A entrevista de domingo é com o pastor e professor Enock Pessoa, autoridade em filosofia e fé

Por Jorge Natal

Estado laico é aquele que não se manifesta em assuntos religiosos, garante essas liberdades e não adota religião oficial. Também não privilegia denominações, além de aceitar e garantir a liberdade de culto religioso e suas liturgias. Pelo menos é isso o que preconiza a nossa Carta Maior.

Ao longo da história, no entanto, nem sempre isso foi assim. E todas as vezes que Estado e religião se fundiram as consequências foram desastrosas. Se por um lado a religião forma um código de ética, com seus valores e princípios, por outro rejeita o contraditório, sufoca as lutas sociais e o sistema político democrático.

Embora o Brasil não tenha muita experiência quando o assunto é democracia, é uma nação interessante do ponto de vista religioso. Além da tradicional igreja apostólica romana, temos as matrizes africanas e indígenas, que se ramificam e formam centenas denominações. Isso sem contar com os protestantes, que, há três décadas, eram apenas dez por cento e hoje formam a metade da população brasileira.

Para falar desse assunto, vasto, profundo e complexo, o Acre News procurou Enock Pessoa, de 71 anos, pastor da Igreja Batista da Seis de Agosto. Professor aposentado da Universidade Federal do Acre (Ufac), instituição na qual foi regente do coral, ele “mete o dedo na ferida” ao apontar desvios daquilo que chama de propósitos do Reino, bem como das estratégias de crescimento adotadas por alguns líderes religiosos.

Vejam os principais trechos da entrevista:

Acre News – O senhor é professor, músico e pastor?

Enock Pessoa – Eu sou um acreano de Cruzeiro do Sul. Estudei Teologia e depois em Filosofia. Fui professor do ensino fundamental e médio e desde 1978 lecionava na Ufac. Depois fiz mestrado em Psicologia, doutorado e fiz um estágio na Bélgica trabalhando com Antropologia. A música entrou na minha vida desde criança. Eu gostava de cantar e aprendi a tocar alguns instrumentos como acordeon, violão e piano. Fui regente do coral da Igreja Batista do Bosque. No tempo em que essa denominação era batista. Eu sou pastor da Igreja Batista da Seis de Agosto desde 1989.

Acre News – O que é ser um Batista?

Enock Pessoa – Ser batista é acreditar e ser fiel à Bíblia como Palavra de Deus, crer em Cristo Jesus como único salvador e senhor e praticar seus ensinamentos.

Acre News – Diante de tantas coisas loucas acontecendo no meio religioso cristão, o que podemos chamar de desvios dos propósitos do Reino? E quais são os propósitos de Cristo?

Enock Pessoa – As igrejas são compostas por pessoas vivendo no seu contexto de tempo e espaço. As interpretações de crenças e de estilos de vida de cada grupo obedecem a critérios adquiridos pelas percepções de mundo de cada grupo específico. O único livro-texto do cristianismo protestante é a Bíblia Sagrada. O desvio consiste no afastamento dos cinco princípios da Reforma Protestante: só a Escritura, só a Fé, só Cristo, só a Graça e Tudo para a Glória de Deus. O propósito do cristão é reconhecer seu estado de incapacidade diante de Deus, de salvar a si mesmo, e se entregar de coração a Cristo, crendo nele como seu único e suficiente Salvador e Senhor.

Acre News – Como o senhor analisa o movimento neopentecostal e o de igrejas em células?

Enock Pessoa – Penso que o neopentecostalismo se desvia dos princípios cristãos quando deixa a ênfase na salvação do pecado e foca na prosperidade material. O movimento pentecostal clássico é bastante diverso. A Igreja Evangélica Assembleia de Deus, na minha avaliação, tem dado saltos de qualidade na sua prática cristã ao instituir o curso de Teologia para seus pastores. Já a Congregação Cristã no Brasil não mudou quase nada. O movimento das igrejas em célula é um modismo, que tende a cair com o tempo.

Acre News – Como o senhor analisa o movimento fé e política?

Enock Pessoa – Fé e política são coisas diferentes. Não podem se misturar.

Acre News – Existe uma bancada evangélica no Congresso Nacional. O que são pautas conservadoras e progressistas?

Enock Pessoa – A bancada evangélica, penso eu, funciona com base em buscas de sintonias próprias do pensamento conservador. Conservador na economia e nos costumes. As pautas conservadoras focam na Liberdade econômica e de expressão. As pautas progressistas estão relacionadas a uma visão estatizante da sociedade, ou seja, ao estado de bem-estar social. O problema é que esse estado precisa de capital financiador. O risco é a população se tornar igualitária, mas nivelada por baixo. Todos pobres. O governo tira dos ricos, mas o dinheiro não chega aos pobres. É gasto na máquina inchada e na corrupção. Um grande erro dos progressistas é achar que a minha condição de pobre tem como causa a riqueza de alguém. Eu penso que a riqueza é fruto do trabalho inteligente aliado com o controle de gastos. Se eu gasto mais do que ganho, adivinha o que vai acontecer! Weber trabalha isso com maestria na Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Essas ideias estão delineadas no meu livro Trabalhadores da Floresta (3a. Edição).

Acre News – O senhor acaba de lançar um livro. Qual é o assunto que aborda?

Enock Pessoa – O livro tem 12 capítulos. Os três primeiros abordam aspectos teóricos de Morin, Rokeach e Weber trazendo luz sobre os problemas humanos e sociais. O quarto capítulo aborda a questão indígena na Amazônia Sul Ocidental. O quinto capítulo trata da ocupação política e econômica da Amazônia. O sexto e o sétimo capítulos descrevem os deslocamentos humanos do Nordeste para a Amazônia e a adaptação das famílias nas margens dos rios. O capítulo oito descreve os atores sociais na Amazônia dos séculos XIX e XX. O capítulo nove aborda as lutas das mulheres na Amazônia. Os capítulos 10, 11 e 12 tratam de religião e religiosidades na Amazônia.