ACRE
“Ainda volto para o rádio e retomo minha audiência”, promete Reginaldo Cordeiro, o “Rei do Brega”
Evandro Cordeiro
Reginaldo da Silva Cordeiro era um relojoeiro que, antes de ser relojoeiro, engraxou sapatos nas ruas de Rio Branco, vendeu picolé, lavou carros, foi torrador de café e atendeu como garçom no bar Brotinho, quando no Acre ainda nem existiam os garçons, como na atualidade. Tudo isso antes dele se tornar celebridade, ao entrar para o rádio, assumindo a identidade de Reginaldo Cordeiro, o “Rei do Brega”. Como ele fez sucesso em uma época que a rádio Difusora Acreana já transmitia em cadeia para todo o Estado, sua fama foi até o cafundó do judas. É conhecido em todos os municípios e vilarejos, e até fora do Acre. Adquirir toda essa bagagem, contudo, levou um tempo e tem uma história e tanto. A mais recente envergou o “rei”, mas não quebrou. Ele perdeu a perna esquerda há pouco mais de um ano, numa briga medonha contra o diabetes, uma doença crônica na qual o corpo não produz insulina ou não consegue empregar adequadamente a insulina que produz. “O golpe foi duro, mas não me derrubou, nem vai derrubar. Ainda volto para continuar minha história no rádio”, disse ele ao Acrenews nesta sexta-feira, 4, feriado de Corpus Christi, ao nos receber em casa, uma bela residência cercada de muitas árvores na cidade velha de Porto Acre, próximo às margens do rio Acre.
Reginaldo Cordeiro é um cidadão do Acre, nascido no município de Tarauacá. Foi pego pela parteira no dia 6 de julho de 1953. Filho do Delegado de Polícia Chiquim Rezende e da dona Nidinha, tem 33 irmãos. Isso mesmo. Uma maioria ainda vivos. “Brega” ficou em Tarauacá até seus 11 anos, quando se mudou para Rio Branco. Na capital a vida não foi fácil até o estrelato, ao passo que precisou ralar em atividades marginalizadas ainda hoje, casos de engraxates, vendedores de picolés e lavadores de carro. A coisa só deu uma aliviada quando ele teve a oportunidade de trabalhar na fábrica do guaraná Libertador, a grife da época, quando o assunto era bebida.
Nosso “Rei” trabalhou muito, mas também se divertiu com tudo isso e ainda estudou pra caramba, mesmo em meio às dificuldades da época. Foi aluno do período noturno do colégio Maria Angélica de Castro. Perto de concluir o ensino primário, como era chamado o ensino básico de então, o Cordeiro mais famoso do rádio foi trabalhar de relojoeiro.
A vida no mercado de uma capital, mesmo sendo a Rio Branco do início dos anos 1970, bucólica, já não era tão fácil. Nos mercados estão os poetas, mas também muitos malandros e trapaceiros, escrevia sempre o poeta Jorge Naylor (in memoriam). Reginaldo Cordeiro, mesmo assim, conquistou seu espaço. Era um ótimo relojoeiro, segundo testemunho ele mesmo, por falta de depoimentos de terceiros. Ganhou um pouco de dinheiro com aquele trabalho e até gostava daquilo, mas sentia que Deus havia reservado algo a mais, segundo o próprio. Pois certo dia foi ao estúdio da rádio Difusora Acreana para dar um alô no horário de um programa de grande audiência, o Anoitecer no Seringal, animado pelo lendário radialista “Compadre Lico”. Cordeiro deu aquele alô, achou aquilo tudo muito mágico, e voltou para dar outras palhinhas naquele horário. “Daqui a pouco eu passei do alôzinho para anunciar música, já bem entremetido no programa do Lico”, conta. Certo dia, o velho “Lico” precisou se afastar por uma semana. O diretor da emissora era o “paizão” de todos os radialistas contemporâneos, Pedro Paulo Menezes de Campos Pereira, o Campos Pereira, um sujeito generoso, principalmente quando pressentia que alguém precisava apenas de uma oportunidade. O próprio Campos convidou Reginaldo para ficar aqueles dias no lugar do “Lico”. Foi suficiente. Cordeiro nunca mais saiu do ar. Melhor: virou campeão de audiência ao criar e apresentar, nas tardes de sábado, o programa Carrossel Musical.
Naquela época o rádio transformava seus locutores em verdadeiras entidades, celebridades de um instrumento de comunicação mágico, como ainda é, mesmo com a chegada da internet. Reginaldo ainda traz essa magia até hoje. Ele é a cara do rádio, sobretudo porque conversa com a gente como se estivesse falando com seus “súditos” pelas ondas médias que percorrem o infinito.
Aos 68 anos de idade, Reginaldo Cordeiro ainda é uma figura forte do rádio, um galanteador nato. Mesmo sem parte da perna, continua esbanjando o dom da conquista, evidentemente da amizade das pessoas. Recebe gente em casa como poucos, um gentleman por natureza. “Isso é, também, um tipo que os radialistas fazem para ‘cantar’ seus ouvintes. De forma respeitosa, claro. Cantar no sentido de conquistar para a audiência”, explica o soberano. Do ponto de vista das conquistas afetivas, o “Rei” nega a fama de mulherengo, embora admita algumas aventuras e as desventuras, tanto que casou apenas duas vezes. Com a primeira mulher, dona Gercina, tiveram três filhos. Separou e casou novamente, agora com a Lenny Cordeiro, com quem tem um filho, o Leonardo. O casamento já dura 25 anos. Hoje Reginaldo é um senhor garoto, mesmo perto dos 70 anos. Ainda que sem a perna, o astral continua na altura das ondas do rádio. A rigor, é para o rádio que ele quer voltar – e urgente. “Só esperando a pandemia terminar para voltar. Não vivo sem aquilo”, diz ele, bem-humorado e elogiado pela esposa. “Reginaldo para mim hoje é um bom pai e um excelente marido, um bom companheiro”, diz a Lenny.
MOMENTO DA TRAGÉDIA, A PERDA DA PERNA
A indesejável relação do Reginaldo Cordeiro com o diabetes é antiga, mas ele não sabia. Segundo conta, há pouco tempo é que soube da presença em seu organismo de um mal tão devastador, por meio de exames de rotina. “Quando descobri já estava muito forte”, diz ele, que nem gosta de lembrar os infortúnios. Ele acha que não ter mais uma das pernas é drama suficiente para martelar o quengo de qualquer um até o fim da vida. “Basta ver que perdi minha perna. E isso a gente supera. Não é tão fácil assim, mas supera. Ainda hoje, mais de ano depois, ainda tenho muitas dificuldades. Mesmo com a proteste, ainda ando com as muletas, porque ainda falta confiança”, diz nosso “Rei do Brega”.
Até perder a perna foram dias de muitas dificuldades, a começar pelas internações para tratar de ferimentos que teimam em não cicatrizar. Aquilo tudo é um “inferno”. A sorte é que algumas pessoas ainda são sensíveis. Ele lembra, por exemplo, quando apareceu em sua epopeia o secretário de Saúde do Acre, Alysson Bestene. “Tenho muito a agradecer esse rapaz, porque fui tratado como um rei. Nunca tinha visto a Saúde tão organizada, como sob as ordens dele, com aquele jeito delicado, amigo”, conta, agradecido.
Essa passagem da vida Reginaldo não conseguirá apagar de vez, mas ele promete que fará de tudo para olhar só para a frente. Ele acha bem melhor relembrar as coisas boas que viveu para trás, como as cinco eleições que disputou, algumas batendo na trave, outras, sofrendo derrotas acachapantes. Quer lembrar do futebol que sempre gostou de jogar e das amizades que fez com tantas pessoas, na estrada da vida. Para finalizar, Cordeiro diz que as pessoas precisam refletir, antes que surjam os maus dias. “As lições estão aí”, aconselha nosso “Brega”, para quem as cortinas continuam abertas, esperando por ele no palco, ainda que sem uma das pernas.
E viva o “Rei do Brega”, do rádio e da vida!
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