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Crônicas, poemas, desenhos e observações

Cordeiro de Deus

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Trôpego o pé-inchado caminhava, perna-passava entre a calçada e a rua de lama procurando o rumo de casa. Ingeriu uma quantidade exagerada de álcool. Ele bebeu muito. Bebeu demais. Estava muito embriagado. Ele bebeu para carágoles. Seu rosto estava inchado. Havia hematomas em seus braços e um corte com sangue estagnado na testa. Tinha um olho roxo. Antes, o profissional da Construção Civil se divertiu com seus amigos do bairro e do trabalho, no mesmo boteco aonde sempre ia depois da labuta diária.

Ali, ele conversou muito. Ria como só os felizes podem rir. Junto com aquele que ele mais respeitava (Por ter se dado melhor na vida), querido de mais tempo, amigo de infância, tergiversou, filosofou, chorou e derramou suas mágoas e cantou seus contos e revelou suas mais íntimas verdades. Ele foi um herói naquelas horas em que entendeu e resolveu todos os quebra-cabeças do universo. Xingou os comandantes, ameaçou os desafetos. Viajou pelo mundo inteiro. Sua vida estava completada. Aí… o fim da noite cobrou seu preço.

Só, acompanhado apenas pela própria sombra que, ora o seguia, ora adiantava-se à mercê das luzes dos postes e da lua, cambaleava. Mirou o caminho que achava o mais certo para ir em frente e foi. Tal e qual os velhos navegantes, exploradores de novos lugares e riquezas além mar, ele saiu andando. E saiu pensando… e andando… e vomitando… e caindo. Deu com a cara no paralelepípedo. Doeu muito. Ele gritou e praguejou. Rolou por sobre a bosta de cachorro, se lambuzou em sua baba. Olhando para a Lua, apontou para cima e blasfemou contra o seu santo adorado. Acusou Deus!

O Evandro, meu amigo de faz é hora, colega jornalista desde o jornal O Rio Branco até o finado jornal Página 20, diminuiu a velocidade e parou o automóvel que me levava de carona para casa. Nós também, bebemos um bocadinho. A gente costumava bebericar algumas garrafas de cerveja após o expediente, pelos diversos botecos de Rio Branco em busca de risadas e descontração após o dia estressante de trabalho.

– Que foi? – interpelei com voz baforizada de cerveja choca, meu gentil condutor – Por que parou, parou por quê? Vai descer pra mijar? A minha casa ainda é lá acolá, abestado, no outro quarteirão… Parou aqui pra quê, bicho de chifre?

Evandro é um bom sujeito, desses caras boa praça sabe? Nunca o vi de mau humor, na verdade quando o vi zangado com algo ou alguém, sempre ostentava um largo sorriso seguido de gasguita gargalhada ao xingar e vilipendiar o cidadão ou a situação que o deixara avexado. Pelo contrário, sempre havia muita gente para falar bem de Evandro, não por falsidade, bajulação, coisas assim, não. Evandro era e é um cara bem quisto, camarada do bem ino e voltano.

Aquela situação estranha só determinou significativamente aquilo que eu percebia e sempre achei de meu amigo Evandro Cordeiro.

Olhou pra mim com cara de bebim engraçado e começou a rir. E riu, riu e eu ri junto sem saber do que estávamos rindo. Então ele desceu do carro e se dirigiu ao sujeito sentado no meio fio, quando só então eu o avistei. Cochichou-lhe algo e o ergueu pelos sovacos, bateu a poeira de suas veste com a mão, limpou-lhe a baba de vômito de suas barbas com a barra de sua própria camiseta e o trouxe até o banco traseiro. Achei, cá com meus botões: Deve ser parente dele, sei lá…

– É teu conhecido, Evandro?

– Sei lá quem é esta porra! Só sei que me disse que mora bem ali assim, depois da tua casa…

De supetão revirei no assento. Olhei para trás pra assuntar a cara do ébrio, vê se o conhecia da vizinhança. Aquilo era algo sui generis. Não reconheci o cara e cismei com meu amigo. Estará ele batendo a biela da cachola? Isso é coisa de doido, colocar um total estranho, embriagado até a tampa, todo imundo no banco de trás de seu automóvel!? Fiquei perplexo. Mais perplexo ainda e extremamente emocionado com a resposta que deu ao meu questionamento sobre seu ato.

– Relaxa, Braguinha… Eu pensei: quantas e quantas vezes eu, e tu também, num já passamos por uma situação dessas? Hein, Braguinha? Fala aí! Fala, Braguinha! … Como eu já desejei que alguém me botasse no carro e me levasse em casa, sem me cobrar nada, sem que eu lhe devesse nada, sequer um “muito obrigado!”…

Houve então um silêncio magnífico e enriquecedor depois disso, quebrado apenas pela nossa gargalhada ocasionada pelos roncos e peidos do inesperado e sortudo passageiro do meu admirável amigo Evandro Cordeiro de Deus, gente fina da melhor qualidade.

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