Artículista do AcreNews e das redes sociais, professor Raimundo Ferreira de Souza escreve nesta quinta sobre a dor

A DOR

Voltamos a falar de Kahlil Gibran, desta vez para comentar o capítulo A Dor, contido na obra O Profeta. O aspecto curioso que merece destaque é a inversão de significado apresentada pelo autor. Todos sabemos que a dor, em nossa concepção comum, está associada ao sofrimento, ao peso de algo negativo ou até abominável. Contudo, Gibran nos convida a enxergá-la de outro modo: como experiência positiva, capaz de nos despertar, motivar e impulsionar ao crescimento.

Para ele, a dor não é apenas sofrimento; é também aprendizado, é sinal de evolução. Aparece, portanto, como um fator pedagógico, um mestre que nos empurra em direção à superação.

Para compreender essa visão, precisamos desconstruir a concepção moderna de que a dor é unicamente um mal. É necessário voltar aos fundamentos da própria natureza: para que ocorram fenômenos, transformações e ciclos de vida, muitas vezes é preciso haver sacrifício. A vida nasce, cresce e se renova em meio ao sofrimento e à luta. Assim, a dor é inseparável do renascimento, do crescimento e da evolução.

É importante lembrar que não se trata da dor provocada por acidentes ou violências deliberadas, mas sim das dificuldades inevitáveis da existência. São essas dores cotidianas — os obstáculos, as perdas e os desafios — que nos fortalecem e nos ensinam a seguir adiante.

No capítulo, estruturado em poesia e diálogo, uma mulher pede ao Profeta que fale sobre a dor, e ele responde:

“A vossa dor é o quebrar da concha que envolve a vossa compreensão.
Assim como o caroço da fruta tem de fender-se para que o seu coração fique exposto ao sol, também vós deveis conhecer a dor.
E se conseguisseis maravilhar-vos com os milagres diários da vossa vida, a vossa dor não vos pareceria menos intensa do que a vossa alegria; e aceitaríeis as estações do vosso coração, tal como haveis aceite as estações que passam sobre os vossos campos”.
Com essas palavras, Gibran mostra que a dor faz parte do processo de abertura do ser humano. Tal como a semente precisa romper sua casca para encontrar a luz, também nós precisamos passar pela dor para alcançar a compreensão e a plenitude.