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ACRE

Especialista em recursos estratégicos havia previsto escassez de água em Rio Branco

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AS ÁGUAS DO ACRE: UM GRANDE NEGÓCIO


07 de janeiro de 2021

Marcos Sant’ana

Cerca de 70% da superfície da Terra é coberta pelas águas dos oceanos. São 97,61% no total; que em razão da sua quantidade de sal é imprópria para o consumo humano. Cerca de 2,08 % estão nas calotas polares e geleiras e apenas 2,4% são de água doce. Porém, apenas 0,02% estão disponíveis em rios e lagos para abastecimento social, produção de alimentos e consumo humano direto, isso sem levar em conta o grave problema da poluição que afeta esses 0,02% dos mananciais.

Segundo o último relatório da Agência das Nações Unidas para Água (UN- Water), países como: Israel, Índia, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, México e China já sofrem com grave escassez de água e países como: Líbia, Iêmen, Afeganistão, Síria, Somália, Irã, Quênia e Iraque já travam algum tipo conflito armado pelo acesso à água.

Ainda em março de 2020, a ONU divulgou um estudo onde aponta que 2,2 bilhões de pessoas no mundo estão sofrendo com a escassez de água em níveis extremos e até 2050 podemos chegar de 3,5 a 4,4 bilhões de pessoas sofrendo com a insuficiência de água e até conflitos armados.

Nos últimos anos, a água deixou de ser “só água” para se tornar recurso sensível/estratégico em todo o globo, em qualquer estudo de jogos de guerra e geopolítica, a água tem se mostrado uma das principais armas de ataque e defesa. Os países hoje que possuem reservas de água são países vantajosos nos cenários de conflitos armados e negociações.

O Brasil tem o maior estoque de água doce do mundo, cerca de 12 %, além dos rios e lagos, temos cinco aquíferos de extrema importância e absolutamente estratégicos para o Brasil e o mundo, são eles: Guarani, Alter do Chão, Cabeças, Urucuia – Areado e Furnas. Para se ter uma noção do tamanho dessas reservas, só o Alter do Chão tem a capacidade de sustentar o abastecimento de água doce do planeta por cerca de 250 anos.

No Brasil, o agronegócio é disparado a atividade que mais consome água, cerca de 83% seguido pela indústria, 11%. Em um relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017, para cada R$ 1,00 de Valor Adicionado Bruto gerado, foram consumidos aproximadamente 6,3 litros de água. Ou seja, embora não haja consciência, pois para a maioria esmagadora da população, a água é a principal engrenagem da economia brasileira.

Alguns estados concentram uma parte considerável dessas reservas naturais, uma delas é o Acre. Com uma área de mais de 150.000 km² de água em seu subsolo e 1.190 km de rios, o Acre é uma das potências nacionais em reservas de água doce, sendo inclusive, junto com Amazonas e Pará, um dos três estados que armazenam no subsolo as águas de aquíferos importantes, como o aquífero Rio Branco, situado na capital do estado.

Mas há de se observar, que mesmo com toda essa relevância estratégica, é fácil perceber que: nem governo, nem população tem ciência da importância do estado nos cenários de segurança hídrica nacional e internacional.

Talvez um dos exemplos disso é a cultura que o acreano tem de lavar quintais, calçadas, carros, entre outros com água potável; em alguns poucos lugares até mineral. É o famoso “baldear”, talvez pela falsa sensação de segurança hídrica e o constante contato visual com rios e lagos, cria-se uma falsa ideia de um manancial infinito e barato.

A prospecção de cenários quando o assunto é recursos hídricos no estado, aponta um ano com muitos problemas no abastecimento e uma grande probabilidade de racionamento dos recursos podendo chegar até a escassez, a capital do estado como já vivenciou esse mesmo cenário em 2016, é sem dúvida nenhuma, o município que mais necessitará de um planejamento estratégico e muita competência dos gestores.

Os governos por sua vez, nunca demonstraram na prática interesse em preservar ou incentivar a população a economizar água. Não houve investimentos precisos em campanhas educativas nesse sentido, ou qualquer tipo de propaganda nos meios de comunicação tradicionais e nas mídias sociais que reforce a extrema importância de se cuidar das águas do Acre. Além disso, é fundamental e urgente, que a população acreana tenha ciência, da importância do estado no contexto geopolítico e das relações internacionais, quando o assunto é água.

É curioso também, o estado até os dias atuais, não possuir um reservatório estratégico para o abastecimento da população no período do verão amazônico. Todos os anos as autoridades levam pânico à população, informando o risco de desabastecimento crítico pelos baixos níveis dos rios. Mas nada de concreto foi feito, há uma transferência de responsabilidade quando a solução adotada e “apenas” pedir à população que economize água.

Ao longo dos anos, o estado não fez investimentos precisos em qualquer ação para a segurança dos espaços onde estão os recursos hídricos, não criou um planejamento estratégico para prevenir possíveis óbices durante o percurso de tratamento/produção da água, e mantém vulneráveis os pontos de captação de água. Ou seja, a linha de produção e tratamento de água do estado do Acre é vulnerável a óbices, sabotagens, desgastes negligenciados e ataques.

E por que o Estado deveria se preocupar com isso? Simples! É comum nos rios acreanos, o transporte de combustíveis feitos através de embarcações de médio/pequeno porte e balsas. Em uma hipótese bem remota, ou não, se houver um acidente fluvial com essas embarcações durante o transporte desses produtos, o derrame desse combustível comprometerá o abastecimento de água por semanas e até meses, dependendo da localização e a quantidade do derrame.

Outro exemplo mais complexo, com probabilidade também de acontecer, é um desses caminhões que faz o transporte de produtos químicos, sofrer um acidente intencional ou não, em cima de uma ponte ou em uma das estradas que estão às margens dos rios. Ou ainda uma inversão/aumento de força na casa de máquinas e nas linhas de bombeamento, qualquer “elemento” mal-intencionado pode produzir uma sobrecarga e danificar todos os componentes eletrônicos e eletroeletrônicos local. Em uma linguagem mais popular, um curto circuito planejado pode paralisar toda a produção de água de um setor.

É compreensível que a população “comum” não tenha noção da vulnerabilidade da segurança hídrica e das águas do estado. Mas, é inadmissível, e ao mesmo tempo difícil de acreditar, que ao longo dos anos, os governos e os políticos locais desconheçam e/ou ignorem todos esses problemas existentes há décadas.

A responsabilidade de tratar e distribuir a água para os acreanos é do Departamento Estadual de Água e Saneamento (DEPASA). O DEPASA que deveria ser um dos órgãos com maior investimento estratégico, hoje é apenas um “grande problema público” que tem uma forte influência de políticos e apadrinhamento de cargos comissionados, que são admitidos para o trabalho em sua maioria, não por competência, mas por indicação política. Por isso, não é difícil entender, porque alguns dos seus funcionários não têm a noção da importância que tem esse órgão.

Curiosamente, nos últimos anos, o DEPASA vem sofrendo sérios problemas. A capacidade de abastecimento e produção de água tem sido comprometida a níveis preocupantes. É comum componente tecnológico e maquinário pesado sofrer avarias graves ou até definitivas, além do problema das instalações com situação precária. Todos esses problemas só provam que o órgão não possui um plano de retomada pós-pânico, nem um planejamento estratégico para reposição de equipamentos sensíveis. Resumindo: o DEPASA está fadado à própria sorte.

Na matemática econômica/social quando o setor público falha, o setor privado acerta, e acerta muito. Se o DEPASA hoje fornecesse água como fornecia a antiga Companhia de Saneamento do Estado do Acre (SANACRE), todas as empresas que fazem o envasamento de água no estado, estariam quase que falidas. Hoje o mais humilde dos acreanos só bebe água de galão devido à péssima água fornecida pelo DEPASA. Já perceberam quantas empresas de água mineral existem no estado? Quantos entregadores passam por nós nas ruas transportando água? Quantos comércios revendem água em galões? Com toda certeza, se há um setor industrial que tem alta lucratividade e poucos investimentos dentro do estado, essa indústria é a indústria de produção de água.

São cada vez mais comuns vários bairros, ficarem dias e até semanas sem receber água do DEPASA, e por mais que a população que paga pelo serviço reivindiquem seus direitos, se a imprensa não denunciar esses desabastecimentos, ou se não houver pressão popular, o DEPASA não se pronuncia. E quando se pronunciam, as justificativas estão sempre ligadas às tecnologias de captação ou casa de força. São problemas específicos em locais sensíveis e estratégicos sempre.

Com os bairros sem água, entram em cena os carros-pipa. Esses carros vendem a mesma água que você já pagou ao DEPASA e não recebeu. É fácil perceber como isso é rentável e lucrativo, se imaginarmos que há bairros inteiros que ficam vários dias sem água é só tem como uma solução paliativa a contratação do carro-pipa.

A água sempre foi uma grande fonte de lucro em qualquer parte do mundo, e uma ponte para paz e também para guerra. No mês de dezembro de 2020, a água começou a ser cotizada no mercado de futuros de Wall Street. Ou seja, a água se tornou oficialmente um excelente investimento para quem deseja guardar ou investir dinheiro. E não é só no Acre que há pessoas lucrando com a falta, ou tratamento precário da água. Hoje, o homem mais rico da China possui uma fortuna de US$ 58,7 bilhões (306,414 bilhões de Reais) vendendo “apenas” águas em um país que sofre há anos com uma grave crise hídrica.

Será que os gestores públicos e os políticos locais não têm o conhecimento e informações sobre esse assunto? Nos últimos meses esses mesmos políticos, tem se pronunciado a favor da privatização do DEPASA. A justificativa é que: “o estado não tem condição de administrar o órgão”, porém nessa mesma perspectiva são válidas duas perguntas: Essa opinião está válida para tudo aquilo que o Estado é incapaz de administrar ou só para o DEPASA? Hoje, qual é o órgão administrado pelo Estado que funciona bem?

Se pudéssemos criar um conceito, para apenas ilustrar, o que vem acontecendo com o DEPASA, diríamos que o órgão está sofrendo as ações de uma guerra cinza atrelada a espionagem industrial. Esses atos consistem em provocar ações de sabotagem em áreas sensíveis e estratégicas de um órgão, como: desgaste, mau funcionamento e até a falência. Depois de uma sucessão de problemas e dificuldades dessa área, elas perdem sua capacidade de operabilidade e principalmente seu valor de mercado, e para conter prejuízos, a solução mais prática para Estado é vendê-la a quem se interessar comprar.

É aí que operador dessas ações de sabotagem aparece, faz uma oferta e compra essa área que tem um alto valor, por um valor bem abaixo do mercado. E como ele mesmo era o causador dos problemas nessa área, ele mesmo já tem a solução para tais problemas. A partir daí o que era antes inoperante e desvalorizada; após ser privatizada volta a sua normalidade, mas agora deixando de ser um recurso público estratégico, para ser um recurso altamente lucrativo para iniciativa privada.

Precisamos observar com atenção, porque querem privatizar o DEPASA, sendo esse órgão tão estratégico para o Acre e para o mundo. Não há coerência em tratar o DEPASA como um problema, sendo ele um ativo e uma solução futura para o estado. Por que a qualidade dos serviços ficou tão ruim? Por que os gestores e os políticos locais estão indo na contramão do mundo, querendo privatizar algo tão estratégico? Por que esse discurso de privatização não é valido para outros órgãos que não funcionam? São essas perguntas que os gestores públicos e políticos locais precisam responder a população acreana.

É verdade que sem tratamento adequado do esgoto, não há água. E por que o Acre não tem seu esgoto tratado? Por que nenhum governo se mostrou interessado no assunto? O atual, até agora, é o que mais percebe a real necessidade de se tratar o esgoto acreano, mas pouco vai conseguir fazer, porque antes do esgoto existe um problema ainda maior, que é a falta de estrutura adequada para descarte de resíduos sólidos.

A população precisa se interessar pelo seu estado, e principalmente saber a posição que ele ocupa no jogo geopolítico. Privatizar o DEPASA é a solução? O acreano precisa abrir os olhos, e entender que o Acre é um estado estratégico para o Brasil e para o mundo. É importante ficar atento e perceber que esse grande número de “gringos” que circulam pelas ruas do estado, não é em vão. Nem todos são turistas, e nem todos viajam ao Acre para fazer turismo. Se o acreano não desfrutar das riquezas naturais que o estado possui, outros irão desfrutar em seu lugar, e possivelmente um estrangeiro. Se não houver atitude, outros terão. O jogo geopolítico começou; as peças do Acre já estão no tabuleiro, basta saber qual é a mão que movimentará as peças.

Marcos Sant’ana é Historiador, Especialista em Relações Internacionais, Inteligência e Contrainteligência. Possui cursos nas áreas de: Prospecção de Cenários Futuros em Defesa e Segurança, Política e Estratégia e Simulação de Combate.

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