ARTIGO
Defensor Valdir Perazzo lembra, em artigo, Hernando Soto e a defesa da regularização fundiária como política pública
HERNANDO DE SOTO: DEFESA DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA EFICAZ
“…apenas as regras abstratas de propriedade – isto é, as regras da lei – garantem a liberdade”
- A. Hayek
Fui Defensor Público do Estado do Acre durante 18 anos. Em todo o período em que exerci o cargo, sempre atuei em Varas Criminais. Nunca antes havia pensado na importância da política pública de regularização fundiária (urbana e rural), como instrumento para consolidar o direito de propriedade, no qual, como conservador, sempre acreditei.
Não obstante, sempre tive profunda convicção da importância do direito de propriedade. Acreditava, e continuo acreditando, como dizia o economista liberal e prêmio Nobel de economia, Hayek, que “…a propriedade é uma questão de progresso”. Impossível que haja prosperidade econômica sem o respeito ao direito de propriedade.
A propriedade é uma questão civilizatória.
Passei a me interessar pela política de regularização fundiária por acaso. Tive oportunidade de assistir a entrega de títulos de propriedade pelo Instituto de Terras do Acre – Iteracre, em alguns bairros da capital (Rio Branco). Confesso que fiquei emocionado ao ver pessoas receberem seus títulos de propriedade com gratidão que as levavam às lágrimas.
A pessoa, por mais simples que seja, tem a intuição jurídica de que sua propriedade à margem da lei e fora da ordem econômica, só tem valor de abrigo, e não como um ativo financeiro. Isto é, por não ter um título registrado em cartório, não pode se valer de um empréstimo bancário, por exemplo, e fazer uma reforma financiada por uma instituição bancária. Seu direito de posse é muito limitado.
Mas, não é apenas o posseiro, que por não ter um título de propriedade, tem seu patrimônio reduzido. Se pensarmos de forma macroeconômica, é toda a sociedade que perde ao manter milhares de imóveis sem o devido registro notarial. Calcula-se que no Brasil haja mais de 40 milhões de imóveis fora da ordem jurídica. Isto é, não legalizados.
Uma vez convencido da importância da regularização fundiária como instrumento de promoção humana, passei a dedicar meu tempo de estudo (atividade intelectual) à essa questão. Identifiquei um nicho importante para, através dele, contribuir com o meu Estado – sou legalmente acreano por título recebido da Assembleia Legislativa – convencendo à sociedade de que a mais importante política pública a ser adotada pelo governo é a da regularização fundiária.
É uma proposta que se contrapõe à da reforma agrária. Reforma agrária não tem como objetivo distribuir terra para quem dela precisa. É apenas uma bandeira revolucionária. É só observar a corrente de pensamento de quem a defende. Quem, no movimento internacional socialista, faz a sua defesa. Eu já falei sobre isso em outra ocasião.
O economista peruano Hernando de Soto escreveu o livro “El Otro Sendero”, exatamente para demonstrar que trazer esse setor informal da economia – construção de casas pela população pobre, à margem do Estado – para a economia formal, era o contraponto da ideia revolucionária do movimento terrorista, de inspiração comunista, denominado “Sendero Luminoso”, cuja luta era e é, como todo movimento revolucionário, desfraldando-se a bandeira da reforma agrária.
“El Otro Sendero”, obra que recomendo aos que se interessam pela política pública de regularização fundiária, descreve e analisa a economia informal no Peru na década de 1980, argumentando que as rígidas burocracias e a falta de direito de propriedade levavam a uma vasta economia subterrânea.
O argumento central da obra é o de que “…a falta de acesso a direitos de propriedade legalizados forçou milhões de peruanos a criarem suas próprias economias paralelas, em contraste com a violência do grupo terrorista Sendero Luminoso. O livro detalha a lógica e o funcionamento dessa economia subterrânea e propõe reformas para integrá-la à economia formal através da simplificação legal e do reconhecimento do direito de propriedade”.
Eis uma sinopse do livro que deveria ser leitura obrigatória para todo prefeito que tem de se submeter à ética da responsabilidade para com as pessoas carentes, especialmente das periferias do Brasil:
- O livro detalha como a dificuldade em obter títulos de propriedade (casas, mas não títulos; safras, mas não escrituras) e os obstáculos burocráticos forçaram a população a entrar na economia informal.
- Hernando de Soto e seu Instituto para a Liberdade e a Democracia (ILD) propuseram uma série de reformas que permitissem que a vasta economia informal se tornasse parte da economia legal, com a simplificação de procedimentos dos direitos de propriedade.
- O título (El Otro Sendero) é um contraponto ao grupo terrorista Sendero Luminoso, sugerindo que a verdadeira revolução no Peru era a marcha silenciosa e pacífica dos informais em busca de prosperidade por meio do empreendedorismo e da propriedade privada.
Há um outro livro do economista Hernando de Soto, que tem importância ainda maior para à questão do processo de desenvolvimento da América Latina, adotando-se a política pública da regularização fundiária. Trata-se do livro “El Mistério del Capital”.
Uma rapidíssima sinopse da obra elogiada por Margaret Thatcher, ex primeira ministra do Reino Unido, que entendia ser a obra de leitura obrigatória. Uma obra de prestígio internacional, que acabo de receber em espanhol, por que não encontrei no Brasil.
Eis o argumento central do livro:
“…explora por que o capitalismo prospera em países desenvolvidos e fracassa em outros, argumentando que a resposta está na conversão de “capital morto” em “capital vivo”, através da formalização da propriedade. O capital morto são bens não registrados que não podem ser usados como investimento ou garantia de empréstimo; a formalização desses bens, como casas sem título de propriedade, os torna “vivos”, desbloqueando seu potencial econômico e permitindo que sejam negociados e investidos”.
No livro “Amazônia: A Maldição de Tordesilhas”, Aldo Rebelo identifica que a Região Amazônica já está completamente dominada pelo crime organizado e ONGs estrangeiras que defendem interesses contrários ao do Brasil.
Aldo Rebelo também constata que a causa da miséria existente hoje na Amazônia se deve a opção política de instituição de terras públicas (reservas florestais), e implicitamente, apontando como solução a regularização fundiária (urbana e rural).
Colocadas essas premissas, alegro-me em saber que o governo do Estado do Acre, sob o comando do Governador Gladson Cameli, fez opção pelo caminho certo de assumir o compromisso de regularização fundiária como sua mais importante política pública, hoje sob o comando do Iteracre – Instituto de Terras do Acre, órgão à testa do qual se encontra a jovem gestora Gabriela Câmara.
Ademais disso registro como importante o debate suscitado na Assembleia Legislativa sobre o tema pelos combativos deputados estaduais Afonso Fernandes (Solidariedade) e Manoel Morais (Partido Progressista). Ambos simpatizantes do modelo pernambucano de Regularização Fundiária denominado “Moradia Legal”, que foi premiado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, e está implantado em todo o território de Pernambuco.

