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Crise do INSS completa dois meses sem previsão para ressarcir vítimas
Dinheiro descontado sem autorização será devolvido seguindo a ordem de solicitação, segundo apuração da CNN
Por CNN
Dois meses após a operação que revelou um esquema bilionário de descontos indevidos em aposentadorias e pensões do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), ainda não há previsão de ressarcimento às vítimas, segundo apurou a CNN.
O prejuízo estimado é de R$ 6 bilhões, envolvendo associações, corretoras, call centers e empresas de consultoria que teriam aplicado os descontos sem autorização dos beneficiários, entre 2019 e 2024.
Para tentar separar os descontos efetivamente não autorizados, o governo lançou uma funcionalidade no aplicativo “Meu INSS” para cada aposentado contestar diretamente os lançamentos em seu benefício.
A CNN apurou que a elaboração do calendário de restituição está na fase final. Fontes envolvidas no processo apontam que o dinheiro será devolvido seguindo a ordem de solicitação, isto é, quem iniciou o processo primeiro, terá prioridade no ressarcimento.
O governo federal irá utilizar recursos do Tesouro Nacional para ressarcir os aposentados, mas ainda há impasses com a equipe econômica sobre como e quanto deverá ser retirado dos cofres públicos.
Por outro lado, fontes ligadas ao orçamento afirmam que há caminhos viáveis para efetuar os pagamentos, que deverão ser detalhados no próximo relatório de avaliação de receitas e despesas, previsto para o fim de julho. Para isso, será necessário bloquear parte dos recursos disponíveis, garantindo espaço fiscal para o repasse dos valores apurados pelo INSS.
Durante audiência na Câmara dos Deputados no início de junho, Wolney Queiroz afirmou que o ressarcimento de descontos indevidos a aposentados e pensionistas do INSS pode chegar a R$ 4 bilhões.
Cerca de 3,4 milhões de aposentados já sinalizaram ao INSS que foram vítimas da fraude. De acordo com o último balanço divulgado pelo órgão em 19 de junho, somente 93,2 mil beneficiários reconheceram os descontos. Não há prazo para que os 9 milhões de aposentados se manifestem.
“Informamos ainda que todos os segurados que tiveram esse desconto serão ressarcidos, em parcela única, o mais breve possível”, disse a pasta em nota.
Lentidão
Para o professor da FGV-SP e pesquisador na Escola Nacional de Administração Pública (Enap) Rafael Viegas, embora existam obstáculos reais – como a complexidade de identificar as vítimas, a necessidade de diferenciar descontos autorizados de fraudes e o risco fiscal de pagamentos em massa sem base jurídica sólida – o governo já poderia ter estabelecido um plano emergencial com prazos, ações e comunicação claras.
Na avaliação de Rafael Viegas, o cenário impacta a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cuja aprovação já vem caindo nas pesquisas. O professor da FGV-SP defende ser necessário acelerar a automação dos processos de validação, ampliar a comunicação com os beneficiários, firmar acordos com entidades e fortalecer os mecanismos de controle para impedir que o problema se repita.
“O impacto na popularidade do governo Lula é muito negativo. Existe uma percepção de desorganização e insensibilidade com pessoas vulneráveis. Embora o escândalo tenha origem no governo anterior, ele atravessa o atual governo”, afirmou.
Já o professor da FGV Direito Rio Luis Lopes Martins diz que o governo poderia ter acelerado o processo de ressarcimento adotando um sistema de devolução automática a todos os aposentados, inclusive para quem autorizou os descontos. Para o especialista, a automatização reduziria o risco de judicialização promovido pela própria demora.
“Esperar – no formato [de ressarcimento que foi adotado pelo governo ]– que fosse realizado em dois meses, seria muito difícil”, disse à CNN.
Judicialização das fraudes
Como a CNN mostrou, as ações judiciais movidas contra o governo devido a descontos associativos irregulares tiveram um “boom” após a operação que trouxe à tona as fraudes do INSS.
Os sistemas da Advocacia-Geral da União (AGU) apontam para um total acumulado de 65,2 mil ações, com impacto financeiro estimado em quase R$ 1 bilhão. As cifras preocupam a equipe econômica do governo.
Isso porque as ações pedem não apenas o reembolso integral, mas o pagamento de indenização a título de danos morais – e as sentenças têm sido, em geral, desfavoráveis ao INSS.
A AGU solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão de todas as ações que tramitam Brasil afora, para que possa ser costurado um acordo com os aposentados e pensionistas lesados.
Em outra linha, o STF abriu o primeiro inquérito sobre as fraudes no INSS desde que veio à tona o esquema bilionário de descontos indevidos nas aposentadorias. O fato de a investigação ter sido instaurada na Corte indica o envolvimento de pelo menos uma autoridade com prerrogativa de foro, mas o nome é mantido em sigilo.
Imbróglio
A ofensiva foi deflagrada em 23 de abril, numa ação conjunta da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU), e levou ao afastamento do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto. Pouco depois, Carlos Lupi deixou o comando do Ministério da Previdência.
Técnicos da área econômica alertaram para o risco fiscal: uma decisão recente do TRF-6, que determinou indenização de R$ 8 mil a uma aposentada por danos morais, acendeu o alerta.
Se valores semelhantes forem replicados em ações semelhantes, o rombo pode ultrapassar R$ 14 bilhões. No entanto, até o momento, ainda não há perspectiva de retirada dos valores do orçamento federal.