Connect with us

ACRE

Dossiê do transporte coletivo de Rio Branco

Entenda por que a determinação do prefeito Tião Bocalom, de desarmar a ‘bomba relógio’ que existia há anos no sistema de ônibus coletivo da capital, vai impactar para melhor a vida de muitos rio-branquenses

Publicado

em

Há mais de duas décadas, o sistema de ônibus coletivo da capital dos acreanos estava doente. Corporativismo entre os administradores públicos e representantes das empresas privadas corroboravam para esse cenário em que só perdia a população, com um serviço de péssima qualidade, pagando uma das maiores tarifas do País. Na reportagem, saiba o que está sendo feito agora pela atual administração do prefeito Tião Bocalom para corrigir o rumo da história.

Uma máquina de fazer dinheiro público nas mãos de empresários

O dia 18 de dezembro de 2021 entrou para história de Rio Branco como marco para o fim de um era de descaso e de humilhação que durou mais de 20 anos no sistema de transporte coletivo da capital acreana. Tempos sombrios em que donos de empresas de ônibus faziam as vezes de administradores da tarifa pública e contavam, para isso, com a anuência de prefeitos, ao mesmo tempo em que estes últimos eram pressionados a aprovar reajustes tarifários, todos os anos, ao bel-prazer dos primeiros.

Neste dia 18, um sábado, a Viação Auto Floresta abandonava de uma vez suas linhas, encostando seus ônibus na garagem sob a alegação de falta de condições para rodar. Paralelo a isso, o que não faltavam eram vídeos nas TVs, e nas redes sociais, de ônibus com janelas e portas caindo nas ruas ou de pessoas com deficiência de mobilidade sendo impedidas de embarcar nos veículos com suas plataformas quebradas.

Foi a partir daí que também se evidenciaram ainda mais os escândalos de descaso e humilhação com os motoristas e outros profissionais do transporte coletivo, como se já não bastasse a vida sofrida de todos os passageiros, usuários do sistema. Dois meses antes, no dia 20 de setembro de 2021, o motorista Rodrigo Luiz da Silva narrava ao site G1AC a angústia de estar sem receber desde janeiro daquele ano.
Em uma paralisação da sua categoria neste dia, e que fechou o Terminal Urbano de Rio Branco, Silva desabafou ao repórter do referido site: “Tenho três [meses de] férias atrasadas e 12 anos que já não vejo um real de FGTS na minha conta”.

Mas afinal, quais foram as causas de todo esse caos no sistema de transporte coletivo de Rio Branco por anos e anos? E o que a gestão do atual prefeito de Rio Branco, Tião Bocalom, está fazendo para estancar de uma vez por toda essa ferida que deixou sequelas terríveis nos moradores da capital, principalmente aqueles de média e baixa renda?

Nesta edição, OPINIÃO explica como a intervenção jurídica da Prefeitura de Rio Branco no sistema – um procedimento tomado por decisão do próprio prefeito Tião Bocalom, vislumbrado ainda quando ele estava numa das campanhas para a prefeitura, em 2018 –, está permitindo um fôlego para o setor, que tende a se estabilizar à medida que tudo se volta a ser organizar como deveria.

Cifras milionárias da arrecadação jamais passavam pelo controle municipal

Um sistema de captação de recursos públicos esteve por muitos anos à disposição da iniciativa privada, com o consentimento dos prefeitos de Rio Branco do passado. Um balanço encomendado pela atual administração municipal revela uma arrecadação milionária na bilhetagem dos ônibus coletivos, nos quatros anos que antecederam o início da pandemia de Covid-19 no país.

Os gráficos mostram, por exemplo, que em 2016, a empresa Viação Auto Floresta e o consórcio de empresas Via Verde-São Judas Tadeu transportaram quase três milhões de passageiros por mês na capital. A média mensal foi de 2,8 milhões de pessoas utilizando os ônibus, faturando juntas algo em torno de R$ 12 milhões a cada 30 dias. (Veja o quadro abaixo)

Mas se dinheiro existia, por que então as pessoas eram obrigadas a andar em veículos caindo aos pedaços e passando por vexames frequentes de quebras a caminho de casa ou do trabalho? Responde o prefeito Tião Bocalom: “É que mesmo as empresas transportando uma quantidade enorme de passageiros e o faturamento sendo altíssimo, eles [os empresários] não renovavam suas frotas e não mantinham regularidade nos horários. Em síntese, mesmo com um preço da tarifa altíssimo: a R$ 4 não havia investimento em manutenção, nem honravam com os direitos trabalhistas de seus profissionais”.

Uma única vez nestas duas décadas, talvez para dar uma resposta mínima ao usuário do transporte público, as empresas adquiram uma dezena de veículos, mas ainda assim seminovos. Não eram zero quilômetros como quiseram empurrar de goela abaixo dos usuários.

Com a chegada da pandemia de Covid-19, a queda de passageiros circulando no sistema foi inevitável. Mas adicione-se a isso a falta de transparência com o dinheiro arrecadado – que era gerenciado pelas próprias empresas como já foi mencionado – e a tempestade ideal está formada, produzindo o cenário de colapso das linhas, cujo auge foi o dia 18 de dezembro do ano passado para a Viação Floresta.

Prefeito Tião Bocalom decreta intervenção para moralizar o setor

Logo que assumiu, Tião Bocalom pôs em prática o que ele vinha observando há muitos anos, enquanto candidato nas eleições anteriores. Ainda em 2008, chegou a ir a Curitiba (PR), capital brasileira referência em mobilidade urbana e transporte público, para observar e retirar dali algumas lições do sistema de transporte coletivo curitibano.

Bocalom: preocupação em melhorar o sistema de transporte coletivo vem desde que ele foi candidato pela primeira vez

Ao observar que a pandemia causaria uma redução significativa de passageiros transportados, o primeiro movimento de Bocalom foi não ceder às pressões que viriam da classe empresarial por um novo aumento na tarifa. Depois disso, mandou organizar o fluxo da gratuidade, pagando antecipadamente por ela, para que o dinheiro não fosse bancado pelo usuário comum.

“Eu chamei os nossos técnicos da RB-Trans (Superintendência de Transportes e Trânsito de Rio Branco) e abrimos a caixa-preta do sistema coletivo para saber o que estava acontecendo. E começamos a ver que o usuário pagava pela gratuidade do transporte de pessoas idosas, um benefício criado pelo governo federal e que empresa nenhum no Brasil abre mão de receber para transportar”, explica Bocalom.

Por isso, Rio Branco passou a figurar como a primeira prefeitura do Brasil a assumir a gratuidade dos idosos, um programa que era para ser do governo federal.

Quem sempre pagou as gratuidades? Quem pagava era o usuário comum. “Mas nunca ninguém contou que era ele quem pagava. Aqui em Rio Branco, pessoas com gratuidade representam de 8% a 10%. Mas isso nunca saiu do caixa das empresas, porque o entendimento delas é que não podiam perder dinheiro”, assevera o prefeito.

Desse modo, o que a administração de Bocalom fez foi antecipar os recursos da gratuidade para as empresas com o objetivo de reduzir o preço da passagem de R$ 4 para R$ 3,50. Esses recursos próprios da Prefeitura de Rio Branco estão permitindo um repasse total de cerca de R$ 2,5 milhões em parcelas de pouco mais de R$ 400 mil mensais, ao longo de seis meses.

“Então, quando nós assumimos esse compromisso, conseguimos baixar a tarifa em R$ 0,50. E foi isso o que aconteceu. Em síntese, a prefeitura assumiu para ela a gratuidade da pessoa idosa e tirou esse fardo das costas do usuário do sistema. Nós não demos dinheiro para a empresa. Nós apenas assumimos a gratuidade”, observa Tião Bocalom.

Como resultado prático, a Prefeitura de Rio Branco obteve um feito imenso num momento em que o diesel – o combustível para os ônibus –, dobrou de preço, assim como também peças de reposição e pneus.

Ainda sobre o tema gratuidade, tramita no Congresso Nacional um pedido da Frente Nacional dos Prefeitos para que o governo federal assuma o pagamento da tarifa incidida no transporte desses idosos.

Equipe da RB-Trans trabalha diuturnamente com o interventor da prefeitura, Randerson Braña, para sanear os imbróglios deixados pelas três empresas que estão parando seus veículos por falta de manutenção

Município está tratando subsídio com o governo e passagem pode cair ainda mais, para R$ 3

A tarifa a R$ 1 dos estudantes da rede pública estadual poderá ser subsidiada em breve pelo governo do Estado do Acre, segundo entende a Prefeitura de Rio Branco.

De acordo com o prefeito Tião Bocalom, ao menos 90% dos estudantes transportados pelo sistema coletivo são de faculdades e da rede pública estadual.

“Estamos chamando o governo do Estado para uma conversa. Vocês assumem a parte de vocês que assumimos a nossa parte, com nossos alunos”, diz ele. Neste momento, várias reuniões estão sendo realizadas entre técnicos do Estado e do Município, para que essa condição seja acertada.

Após o processo de intervenção jurídica da prefeitura pelo qual estão passando as empresas, a tarifa poderá baixara mais R$ 0,50, podendo ficar em R$ 3, caso o estado assuma a gratuidade de seus estudantes, enquanto a prefeitura assumirá a gratuidade dos estudantes dela.

Entenda o processo de intervenção nas empresas de ônibus

Após décadas de falta de gerenciamento da arrecadação da bilhetagem do sistema coletivo, a pandemia chegou, e com ela, a queda brusca do movimento de pessoas sendo transportadas. Com as empresas cambaleando, mais uma vez o círculo vicioso de empresários foi de pressionar a Prefeitura de Rio Branco pela liberação de mais recursos, supostamente, para manter os carros funcionando.

Foi quando o novo prefeito disse: “Basta!”. “Se estão parados de novo, eu vou assumir. Então, desse modo, a prefeitura assume o sistema”, disse Tião Bocalom.

Começava uma série de procedimentos jurídicos para que o Município de Rio Branco não permitisse parar um serviço que por preceito constitucional é considerado essencial e não pode parar.  

O primeiro passo foi decretar situação de emergência e depois, a intervenção propriamente. “Afinal, chegar a um ponto em que, mesmo com o subsídio de mais de R$ 2,4 milhões, as empresas não se sustentavam mais, era inadmissível que o Município deixasse o caos se prolongar”, ressalta Anísio Alcântara, superintendente da RB-Trans.

Até então, nenhum outro prefeito tinha tido a coragem de decretar intervenção nas empresas privadas, que fundaram até um sindicato para gerenciar uma tarifa que é pública e, que por isso, deveria ser administrada pela Prefeitura de Rio Branco.

Ação temporária cria ambiente jurídico para renovação do sistema

Um dos procedimentos iniciais foi o de nomear o interventor Randerson Braña, servidor da RB-Trans, para coordenar o processo. A princípio, a Auto Viação Floresta era a que estava em pior situação, segundo Alcântara e Braña.

Após a intervenção, a prefeitura convidou seis empresas, mas a Ricco Transportes foi a única a aceitar a operar provisoriamente as linhas deixadas pela Floresta. A viação também recontratou todos os motoristas e outros profissionais que tinham sido desligados da empresa anterior.

Explica Anísio Alcântara que desde o dia 22 de dezembro, a prefeitura permaneceu dentro da empresa para realizar serviços que vão do abastecimento a outros procedimentos necessários para que os veículos deixem a garagem para atender as pessoas.

“A intervenção é temporária para dar condições de criar um ambiente jurídico para que haja a substituição. E paralelo ao estado de emergência, criado pela prefeitura, existe o processo de decretação de caducidade de todas as três operadoras:  a Auto Viação Floresta, a Via Verde e a São Judas Tadeu”, diz o superintendente.  

O caráter de emergência dá condição para Randerson Braña – nomeado pelo prefeito –, a manter o sistema coletivo em funcionamento. Em ‘caráter precário’, como é chamada a situação no jargão licitatório, a empresa Ricco assumiu 63% do sistema de transporte coletivo de Rio Branco, que eram da Viação Floresta. Os outros 37% ainda são sentidos pela população, o que o Município lamenta, embora já trabalhe para sanear a situação.  

“Nós começamos a intervenção também na São Judas Tadeu. Todos os dias, de manhã, tem uma equipe da prefeitura de Rio Branco na garagem da empresa, que libera os carros e distribui as ordens de serviço”, afirma Braña.

Anísio Alcântara ressalta que “para que o trabalho seja a contento precisaríamos de outros 30 carros. Esse número foi diminuindo até que em algum dia, saíram dez carros de linha de uma vez. Nesse caso, a empresa esperava que a prefeitura fosse comprar os pneus. Mas sabemos que um pneu tem uma vida útil de pelo menos 95 mil quilômetros. Um pneu comprado hoje dá para rodar cerca de seis meses e para a prefeitura não é interessante gastar recursos preciosos em veículos que estão sendo desativados, que estão sendo retirados de linha”.

Somente entre a sexta-feira, 4 e o sábado, 5, foram pelo menos 16 ônibus retirados de circulação das empresas antigas. O que a RB-Trans faz, neste momento, é obter dez ônibus da Ricco para as linhas da Sobral, de número 301, Calafate (404) e a Centro-Avenida Ceará (501).   

“Como nós não estamos mais repassando recursos às empresas, os carros estão sendo encostados, impactando no atendimento à população. Mas nem com os carros antigos isso era mais possível”, assinala Braña.

“Então, o mesmo processo feito com a Viação Floresta assim será feito com o consórcio Via Verde-São Judas Tadeu. Pedimos à Ricco mais ônibus para as linhas 301, 404 e 501 num prazo de 15 dias, sendo que até esta sexta-feira, 4, já tinham decorridos cinco dias. Ou seja, em muito breve a Ricco estará também preenchendo essa lacuna e estaremos evitando a falta de mais ônibus”, completa o interventor.

O que está sendo feito pela salvação do sistema de transporte coletivo de Rio Branco

  • Duas frentes foram mobilizadas pelo interventor da Prefeitura de Rio Branco: uma nas empresas e outra no Sindicato dos Transportes Coletivos, o Sindcol, criado pelas empresas para gerenciar a tarifa paga pelos passageiros. Essa situação era ilegal, pois as empresas arrecadavam e elas mesmas se pagavam. O risco de desvio era grande, já que o Município era a instituição que deveria controlar a entrada e a saída desse dinheiro, mas não fazia;
  • Balanços de 2016 a 2018 mostram uma cifra milionária na arrecadação, quando somente neste primeiro ano, foram captados por mês cerca de R$ 12 milhões para um fluxo de ao menos 2,8 milhões de passageiros por mês;
  • Embora o lucro fosse alto, as empresas não reinvestiam na melhoria de seus veículos e nem depositavam o montante relativo aos direitos trabalhistas de seus funcionários, como por exemplo, o FGTS. Itens como a cesta básica, por exemplo, prevista no contrato, não eram repassados na sua totalidade e quando eram, os produtos vinham incompletos;   
  • Em 2020, com a chegada da pandemia de Covid-19, o sistema despencou de 1,5 milhão para 300 mil usuários por mês, por causa do isolamento social. Foi neste momento que as empresas, já desorganizadas, começaram a sentir o peso da ingerência e iniciaram o processo de depreciação;
  • Após a intervenção, a população começou a sentir as mudanças, com ônibus limpos e mais pontualidade;
  • O contrato provisório com a empresa Ricco Transportes para as linhas que eram da Auto Viação Floresta é de seis meses;
  • A Prefeitura de Rio Branco vai lançar novo edital de licitação para contratar empresas em caráter definitivo ainda nesta semana;

[Jornal Opinião]

Continue lendo
Clique para comentar

You must be logged in to post a comment Login

Leave a Reply

EXPEDIENTE

O Portal Acrenews é uma publicação de Acrenews Comunicação e Publicidade

CNPJ: 40.304.331/0001-30

Gerente-administrativo: Larissa Cristiane

Contato: siteacrenews@gmail.com

Endereço: Avenida Epaminondas Jácome, 523, sala 07, centro, Rio Branco, Acre

Os artigos publicados não traduzem, necessariamente, a opinião deste jornal



Copyright © 2021 Acre News. Todos os direitos reservados. Desenvolvido por STECON Soluções Tecnológicas