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POLÍTICA

Em tempos de crise ideológica dos partidos, o PT do Acre balança mas não cai nas mãos do ‘ex-radical’ Cesário Braga

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Por Jorge Natal

Já na década de 1980, o antropólogo e escritor Carlos Castañeda disse que as expressões direita e esquerda haviam perdido os seus conteúdos semânticos. Fazendo um recorte na história, e exemplificando com o Brasil pós-redemocratização, a confirmação disso veio com a coligação do PSDB com o então PFL, que virou DEM e hoje é o União Brasil, resultado da fusão com o PSL, aliança que levou FHC à presidência da República, não obstante em fazer seculares pensadores positivistas, como Augusto Comte e Max Weber, a se revirarem em seus túmulos.

No governo subsequente, o maior partido de esquerda da América do Sul, o PT, aliançou-se e governou com os principais partidos de direita, reduzindo o marxismo-leninismo, com a importante contribuição de Antônio Gramsci, a uma mera peça de retórica.

A incoerência e o fisiologismo, com excessivas doses de malandragens, passaram a dar a tônica na política brasileira, sepultando os discursos ideológicos e as práticas republicanas.

Cesário Braga em debates ao lado da, hoje, ministra Marina Silva

A decadência do establishment político fez emergir alguns novos partidos, destacadamente o PSL, que fez fusão com o DEM, virando União Brasil, e o Novo. Este último, apesar de sua concepção essencialmente liberal, ainda não se consolidou como partido forte e organizado. O PSL, por sua vez, embora há décadas possua um programa de direita, só ficou em evidência com o advento do bolsonarismo e no momento é uma sigla que tatea pelo Congresso Nacional em busca de identidade, se dividindo entre oposição e apoio ao Governo Lula.

Oriundo dos movimentos sociais, de setores da Igreja Católica e do meio intelectual, o PT, já em seus primeiros documentos, dizia-se um partido socialista e de massa. Era organizado, tinha vida orgânica, militância e participava de eleições em todos os rincões do Brasil. Era a única legenda que não fazia da política partidária um balcão de negócios. E lá se foram 43 anos.

O presidente da legenda no Acre, Cesário Capelo Braga, de 38 anos, é oriundo de duas famílias tradicionais. E vem a ser filho de um dos próceres do esquerdismo na região, advogado dos movimentos sociais, o saudoso Antônio Cesário Braga. “Tenho o DNA de esquerda e vivi todas as etapas de crescimento na militância”, assim ele resumiu a sua trajetória, referindo-se ao seu ativismo na sociedade civil bem como nas instâncias partidárias.

Com o pai Cesário, aprendendo em casa

Na sede do partido, que fica em um modesto prédio no bairro Floresta, ele recebeu a nossa reportagem e fez uma autocrítica necessária para o momento, com a volta ao poder, bem diferente da primeira vez quando subiu a rampa sem ouvir quaisquer questionamentos. Conosco falou quase tudo, inclusive sobre sua infância e adolescência, a vontade de estudar, a necessidade de trabalhar cedo, da sua trajetória e principalmente de sua paixão, a política com as suas idiossincrasias.

Cesário Braga em foto histórica com o presidente Lula

Vejam alguns trechos da entrevista:

Acre News – O senhor é o presidente do PT no seu pior momento. Explique o porquê.

Cesário Braga – A pior fase nós já passamos, que foi justamente nas eleições de 2018. Mas já estamos vivendo um momento novo, afinal, eu sou o presidente do PT no momento em que o Lula voltou à presidência da República. Para mim é uma honra, uma satisfação e uma enorme responsabilidade dirigir o PT.

Acre News – Na busca de apoio político no Congresso Nacional, é comum a partilha de cargos federais nos estados. O senador Petecão e o Jorge Viana estão ficando com tudo?

Cesário Braga – Primeiro que ninguém ganha uma eleição sozinho. Para enfrentar o retrocesso, tivemos que fazer a maior aliança que o Brasil já viu. Quanto fomos para o segundo turno, a aliança tinha que ser maior. E ainda não foi o suficiente. A prova disso é a adesão de uma parte considerável do União Brasil no governo.

Olha o que já aconteceu: a liberação de R$ 600 milhões para o BR 364, o aumento do valor do Bolsa Família, a ponte de Rodrigues Alves, a ajuda para os municípios vitimados pela alagação e inúmeros outros investimentos. Mas voltando à pergunta, quem ganha junto deve governar junto. O PT pleiteou vários espaços nesse processo, mas tivemos que fazer conformações, pois nem que queremos será possível. Eu tinha um pleito para o Incra, é verdade, e tivemos uma divergência interna. Porém, já solucionamos. Além de ser estratégico, eu sempre mantive uma relação próxima com o setor da produção, especificamente com a agricultura familiar.

A necessidade, neste momento, é de termos uma pessoa com um perfil técnico. E o companheiro Márcio Alércio cumpre esse papel. Ainda não está totalmente definido, mas eu devo ir para o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar). Estamos esperando algumas votações de pautas estratégicas para melhor definir a base do governo. Nesse momento veremos quem é quem.

Acre News – Por mais de trinta anos, o Jorge Viana mandou e desmandou nos rumos do PT. Pela primeira vez, ele encontrou resistência, ou seja, o grupo que o senhor integra o enfrentou. Comente sobre isso?

Cesário Braga – As divergências acontecem e a maior parte delas são no campo da definição de estratégias. Não somos rompidos com o Jorge. Não tem construção ou condução política sem diálogo com ele. Quando existe rompimento não se conversa e, recentemente, sentamos e voltaremos a sentar na semana que vem. O Jorge Viana é uma referência política, mas eu não baixo a cabeça para ninguém. Foi isso o que eu aprendi com meus companheiros em toda essa caminhada. Eu não tenho espírito de escravo para aceitar imposições.

Acre News – Nas últimas eleições, o senhor, mesmo sem recursos, tirou mais de três mil e duzentos votos, inclusive ficando na segunda suplência de deputado estadual. Como explica essa votação expressiva?

Cesário Braga – O esforço dos companheiros, além do fato de eu ter muitos amigos. Fui o segundo candidato do PT a receber menos recursos. Eu conheço o Acre de ponta a ponta. O PT nacional mandou quatorze mil reais para a minha campanha. E compraram muitos votos da gente na véspera da eleição.

Acre News – O senhor tem uma tatuagem no antebraço com a frase justiça social. O PT ainda é um partido ideológico?

Cesário Braga – E tenho outra do PT no outro braço. A justiça social é a causa e o PT é o instrumento porque não foi criado. Ele nasceu para fazer valer as lutas dos trabalhadores, ou seja, do sentimento de que precisávamos de justiça social. Alguns cansam, outros desistem, mas o partido continua. Onde você vê uma pessoa normal como eu chegar à presidência de um partido? Um liso como como eu tirar mais de três mil votos?

Acre News – O senhor se considera um político moderado?

Cesário Braga – Não, de jeito nenhum. Um político moderado fica no centro. Numa disputa entre o patrão e empregado, ele tenta construir consensos. Sou de esquerda, eu tenho lado.

Acre News – Apesar de alguns avanços pontuais nos governos petistas, o Acre continua subdesenvolvido e com o segundo pior PIB do Brasil. Temos mais gente com auxílios do que com carteiras assinadas. Comente sobre esse retumbante fracasso no campo do desenvolvimento econômico e social.

Cesário Braga – Eu não acho que fracassou. A questão econômica é de longo prazo. A gente começou a discussão da agroindustrialização do Acre. Foi no nosso governo que fomentamos as instalações da Acre Aves e do Dom Porquito na região do Alto Acre. Nesta semana, tivemos a primeira exportação de suínos para o Peru. Através do fortalecimento da agricultura familiar, principalmente das culturas vocacionais que estão no zoneamento ecológico e econômico, podemos industrializar esses produtos e depois exportá-los. Trocando em miúdos, esse modelo trabalha os três setores da economia (primário, secundário e terciário).

Acre News – E por que o PT não fez isso durante os vinte anos que ficou no poder?

Cesário Braga – Só para lembrar, meu companheiro, que eu não era o governador, secretário de estado nem participei dos governos. Sabe onde eu escuto que precisamos mudar? Nos meus companheiros na base. Não posso negar os acertos nem esconder os erros. Eu faço autocrítica. Quando perdemos as eleições de 2018, vinha acontecendo uma sequência de equívocos. Durante vinte anos, houve ausência de diálogos. Mas isso agora começa a acontecer. Eu nunca vi ninguém acertar e perder. Outra coisa, não soubemos nos relacionar com os aliados. Os principais políticos que estão em cargos estratégicos, hoje, eram da Frente Popular do Acre. Então houve sim erros na condução.

Com o jornalista Jorge Natal na longa entrevista ao Acre Neews

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