ARTIGO
A história do Taekwondo no mundo, Brasil e no Acre
Por Enilson Amorim
O taekwondo é uma arte marcial de origem coreana, que envolve muita destreza do praticante e causa inúmeros benefícios aos seus usuários, como melhorias na sua coordenação motora e de sua atenção. A palavra taekwondo é compreendida pela junção de três palavras coreanas Tae (pés) Kwon (mãos), Do (caminho espiritual) cuja junção fica “Caminho dos Pés e das Mãos”.
Segundo alguns registros históricos, esta arte marcial nasce de forma oficial no ano de 670 D.C, precisamente numa cidadesinha coreana chamada Surabul. Com o nome inicial de Taekyon, os oficiais do exercito desta cidade aderiram esta arte marcial visando um melhor desempenho das tropas nas batalhas em defesa daquela cidade que vez ou outra era atacada por saqueadores. Com intuito de melhorar ainda mais a qualidade da arte, seus generais acabaram criando um conjunto de técnicas e regras de conduta formando assim uma tropa de elite militar denominada HWARANG cuja filosofia esta baseada na disciplina mental nas diversas formas de movimento de pés e mãos e na destreza do arco, da flecha e da espada (BARBOSA e BARBOSA, 2012).
Durante a invasão Japonesa na Coreia, que aconteceu no início do século XX, toda a cultura coreana foi negada inclusive as artes marciais de origem coreana. Mesmo assim, alguns mestres resistiam e procuravam treinar suas artes marciais de forma bastante oculta. Após o final da Segunda Guerra os americanos obrigaram os japoneses a se retirarem do território coreano e a cultura daquele país voltou a respirar, afinal de contas os 36 anos de dominação japonesa havia sufocado ao extremo os costumes e tradições do povo coreano.
No entanto, a criação do taekwondo é atribuída ao general Choi Hong Hi, que durante 10 anos estudou as artes marciais milenares praticadas na Coreia e as uniu formando, assim, o que chamamos hoje de Taekwondo. Em 22 de março de 1966 foi fundada a Federação Internacional de Taekwondo (ITF), na capital da Coreia do Sul, Seul. Esta instituição internaciona,l juntamente com a World Taekwondo Federation (WTF), foram responsáveis pela difusão deste esporte em todo o mundo inclusive no Brasil.
No dia 08 de agosto de 1970, esta arte marcial, de origem coreana, foi introduzida oficialmente no Brasil, através da International Taekwondo Federation que, naquela ocasião, enviou o Grão-Mestre Sang Min Cho para difundir a prática desta arte em solo brasileiro. Inicialmente esta arte marcial foi ensinada para militares brasileiros levando em consideração seu embrião histórico militar. A abertura das portas em nosso país para a entrada do taekwondo foi permita pelo então Presidente Militar Emílio Garrastazus Médice, afinal de contas esta arte marcial deveria preparar os membros da polícia secreta dos militares da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) para combater corporalmente o avanço dos comunistas no país.
Somente mais tarde foi fundada em 08 de agosto de 1970, em São Paulo, a primeira Academia no bairro da Liberdade, local onde essa arte marcial milenar foi plantada a exatamente 53 anos e perdura até os dias de hoje. As principais dificuldades encontradas por estes mestres coreanos foram a adaptação a cultura brasileira como culinária e o nosso idioma.
Visando controlar as regras e normas da modalidade, as organizações internacionais como International Taekwondo Federation (ITF) e a World Taekwondo Federation (WTF) estimularam a criação de instituições em cada país que havia adotado o taekwondo, inclusive o Brasil e que todas associações fossem filiadas a estas entidades internacionais. Então, em março de 1974, foi fundado o Departamento Nacional do Taekwondo (DNT) que mais tarde viraria a Associação Brasileira de Taekwondo (ABT). Mais somente em 1990 esta última entidade se tornaria a Confederação Brasileira de Taekwondo (CBTKD), que acabou se filiando ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) em 1994.
Diante de seu fortalecimento do mundo e sua filosofia intensa os mestres coreanos resolveram fazer algumas adaptações do taekwondo enquanto arte marcial para que ele virasse uma atividade de competição. Foi a partir de 1960 que aconteceu a institucionalização do taekwondo e ele passou a ser fortalecido também como uma prática esportiva e finalmente aclamado como Esporte Olímpico nos jogos de Sydney em 2000.
O primeiro faixa preta graduado Mestre no Brasil foi o mineiro José Celestino Sobrinho, conhecido popularmente como “Mestre Sobrinho” que difundiu o taekwondo em Brasília. Na atualidade, após sofrer um início de um acidente vascular cerebral (AVC) o mestre reside em Minas Gerais.
Já aqui no Estado do Acre, o Taekwondo chegou em julho de 1989, pelo faixa preta goiano José Carlos Gomes Guimarães, o popular “Mestre Juca”.
Em 1973 aos 14 anos de idade Juca inicia seus primeiros passos no taekwondo na cidade de Taguatinga em Brasília com o mestre André Maurício de Oliveira e depois de 5 anos de prática no estilo chang moo kwan foi avaliado em exame de faixa preta pelo mestre coreano Jae Kyu Chung. Depois de algum tempo, Juca se depararia com um grande problema, tratava-se da unificação dos estilos desta arte marcial comandada pela World Taekwondo Federation (WTF), instituição máximo do taekwondo fundada em 1973 para gerenciar o taekwondo no mundo. Ora, quando o taekwondo se espalhou pelo planeta havia mestres praticantes de estilos variados dentre estes podemos destacar o Moo Duk Kwan, Judokwan, Chang Hun Ryo e o Chang Moo Kwan cujo estilo o futuro mestre José Carlos Gomes Guimaraês havia treinado.
Então, diante da unificação destes estilos para um único chamado Kukiwon, Juca e todos os faixas pretas graduados na época teve que iniciar seus treinamentos novamente com a faixa branca na cintura e somente em 1982 prestou exame de faixa preta novamente. Em seguida após aprovado no exame em 1982 foi para o município do Guará I para ministrar aulas de Taekwondo na Academia Pequeno Tigre na parte da manhã e a noite, dava aulas na Academia Okinawa Kan cujo proprietário era o mestre de Karaté Leônidas. Em 1984 ainda em Brasília, Guimarães conhece o mestre José Celestino Sobrinho cuja amizade abril espaço para Juca ser seu aluno. Na sequencia, Juca abre sua própria Academia intitulada Korean Tiger no Gauará II onde ficou como professor até 1989 ano em que veio para o Estado do Acre.
Chegando na na terra de Galvez, Chico Mendes, Glória Perez, Armando Nogueira e João Donato, Juca além de encontrar inúmeras dificuldades para difundir a prática deste esporte sabia que seu potencial venceria qualquer obstáculo. Dominando muito bem inúmeras armas marciais como Nunchaku, Tonfa e bastão o artista marcial Juca tinha recebido ensinamentos de mestres coreanos também de Hapkidô, o que lhe dava um diferencial como um exímio professor, marca que ninguém tiraria dele até os dias de hoje.
“A primeira vez que vim para a região norte foi através de um convite feito por líderes das FARCs (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Minha missão era treiná-las a eliminar o oponente com golpes de pés e mãos, sem usar faca ou qualquer tipo de armas de fogo, o que o taekwondo ensina com bastante precisão. No entanto, quando cheguei no Acre, este lugar me encantou e eu resolvi armar minha tenda por aqui mesmo”. Comentava o Mestre Juca na sua última conversa comigo, em minha casa, em outubro de 2020.
Diante de muita garra e determinação, Guimarães fundou a Federação Acreana de Taekwondo, ministrou defesa pessoal para as equipes de segurança pública do Estado e formou centenas de faixas pretas e mestres que acabaram se espalhando por quase todos os municípios acreanos. E o Taekwondo chegou a milhares de praticantes e formou centenas de competidores que fizeram e continuam fazendo bonito em competições nacionais e internacionais.
Um dos acontecimentos mais marcantes deste mestre, em solo acreano, foi numa apresentação em frente ao Palácio Rio Branco em 1991, quando retirou, com golpes de nunchaku, uma maçã da boca do ex-governador Edmundo Pinto de Almeida Neto.
Em 1993 Guimarães graduou-se Mestre pelas mãos do Grão-Mestre 9º dan Yong Min Kim que, naquela ocasião, era o Presidente da Confederação Brasileira de Taekwondo (CBTKD). O primeiro exame de faixa preta que Juca fez no Acre foi em 1995, e os ponteiras pretas que fizeram o teste foram: Jalder Solto (Gato), Stênio Tomas e Glaucídio Júnior e o Coronel Jordão. Cinco anos mais tarde, precisamente no ano de 2000, o Mestre José Carlos graduou outros faixas pretas os quais podemos destacar Ivan Iwamoto (atualmente mestre) Francisco Ruy, Francisco Ezivelto e Marcos Feitosa.
As primeiras mulheres praticantes desta arte marcial a se formarem faixas pretas foram: Suzi Mattos, Roberta de Melo, Maria Luzinete, Maria Evelene, Yanne Freitas da Silva e Berenice. Os primeiros faixas pretas a adquirirem a graduação de Mestre, sob a tutoria de Guimarães, foram: Mestre Francisco Glauco de Araújo Santos, Mestre André Luiz e Mestre Nasser Haluen.
Entre seus feitos humanistas, no Acre estão seus projetos de cunho social, quando criou diversos projeto para ensinar crianças que viviam em situação de vulnerabilidade social. De seu primeiro projeto, primeiramente iniciado com 200 alunos, somente o jovem Cleyton Ferreira (na atualidade 2º dan) da periferia do bairro do Taquari se formou faixa preta, no ano de 1998. Em seguida, “Juca” funda uma escola na polícia militar para “Guardas Mirins”, local onde formou muitos faixas pretas inclusive mestres.
A última vez que o Mestre Juca esteve em minha casa, juntamente com o mestre Ivan Iwamoto, foi para me pedir para escrever sua história enquanto estava vivo, mas infelizmente não deu tempo e o precursor do taekwondo acreano foi acometido pela COVID e depois de 6 dias entubado veio a falecer no dia 1º de agosto de 2021, às 23 horas e 45 minutos no INTO, em Rio Branco-Acre. Mesmo assim, diante de choros e lamentações da perda deste grande Mestre, que deixou inúmeros alunos órfãos, continuamos dando um viva para taekwondo acreano que completou 34 anos no Acre.
Após sua morte o Presidente da Confederação Brasileira de Taekwondo (CBTKD) o mestre Maciel Cavalcante veio ao Acre e concedeu ao Mestre Juca, que era sétimo dan, o título, in memoriam, de oitavo dan em taekwondo. Uma prova que seu legado foi reconhecido nacionalmente como o verdadeiro introdutor desta arte no Acre.
Na atualidade a instituição que gere o taekwondo no Estado é a Federação de Taekwondo do Estado do Acre (Feteac), que é filiada à Confederação Brasileira de Taekwondo (CBTKD). Ela está presente em quase todas as atividades ligadas ao esporte promovendo sua difusão e formação de seus praticantes. Além disso, a entidade, mesmo sofrendo muito com a falta de apoio, continua levando atletas para participarem de campeonatos nacionais e internacionais, dando quase sempre um lugar para hastear a bandeira do Acre em vários lugares deste país.
Um destes exemplos é o acreano Bryan Azevedo que por inúmeras vezes sagrou-se com excelentes colocações tanto em campeonatos estaduais como em brasileiros, que participou incluindo o Pan-Americano em Sogamoso, na Colômbia, onde o atleta ficou entre os quintos mais avaliados da América do Sul, um grande desempenho para o Acre. Um outro atleta de excelente destaque nacional é o acreano Philip Izidorio de 87 kilos que ficou em segundo colocado no ranking nacional no campeonato brasileiro realizado em Manaus este ano.
Já a segunda entidade criada no Acre pelos professores Nonato Vieira, Beto Nunes e Itassi Camargo foi a Federação Acreana de Taekwondo Interestilos (FATKI), que teve um importante papel na propagação da arte marcial em locais públicos como praças, escolas e teatros e formando campeões em diversas categorias. Esta entidade foi responsável por criar inúmeros projetos sociais, visando oferecer de forma gratuita o taekwondo para as crianças e jovens que viviam em situação de vulnerabilidade social.
Para que esta entidade fosse criada houve à necessidade de trazer o Mestre Yeo Jin Kim ao Acre que, naquela ocasião, era o atual Presidente da Liga Nacional de Taekwondo e um dos fundadores da Federação Brasileira de Taekwondo Interestilos. Sua vinda ao Estado, no dia 09 de abril de 2000, além de ajudar na fundação destas instituições foi também para formar cerca de 20 faixas pretas, dentre os graduados foram Levy Azevedo (atualmente mestre), Beto Nunes e Itassi Camargo (atualmente mestre) e Nil Figueiredo, entre outros.
A terceira entidade que tem realizado um excelente trabalho de difusão e formação de atletas de taekwondo no Acre é a liga Acreana de Taekwondo. Fundada em 2013, esta entidade veio da dissolução da Federação Estadual de Taekwondo Interestilos. Liderada pelo Mestre 6º dan Levy Azevedo, esta instituição além de formar atletas para competições graduou ao longo dos anos centenas de faixas pretas como também inúmeros campeões que trouxeram medalhas para o Acre. Segundo o Mestre Levy “a Liga Acreana de Taekwondo já formou mais de 42 campeões brasileiros, 10 Campeões da Copa América e 6 campeões do Desafio Nacional que foi realizado em Vitória, no Espírito Santo, onde a equipe acreana trouxe 6 medalhas de ouro”.
Enfim, o taekwondo cresce e continua crescendo, o que falta é um olhar mais humano por parte do poder público para com os nossos atletas. Inclusive, recentemente, o atleta Bryan Azevedo teve sua participação num campeonato de taekwondo cancelada fora do Estado justamente por falta de patrocínio, ou seja, o poder público prometeu financiar a estadia e passagem do garoto e na hora “H” acabou negando o auxílio ao atleta que na atualidade é o faixa preta mais jovem da América Latina.
Assim, o taekwondo tem uma história linda no Acre. No entanto a falta de apoio a este esporte no Estado é a nossa maior barreira e acredito que vamos superar nem que seja aplicando muitos Tora Furyo Tchaqui em barreiras políticas.
Portanto, sonhamos em dias melhores para o Taekwondo!
Enilson Amorim é graduado em Artes Visuais e história, é faixa preta pela Liga Acreana de Taekwondo, possui especialização em Docência do Ensino Superior e é membro da Academia Acreana de Letras (AAL), sendo o titular da cadeira de número 07.