Túlio saindo da cafeteria com seu triciclo motorizado, rumo ao AP que divide com seu cão de pequeno porte, irradiando mais felicidade e plenitude que muitos casais subordinados ao julgamento das redes sociais vivem na verdade. E ele ainda complementa em tom de brincadeira, se meu cão crescer além da conta, eu o devolvo, pois o amor tem pesos e medidas bem estabelecidos. O que serve para um, pode ser demais para o outro. Porque o amor é condicionado às situações que a vida nos oferece – brinca ele com um enorme sorriso.

Assim eu quereria meu último artigo: que fosse sincero, pleno e contagiante como a presença de Túlio naquele lugar.

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