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ARTIGO

Artigo do Valterlúcio Campelo: “Há um lugar para os omissos no inferno”

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Há um lugar para os omissos no Inferno

Valterlucio Bessa Campelo
“Aqui estão os tristes que não têm louvor. Expulsos do céu, mas também do inferno profundo, não tomaram partido, nem lutaram com bravura. E agora, sem glória e infâmia, são desprezados, Para sempre vagando na escuridão sem esperança.” (A Divina Comédia, Inferno, Canto III, 37-42)
A estrofe acima está na Divina Comédia, uma das mais importantes obras literárias de todos os tempos, que, aliás, visito de vez em quando, e se refere aos que em tempos de crise, de confronto, de escolha entre a justiça e a injustiça fazem opção por cruzar os braços ou por uma posição centrista, pretensamente neutra, um NEM NEM covarde que ultimamente ganhou o nome de isentismo.
Especialmente na política os versos de Dante se aplicam perfeitamente, pois é nessa arena que se desenvolvem os mais intensos debates e as mais importantes decisões no sentido da ética pública. Ao anunciar um lugar no inferno para os que não tomaram partido, ele expõe a natureza do omisso e seu afastamento da virtude que o levaria à glória.
Em “O Príncipe”, Maquiavel, que não era dado a outra coisa senão à conquista e manutenção do poder, argumenta que, em tempos de instabilidade política a neutralidade pode ser perigosa e ineficaz. Defendia ele que os líderes sempre devem tomar partido e agir de forma decisiva, mesmo que isso fosse de alguma forma impopular. Mesmo o maior dos pacifistas conhecidos, Mahatma Ghandi, ferrenho defensor da não-violência, acreditava que a neutralidade diante da injustiça era cúmplice da própria injustiça. A literatura e a história oferecem inúmeros exemplos de como a opção pela neutralidade é, na política, sócia da vileza.
Apesar disso, nos últimos anos, a pretexto de não endossar a “polarização”, muitos políticos, juízes, jornalistas e líderes empresariais fazem a opção pelo lugar do meio como se aquela posição representasse uma sabedoria aristotélica. Não é. Em um mundo cada vez mais polarizado entre o progressismo e o conservadorismo, ou, entre esquerda e direita, se preferirem, a opção pelo isentismo é uma renúncia à verdadeira política, um escamoteamento das verdadeiras convicções ou uma inútil fuga das responsabilidades. Não pensem os omissos que enganam o eleitorado, não pensem os isentões que o povo não está vendo. No momento certo todos serão cobrados por ações e omissões. A cada um será perguntado “onde você estava quando a injustiça foi praticada?”.
Dou como exemplo mais emblemático o martírio a que estão submetidos mais de um milhar de pessoas, na maioria mulheres e idosos, presas desde janeiro de 2023. Alguns já morreram, outros estão à beira da morte, muitos tiveram suas vidas destroçadas, suas famílias desfeitas, suas rendas e patrimônio dilapidados, sua honra conspurcada. Tudo isso porque um juiz assim determinou, numa interpretação torta da Lei, movido por um sentimento de revanche e ativismo incurial.
A grande maioria dos brasileiros sabe que jamais se tratou de tentativa de golpe ou algo que o valha, a quase totalidade dos juristas vão na mesma linha, e muitos políticos, aqueles que deveriam barrar essa alopração, por interesse partidário, por medo, por terem a cauda presa em alguma gaveta suprema, ou por mera covardia, simplesmente se omitem. Muitos ainda se atrevem cinicamente a se apresentarem como defensores das mulheres, das crianças, das liberdades, dos direitos humanos, enfim, de uma pauta humanista que traem todos os dias com seu silencio e sua omissão vergonhosa.
Ao se aproximarem as eleições para prefeito e vereadores em todo o Brasil, embora uma parte dos formadores de opinião insistam em votar exclusivamente no buraco da rua, seria bom que temas humanos como este viessem à tona. É preciso que se pergunte aos candidatos: Onde você estava quando aquelas pessoas inocentes foram presas e injuriadas? Você aplaudiu, lamentou ou ficou caladinhho(a) vendo a tragédia acontecer?
Se um candidato, qualquer que seja, não se indignou com a farsa jurídica que se abateu sobre a nação brasileira e, omissivo ou ativo, colaborou para que até hoje se mantenha a maior crueldade coletiva da história brasileira, trata-se de um crapuloso, de um câncer a ser eliminado do corpo político, não merece respeito mesmo que seja um Peter Drucker da administração pública, o que, convenhamos, não apareceu por estas plagas.
Dou outro exemplo. Nos últimos meses avançou no Brasil a partir de supremas decisões, a pauta da morte pelo aborto, inclusive de fetos com mais de 22 meses de gestação, já considerados pela ciência como viáveis, o que caracteriza um ser vivo, logo, digno de defesa conforme a Constituição Federal, o pacto de San José da Costa Rica, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e tudo que se tenha acordado ente nações democráticas. Até a recusa do médico por objeção de consciência está em xeque, querem criar uma pistolagem médica por cima do Conselho Federal de Medicina – CFM e obrigar profissionais dedicados a salvar vidas em carrascos que as ceifam. É importante que se pergunte ao candidato, onde ele estava, o que fez, o que disse, como agiu em defesa da vida.
Com as convenções partidárias foi dado o start na campanha eleitoral de 2024, sabemos quem são os candidatos e o que representam, conhecemos seu passado, seus vínculos e sua agenda política, mas precisamos de respostas sobre os grandes temas nacionais, precisamos medir sua pegada ideológica e, com ela, sua visão de mundo, o lado que realmente defendem apesar de se apresentarem em tons neutros. A métrica moral do candidato não pode ser substituída pela promessa de asfalto, não existe o bom canalha.
Sugiro a todos os omissos, inclusive aqueles que alegam motivos “pessoais”, que tirem a máscara e mostrem o rosto, desçam do muro, tenham a coragem – esta sim, aristotélica, e defendam seu candidato à luz do dia. Creiam, o povo normalmente está disposto a perdoar o pecador, mas dificilmente esquecem a covardia.
Valterlucio Bessa Campelo escreve às segundas-feiras no site AC24HORAS e, eventualmente, no seu BLOG, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor PERCIVAL PUGGINA, no DIÁRIO DO ACRE, no ACRENEWS e em outros sites. Quem desejar adquirir seu livro de contos mais recente “Pronto, Contei!”, pode fazê-lo através do e-mail valbcampelo@gmail.com.

 

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