GOSPEL
Artigo do jornalista Chico Araújo: “A Justiça Eterna: Da Profecia de Isaías à Busca Humana pelo Direito”
Por Chico Araújo (*)
No coração da profecia de Isaías 51, ecoa um clamor divino que transcende o tempo: “De mim vem a lei, e o meu direito é luz para os povos”. Essa declaração não é mero decreto celestial, mas uma teofania da justiça como salvação brotante, um braço soberano que governa as nações com equidade eterna. O texto evoca a visão de Santo Agostinho, que em A Cidade de Deus proclama: “A injustiça é a mãe de todos os males, pois remove a ordem divina que sustenta o cosmos”. Aqui, a lei de Deus não oprime, mas ilumina, contrastando com a degradação humana – céus que se desfazem como fumaça, terra que se desgasta como roupa velha. Platão, em A República, complementa essa luz ao afirmar que “a justiça é a virtude da alma harmoniosa, onde cada parte cumpre seu papel sem usurpar o outro”. Assim, a profecia não apenas consola os exilados, mas convida à introspecção: em meio ao efêmero, só a justiça divina perdura, tecendo coesão entre o céu e a terra, entre o indivíduo e a comunidade.
Comparando com outros textos bíblicos, Isaías 51 dialoga intimamente com o clamor de Amós 5, 24 – “Corra, porém, o juízo como as águas, e a justiça, como ribeiro perene” –, onde a lei não é estática, mas fluxo vital contra a corrupção ritual. Enquanto Isaías enfatiza a eternidade da salvação (“minha justiça não tem fim”), Deuteronômio 16, 20 reforça o imperativo jurídico: “A justiça, e só a justiça seguirás”; esse mandamento reflete a visão de Émile Durkheim em As Regras do Método Sociológico, ao descrever o direito como “expressão da consciência coletiva, solidária e reparadora”.
Juridicamente, evoca Cícero em Da República: “A lei é o vínculo da civilização, e a justiça, sua alma”, mas perverte-se quando o poder a subverte, como os insultos humanos que Isaías adverte: “Não tenham medo… eles serão roídos pela traça”. Esses textos entrelaçam-se em uma tapeçaria fluida: a lei mosaica como base, a profecia isaiânica como esperança restauradora, e o salmo 89, 14 como coro – “Justiça e juízo são a base do teu trono” –, inspirando-nos a ver o direito não como instrumento de dominação, mas como luz que dissolve as sombras da opressão, nos levando à meditação sobre o eterno versus o passageiro.
No âmbito sociológico, Isaías irrompe como crítica à alienação do exílio babilônico (550-539 a.C.), após a destruição de Jerusalém em 586 a.C., onde a ganância dos impérios pervertia o direito em ferramenta de escravatura, ecoando Max Weber em Economia e Sociedade: “O Estado é uma comunidade humana que, dentro de um território determinado, reivindica para si o monopólio da violência física legítima”. Contudo, Isaías subverte essa lógica, proclamando que a verdadeira lei brota de Deus, não de tronos corruptos, convidando os oprimidos a carregarem a torá no coração. Aristóteles em Ética a Nicômaco aprofunda: “A justiça é a virtude completa, pois abrange todas as outras”, mas alerta para sua fragilidade ante a hybris humana. Tomás de Aquino, em Suma Teológica, integra isso ao direito natural: “A lei eterna de Deus é o padrão supremo, e a humana deve ecoá-la ou perecer”. Essa coesão revela uma fluidez inspiradora: da profecia ao exílio de Judá sob Nabucodonosor II, da ética à ética global, onde a salvação não é abstrata, mas braço que governa povos, restaurando a dignidade esmagada em tempos de apostasia e sofrimento coletivo.
Enfim, em um crescendo de esperança, Isaías 51 nos impele a erguer os olhos, contrastando o desmoronamento cósmico com a imutabilidade da justiça divina – “só a minha salvação é eterna” –, um antídoto à efemeridade que consome habitantes como moscas, e uma lição vital para o século XXI, onde, escândalos de corrupção, desigualdades e violações de direitos humanos – de regimes autoritários a corporações gananciosas – pervertem a lei em dominação. Comparado a Miquéias 6, 8 – “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus?” –, o texto isaiânico amplifica o chamado à ação ética, ancorada na ideia de justiça restaurativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiça: “A sociedade justa é um arranjo de vantagens mútuas”.
Blackstone em Comentários sobre as Leis da Inglaterra assevera: “O direito é a ciência da liberdade”, mas só floresce sob a luz divina. Essa sinfonia de vozes, nos cativa, tecendo uma narrativa que transforma: não tema os insultos humanos, como fake news ou polarizações, mas carregue a lei no coração como bússola, praticando justiça em ações cotidianas – advocacia por equidade, solidariedade comunitária –, convertendo ganância em generosidade e perverterão em pureza. Tomás de Aquino, que via a perversão como um vício que inverte o bem comum; essa perversão pode ser analisada como a submissão do direito à vontade do poder, ecoando o alerta de Isaías sobre leis que se desfazem como fumaça. Em essência, é o oposto da retidão: um caminho torto que leva ao vazio, convidando-nos a uma restauração pela verdade eterna.
(*) Chico Araújo advogado, jornalista e teólogo, autor de “Quando Convivi com os Ratos” (Editora Social, 2024) e “Sombras do Poder: As Vísceras da Corrupção no Acre expostas na Operação Ptolomeu” (Editora Social, 2025).


