ESPORTE
Corredor desempregado vende pirulito de chocolate nas ruas para juntar dinheiro e disputar a São Silvestre
Por Evandro Cordeiro
O operador de serviços gerais Francisco Mota de Andrade é um rapaz bem franzino, com seus magros 55 quilos e 38 anos de idade que anda vendendo pirulito de chocolate pelas ruas de Rio Branco há pelo menos três meses com um objetivo bem definido: juntar dinheiro para embarcar dia 20 próximo rumo a São Paulo e lá disputar a internacional corrida de São Silvestre. A competição acontece há 97 anos no último dia do ano e leva o nome do santo de 31 de dezembro. As principais estrelas do atletismo internacional disputam essa corrida, sempre transmitida para o mundo inteiro.
O corredor Mota, como é mais conhecido nas ruas de Rio Branco, nasceu em Boca do Acre. Chegou em Rio Branco ainda menino, junto com os pais e outros cinco irmãos, em busca de melhora. Se dar por satisfeito com sua profissão de operador de serviços gerais, sem reclamar da vida. Feliz, vagueia sorridente e falante como poucos pelas ruas da capital do Acre, geralmente a tarde e à noite, oferecendo um pirulito por R$ 2, ou três por R$ 5. “Dois reais vai ser importante pra mim lá em São Paulo, onde não conheço ninguém”, diz ele entre uma história e outra. Seja lá quanto vai juntar de grana, o Mota está decidido: vai a capital Paulista nem que chegar lá tenha que ficar bebendo apenas água + comendo pão seco. “É meu sonho”, carimba, determinado.
O corredor Mota é um otimista por natureza. Não por acaso vende pirulito de chocolate para garantir sua presença em uma das corridas mais disputadas do mundo, onde os atletas de ponta têm patrocinadores como Nike e a Adidas, com rendas mensais vultosas. Ele tem apenas um tênis – e sem marca, com o solado tão fino quanto uma toalha de mesa, e pelo visto sem chance de comprar um outro até a largada da prova. Ele ignora a maré contrária e acredita firmemente que pode superar e surpreender. “Quem sabe não apareço na televisão em uma excelente colocação e vocês vão me ver pela TV falando o nome do Acre com o maior orgulho”, solta essa partícula passivadora, o famoso se. O cartel dele não é assim tão compatível com os sonhos. A melhor colocação em uma corrida no Acre foi um quarto lugar na corrida de rua da TV5, em 2015. Mota, no entanto, não pode ser subestimado. Além de ter se preparado de lá para cá, tem de cara um dos predicados dos atletas vencedores, a garra. Para se ter ideia, ele vende seu produto a pé, carregando nas costas 200 e poucos pirulitos, acondicionados em bolsa de ifood, aquelas quadradas que incomodam a coluna. Mota acha isso férias. “Ando no mínimo dez quilômetros por dia e ainda me preparo fisicamente e me divirto, conheço pessoas…”, calcula.
Mota reclama de patrocínio, como todo atleta amador. Técnico para lhe orientar é apenas um sonho e seu circuito de treinos são as ruas de Rio Branco, mais especificamente as transversais do bairro onde mora, o Novo Horizonte, na Floresta. Ele espera chamar a atenção de empresas e dos governos nessa São Silvestre, obtendo uma boa colocação, porque ainda tem idade ideal para corredores, 38, sem contar com o peso, 55kg.
Como ajudar o Mota
A rotina do atleta Mota nos últimos meses, depois do treino da manhã, é andar pela cidade de Rio Branco com a boroca nas costas vendendo chocolate. Ele entra em construções, em bares, em quadras de esportes e até em igrejas. Aborda Deus e o mundo por onde passa. De longe parece uma pantaforma, de perto um entregador de ifood a pé e um sonhador inquieto. Para quem não vai ter a sorte de dar de cara com esse sujeito do bem até o dia 20, quando pretende embarcar pra São Paulo, tem dois telefones por meio dos quais é possível contatá-lo para ajudar: 68 98404 9251 e 68 98408 6937.
Os 97 anos de história da corrida de São Silvestre
A Corrida Internacional de São Silvestre é uma corrida de rua realizada anualmente na cidade de São Paulo, Brasil, em 31 de dezembro, dia de São Silvestre (data de morte do Papa da Igreja Católica, canonizado também neste dia, anos depois, no quarto século da Era Cristã) e de onde vem o seu nome.
A corrida, a mais famosa e tradicional do Brasil e a da América do Sul, tem um percurso atual de 15 km pelo centro de São Paulo e é uma corrida mista desde 1975, quando começou a participação oficial das mulheres. Entre 1925, ano de sua criação e 1944, foi disputada apenas por corredores brasileiros.
O maior vencedor da prova — e recordista até a edição de 2019, quando afinal teve sua marca quebrada após 25 anos — é o queniano Paul Tergat com cinco vitórias e, entre as mulheres, a portuguesa Rosa Mota, que com seis vitórias consecutivas nos anos 1980 é a maior vencedora geral. Entre os brasileiros, o título fica com Marílson Gomes dos Santos, com três vitórias.
Alguns dos maiores fundistas da história do atletismo já participaram e venceram a prova. Além de Paul Tergat e Rosa Mota, já correram nas ruas de São Paulo, campeões e medalhistas olímpicos e recordistas mundiais como Franjo Mihalic, Gaston Roelants, Frank Shorter, Carlos Lopes, Arturo Barrios, Ronaldo da Costa, Priscah Jeptoo, Derartu Tulu e a “Locomotiva Humana”, o tcheco Emil Zatopek, campeão em 1953. A Corrida Internacional de São Silvestre é transmitida ao vivo pela televisão para o Brasil e para o mundo pela TV Gazeta e pela TV Globo desde 1982.