CULTURA & ENTRETENIMENTO
A história de Enilson Amorim, cartunista, artista plástico, historiador, escritor e imortal da Academia Acreana de Letras
Por Marcio Levi
É natural do ser humano ter sonhos. Mas quando se é criança, esses pensamentos são mais presentes na mente. Uns sonham com bens materiais, outros com conhecimentos, “algo que ninguém pode roubar”, diz o ditado popular. Para muitos, esses pensamentos ficam pelo caminho no decorrer da vida, para outros, se transformam em meta. Dependendo da posição geográfica em que o indivíduo nasce, em um país continental como o Brasil onde reina a desigualdade social, esses sonhos se tornam quase impossíveis.
“Nasci na periferia de Rio Branco, capital do Acre, no Segundo Distrito da cidade. Meus pais deixaram o seringal na década de 70. Não era possível viver mais da extração do látex, eles chegaram à cidade para que seus filhos tivessem a possibilidade de estudar”.
Estas são palavras de Enilson Amorim, que quando garoto, visava dias melhores. A educação, que no caso do cartunista, sempre esteve associado ao talento na área das artes plásticas, lhe traria não só melhores condições financeiras e reconhecimento, mas também inúmeros processos judiciais por parte de poderosos, principalmente do meio político. Mesmo assim, o menino franzino cujas mãos pareciam ser guiadas pelo espirito dos artistas da renascência acabou se transformando num dos desenhistas mais prósperos e polêmicos de seu tempo.
Os avôs paternos de Amorim são oriundos do Ceará e os maternos são migrantes do Estado do Alagoas que chegaram ao estado do Acre no auge da exploração da borracha no ano 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, Enilson Amorim, de 48 anos, é considerado no meio cultural como uma das personalidades mais renomadas do segmento no estado e possui um Curriculum artístico de tirar o fôlego.
De origem humilde, os pais de Enilson Amorim a dona Francisca Amorim de Lima e Manuel Rufino de Lima, nasceram e cresceram no “Seringal Novo Sistema”, localizado em Plácido de Castro, no interior do Acre. Por lá, começaram a trabalhar como seringueiros em uma região onde ocorria muitos conflitos agrários entre os pecuaristas sulistas e os seringueiros, que lutavam para sobreviver. Nesse contexto em que estavam inseridos, sentiram a necessidade de migrarem para a capital Rio Branco.
Com a escassez de escolas na zona rural, os irmãos de Amorim chegam à cidade analfabetos, como a maioria esmagadora dos jovens que viviam naquelas circunstâncias. Com os poucos recursos financeiros que a família trazia do seringal, o patriarca comprou uma casa nas proximidades do antigo Aeroporto de Rio Branco, local onde Enilson nasce e começa sua vida. Com o passar dos anos, os pais se divorciam e o adolescente, que já se interessava pelas artes, passa a viver em território nordestino com o pai e seu talento se torna cada vez percebível por aqueles com quem ele convivia.
De volta às origens
Com a separação, Manoel vende a residência da família. Ao todo, eram 12 irmãos e seu pai leva apenas Enilson e Nina Maria, sua irmã. Dona Francisca fica no Acre com os outros10 em situação de extrema vulnerabilidade social.
“Como éramos os mais novos, fomos levados eu e minha irmã para o Ceará com ele deixando minha mãe com dez filhos, sem dinheiro e sem casa. A promessa é que ele mandaria parte do dinheiro da venda da casa, algo que nunca aconteceria. Minha mãe ficou na rua, mas foi amparada por um dos meus irmãos mais velho chamado Laezo Amorim, que era policial militar e morava no bairro Taquari”, relatou Enilson com o som de voz embargada.
No estado do Ceará, mais precisamente na cidade de Baturité, Enilson foi matriculado em um colégio Internato da Igreja Católica, onde começa a descobrir, de fato, seu talento tanto nas artes plásticas como na escrita.
Com o dinheiro da casa que havia vendido no Acre, o patriarca decide comprar uma casa em Baturité e investir a maior parte na poupança de um banco público. Anos depois, todo o valor é confiscado pelo governo Collor, no auge da crise política que vivia o país na década de 1990.
Durante dois anos que estudou na escola católica Monsenhor Simão Filho, que tinha regras bastante rígidas e cuja grade curricular visava preservar os preceitos religiosos e a valorização da arte de maneira geral, o adolescente, inspirado nas apresentações ofertadas por esta instituição de ensino como recitais de poesias, musicais e estudo de obras de grandes artistas como Picasso, Rafael Sanzio, Michelangelo e outros, o jovem artista acaba desenvolvendo seu talento nas artes plásticas e na escrita.
Adaptado ao novo ambiente cultural, o jovem teve de retornar ao Acre, isso porque seu pai não possuía condições financeiras para permanecer no Ceará. De volta a Rio Branco, passa a morar com sua mãe no bairro Taquari, onde vende refrescos e quibes com seus irmãos para sobreviver, alimentos estes que sua mãe produzia e era uma das fontes de renda da família para ajudar nos custeios dos estudos.
Mesmo com as dificuldades financeiras, Enilson continua os estudos aos quinze anos e, paralelo a isto, continua trabalhando nas ruas de Rio Branco, produzindo retratos das pessoas e passa a viver completamente da arte. Devido ao seu talento, dois anos depois, começa a trabalhar como cartunista e caricaturista no Jornal O Rio Branco, um dos veículos de comunicação mais renomados do estado do Acre.
“Era uma época em que não existe computador para esse tipo de trabalho. Eu fazia letreiro para nomes de mercearias, bares e retrato das pessoas nas praças, de tudo um pouco. Foi quando apareceu uma oportunidade para trabalhar no Jornal O Rio Branco, fui selecionado para trabalhar como chargista e cartunista na redação desse importante meio de comunicação e lá conheci grandes pessoas da comunicação do nosso Estado, como: Evandro Cordeiro, Mara Rocha, Silvania Pinheiro, Antônio Muniz, Wânia Pinheiro entre outros”, contou.
O jornalista Antônio Muniz cita a chegada e de sua convivência com Enilson no Jornal O Rio Branco.
“Ele era um menino muito focado, alguém que se atentava aos pequenos detalhes do cotidiano que o cercava. Costumo dizer que ele é alguém que está sempre a frente do seu tempo. Algo típico dos grandes artistas, como é Enilson”, comentou o jornalista.
Como cartunista e diagramador no Jornal O Rio Branco, o cartunista rapidamente se torna um dos maiores da sua área na capital acreana, recebendo cerca de três prêmios de Jornalismo José Chalub Leite, prêmio este, considerado o óscar do jornalismo acreano e é claro, o reconhecimento da sociedade – que é a meta de todo artista. Vivendo um bom momento profissional, o jornal muda sua linha editorial e começa a adotar uma posição mais crítica ao então governo da época, que tinha como líder o engenheiro florestal Jorge Viana, do Partido dos Trabalhadores (PT), momento este em que Amorim é processado judicialmente algumas vezes pelo próprio governador e alguns de seus secretários, por suas caricaturas de extremo arrojo crítico ao chefe do executivo acreano naquele momento.
“Foi um momento muito difícil, os políticos da época tinham a dificuldade de entender o papel critico que a caricatura e a charge têm na comunicação. Sofri muitas retaliações pelo meu trabalho. Meus trabalhos literários que já estava exercendo naquele momento e buscado financiamento público para poder executar, não conseguia”, relata o artista.
Com o passar dos anos e sua carreira consolidada nas artes visuais, Enilson começa a conviver com Helio Melo, uma das maiores personalidades do segmento artístico, cultural e literário da região Norte. Hélio, que tinha como paixão a pintura e as escritas infantis, principalmente com contos e personagens regionais, foi a grande inspiração de Amorim para adentrar de vez na literatura infantil. É neste contexto que nasce a principal obra literária infantil de Enilson Amorim, o livro ilustrado: “Mapinguari: A Lenda”. “Essa obra eu publiquei há quinze anos e já está na quarta edição. E também procurei conhecimentos para transformar esse livro em desenho animado, com essa animação a obra foi selecionada no Amazônia das Artes no ano de 2015 e exibido através desse projeto em onze estados brasileiros, foi uma alegria imensa levar a nossa cultura para outros lugares”, comenta.
Manoel Paim, proprietário de uma das mais tradicionais livrarias do estado do Acre e entusiasta do segmento cultural regional, elogia as obras do autor e faz críticas às autoridades políticas, que na sua visão, não dão o devido apoio a esses profissionais.
“Acompanho o trabalho do Enilson há décadas, admiro sua sensibilidade em retratar nossa cultura regional, principalmente para o público infantil. Infelizmente, muitas pessoas, entre elas algumas autoridades, fazem muito pouco para incentivar nossos artistas”, disse o empresário.
Nos últimos anos, Enilson tem dedicado seu trabalho principalmente as obras literárias infantis, e lançou os livros ilustrados: Clarinha e o Boto, O Canto do Uirapuru, todos com mais de uma edição.
Com suas obras que retrata aspectos do folclore local e o reconhecimento da sociedade e da visibilidade dos críticos do seguimento literário levaram o escritor a ser um dos imortais da Academia Acreana de Letras sendo o titular da cadeira de número 07.
O autor continua trabalhando em suas obras, tanto nas artes plásticas quanto literárias com previsão de lançamento para os próximos meses de um novo livro intitulado “Mapinguari em Quadrinhos” que está sendo financiado pelo Fundo Municipal de Cultura através da Fundação Garibaldi Brasil (FGB) e da Prefeitura Municipal de Rio Branco.
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