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POLÍTICA

“A democracia não é um projeto consolidado”, diz pré-candidato a governador do Acre pelo PSOL

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Jorge Natal / Fotos: Wendel Grangeiro e arquivo pessoal 

Na década de 80, o antropólogo e escritor, Carlos Castañeda, disse que as expressões direita e esquerda tinham perdido os seus conteúdos semânticos. Fazendo um recorte na história, e tendo como modelo o Brasil pós-redemocratização, a confirmação pode ter sido materializada com as experiências dos governos de FHC (PSDB) de Lula e Dilma (PT). Esses dois partidos, que protagonizaram disputas eleitorais, tornaram-se governos graças às coligações que foram capazes de construir.

Como resultado, governaram por mais de duas décadas, com uma base e o apoio de partidos com ideologias tão diferentes, que a caracterização ideológica de seus governos se tornou uma tarefa dificílima ou quase impossível. O fisiologismo, tão presente na política brasileira desde a inauguração da República, foi a tônica da política brasileira nestas experiências, consideradas por alguns, como governos de centro-esquerda, esquerda ou mesmo de uma social-democracia.

A decadência ética daquele establishment político ajudou em muito o fortalecimento de novos partidos e movimentos de direita e de extrema direita. Entre esses, destaca-se o PSL e o Novo, sendo este último, apesar de sua concepção essencialmente liberal, ser uma agremiação que ainda não se consolidou como partido forte e organizado. O PSL, que embora exista a décadas, e possua um programa de direita, só ficou em evidência após os movimentos de ruas, e, pouco tempo depois, com o advento e a ascensão do “bolsonarismo”.

Diante do avanço dessas mobilizações e do sentimento de reprovação do regime democrático, que era evidente na sociedade, por que o PSOL e os outros partidos de esquerda e de centro não foram capazes de fazer uma autocrítica? Por que não se reinventaram?

Para responder a essas e outras perguntas, a nossa reportagem foi à sede do PSOL para conversar com o professor Nilson Euclides da Silva, pré-candidato ao governo do Acre. Ele tem 57 anos e é natural de Três Lagôas (MS), cidade que faz divisa com o estado de São Paulo. Nilson passou a sua infância no interior paulista e viveu a adolescência na capital. Cientista político e Professor Doutor da Universidade Federal do Acre (Ufac), ele falou sobre a sua juventude e trajetória até chegar à terra de Galvez, Chico Mendes e Marina Silva. Veja a entrevista:

Quem é o Nilson Euclides? Como o senhor veio parar no Acre?

Nilson Euclides – Bem, eu nasci em uma família de doze irmãos no interior de São Paulo. Sou filho de “barrageiro”, afinal meu pai e minha mãe (falecida) são sertanejos fortes, assim como tantos outros que migraram do Nordeste para tentar a vida no Sudeste. Meu pai passou a maior parte da sua juventude trabalhando na construção de usinas hidroelétricas como Paulo Afonso (BA), Furnas, Jupiá (MS) e Ilha Solteira (SP). Na segunda metade dos anos 70, a minha família se mudou para a capital onde eu passei a minha adolescência. O meu primeiro trabalho foi como office-boy em uma multinacional de engenharia.

Depois, na mesma empresa, eu fui trabalhar no setor de projetos, mais precisamente com arquivos técnicos. Os anos 80 são considerados como a década perdida e, claro, eu não passei ileso por ela. A empresa entrou em crise, e eu me vi forçado a procurar oportunidades de trabalho fora de São Paulo. Eu acabei aceitando o convite feito por um amigo e vim trabalhar no norte do Brasil. E o destino quis que, assim como meu pai, eu trabalhasse por cerca de quatro anos em uma Usina Hidroelétrica, que foi a de Samuel, em Porto Velho (RO).

Aquela experiência me fez acreditar que eu seria um bom engenheiro civil. E aquele sentimento me fez retornar para São Paulo e tentar cursar a faculdade de Tecnologia em Construção Civil, da Universidade Mackenzie. Acho que dois anos foram o suficiente para eu perceber que não me identificava com a engenharia. Por outro lado, os debates políticos feitos por analistas e cientistas políticos, que eram frequentes durante as eleições para presidente 1988/1989, me fez finalmente perceber que ali estava a minha vocação, ou seja, a Ciência Política. Quando eu cheguei ao Acre, em 1994, eu vim para trabalhar e estudar. Eu já tinha duas irmãs morando aqui. Como eu tinha experiência e conhecimentos de arquivos técnicos e microfilmes, investi o pouco que eu tinha no aluguel e compras de equipamentos de microfilmagens. E com muito esforço consegui um contrato com o extinto Banacre para microfilmar os cheques e documentos contábeis.

Poderia ter sido uma experiência mais exitosa, mas, com o fim do banco, restou-me buscar o outro objetivo, que era de me formar em Ciências Sociais. Me graduei em 1999, concluí o mestrado em 2002 e o doutorado em 2009. O Acre e a Ufac me deram as condições de realizar um sonho que dificilmente seria possível em outro lugar. Sou muito grato ao povo do Acre, que me recebeu de braços abertos, à UFAC, que foi a instituição que proporcionou todas as oportunidades para que eu me tornasse o profissional que sou, e a família maravilhosa que fui capaz de construir. Eu tenho uma eterna dívida de gratidão.

O que é acreanidade?

Nilson Euclides – Não é um conceito sociológico (para não deixar a mania de professor). É um sentimento que apenas as pessoas que são capazes de vivenciar, de maneira sincera, as singularidades da história desse povo, as belezas e os encantos desta terra são capazes de sentir. É mais um sentir do que um falar ou explicar.

Esse sentimento contribuiu para que o senhor decidisse ser pré-candidato a governador?

Nilson Euclides – Não tenha dúvida. Estamos vivendo um momento grave no que diz respeito à manutenção do regime e dos valores democráticos no Acre e no Brasil. Os golpistas, os sectários e os extremistas perderam a vergonha e atacam à luz do dia os direitos que são sagrados para qualquer democrata. Este é o momento que o Acre e o Brasil precisam de homens de coragem, e que estejam dispostos a lutar pela manutenção da democracia como modelo de governo e, claro, por um Acre muito melhor do que este oferecido pelos patrões e donos de barracão contemporâneos.

Enquanto professor e cientista político, eu tenho acompanhado e analisado a política do Acre nos últimos 20 anos. Hoje eu sinto que tenho a responsabilidade com a defesa da democracia, que é alimentado por um sentimento de gratidão e de retribuição que devo aos meus irmãos acrianos. Estas são as causas desta opção de fazer política partidária e disputar o centro do poder no Estado.

Quando registrar a sua candidatura, o que o senhor vai propor para os acreanos?

Nilson Euclides – Primeiro, a minha candidatura estará acompanhada por um programa de governo responsável, exequível e acima de tudo popular. Não acredito que se possa viver a democracia sem uma sociedade civil organizada e a participação popular. Unir a razão política e as técnicas e métodos modernos e eficazes de gestão pública, que, associados a afetividade política, fará da nossa experiência de governar o Acre um divisor de águas entre uma utopia desprovida de paixão e a distopia escancarada que hoje está sendo experimentada.

Esta última, fruto de um governo de direita que se caracteriza pela falta de inteligência e o amadorismo administrativo, que é somado à ignorância e ao “negacionismo” tolo, inconsequente e sem caráter de “alguns” de seus membros e defensores.

O senhor será candidato num momento de quase total descrédito da classe política, conflito entre as instituições, não obstante à crise ideológica que aflige os partidos de esquerda. Comente sobre isso? 

Nilson Euclides – A negação e a satanização da política, somado aos ataques covardes feitos por setores de uma direita ignorante e radical, que, infelizmente, tem tido espaço no parlamento e na imprensa, construíram um quadro extremamente grave e fragilizado das disputas eleitorais. Não há uma polarização como querem fazer crer alguns porta-vozes do caos ou as “penas amestradas”. O que existe é um lado que, apesar de todos os erros cometidos e das diferenças ideológicas, deve se unir em defesa da disputa civilizada de alternância dos governos que caracteriza os regimes democráticos.

Não se trata do bem contra o mal ou de nós contra eles, mas da seguinte situação: de um lado facções travestidas de partidos e de lideranças que atacam a liberdade e os direitos do povo brasileiro, e do outro partidos e lideranças que não negociam a democracia e os princípios republicanos conquistados com muito sangue e suor do povo brasileiro. Essas forças nefastas que, infelizmente, contam com o apoio de muitos políticos eleitos ingenuamente pelo povo do Acre serão varridas e recolhidas para o lixo da história.

Espero que os partidos do centro, da direita e da esquerda ao refletirem sobre os erros cometidos tenham aprendido que não se brinca com a democracia, e muito menos com as esperanças e a fé depositada pelo povo nas suas conquistas e nos seus valores. O remédio para curar os males da democracia é sempre mais liberdade e mais democracia ou para parafrasear Madson: “remédios democráticos para males democráticos”.

Por que a população brasileira rejeitou os partidos de centro-esquerda e elegeu o presidente Bolsonaro?

Nilson Euclides – A política brasileira ainda não se libertou do personalismo e da ideia de governos autocráticos como aqueles mais capazes para governar. A democracia no Brasil, assim como em outros países, tem sofrido com a ascensão de partidos e movimentos de extrema direita. Eles ascenderam, e se fortalecem a cada eleição porque a democracia não é um projeto acabado, mas de eterna vigilância dos seus valores. Esse é um trabalho que deve ser realizado por governos democraticamente eleitos em parceria com a população e as instituições.

O processo de redemocratização no Brasil não pode ser entendido como algo que terminou com a CF de 1988. Pelo contrário, na CF estão as bases daquilo que deveríamos fazer, e que infelizmente não fizemos. Uma democracia mais participativa e inclusiva como instrumento capaz de levar o país a redução das desigualdades, em resumo, da consolidação de um “Estado de Bem-Estar Social”, que infelizmente nunca se realizou. Os governos de centro (PSDB e PT), que se alternaram no poder nas últimas décadas, praticaram uma espécie de “populismo” travestido de política social, que, somados às suas estratégias de permanência no poder, desperdiçaram uma oportunidade histórica de ampliação e de valorização da democracia como um regime capaz de transformar a vida do povo. O Bolsonaro é fruto de uma cultura política autoritária, que ainda existe no país, que foi alimentada e hiperdimensionada pela indigência e irresponsabilidades dos governos eleitos nas últimas décadas.

É urgente e necessário que retomemos o país das mãos das facções que tomaram o poder por meio do sistema que eles agora querem destruir para, dessa forma, se perpetuar no poder. Os governos anteriores, apesar de cometerem erros históricos, não atacaram as instituições e a República Brasileira. Eram mais responsáveis e civilizados. O que temos no país hoje é a soma do negacionismo, ignorância e uma delinquência ética e intelectual. A tempestade perfeita para uma noite muito fria e escura. Mas acredito que o Sol voltará a brilhar em breve. Afinal, “creiamos para não mergulhar em uma noite escura e não enlouquecer”.

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