ACRE
Especial 60 anos do TJAC – A Justiça assentada no centro da capital acreana
A estátua posta frente ao Fórum Barão de Rio Branco é apenas um detalhe caprichoso concebido para a reinauguração do que era a principal referência do Poder Judiciário do Acre nos anos 90.
O Fórum Barão de Rio Branco foi inaugurado em 1971 e sua reinauguração, ocorrida em 24 de janeiro de 1997, foi a última ação da presidência do desembargador Jersey Pacheco no Tribunal de Justiça do Acre (TJAC).
Nas páginas do saudoso jornal A Gazeta, um dos maiores veículos de notícias impressas do estado, há a descrição da reforma efetivada em 1996, destacando o aperfeiçoamento empreendido na ordem física e administrativa.
Ao periódico, o desembargador-presidente do biênio 1995-1997 afirmou que os avanços do Judiciário eram necessários para a promoção da justiça social. O ato público que foi prestigiado por várias autoridades e no texto há ainda especificidades técnicas da obra:
“Muita coisa foi reformada no Fórum Barão de Rio Branco, mas grande parte foi acrescentada. As instalações telefônicas, elétricas, hidráulicas e a garagem são todas novidades. O Telejudiciário, que funcionará com 24 ramais figurou como uma das maiores novidades.
A área reformada e readequada é de 4.148,26 metros quadrados. As 18 varas, que estavam funcionando num prédio localizado no Segundo Distrito, ganharam 18 novas salas. O Tribunal do Júri, cuja capacidade de aglomeração era limitada, agora ficou amplo. Há lugares para 168 pessoas sentadas”.
Os registros foram enviados gentilmente por Raimunda Costa, responsável pelo acervo da empresa de comunicação, que com paciência buscou nos livros a edição que continha a publicação do dia 25 de janeiro de 1997.
Certamente, a reestruturação preocupou-se com as pilastras da base do prédio, incluiu vigas que modernizaram a fachada e que garantiram maior proteção solar, bem como abriu o estacionamento para o local. A gerente de Acervos do TJAC Ana Cunha descreve que nesse momento de redimensionamento físico foi quando os cartórios extrajudiciais saíram de dentro da estrutura do fórum para instalações externas. Assim, cabe considerar que além da melhoria estrutural, o TJAC inaugurava uma nova fase na prestação jurisdicional, decorrente da mudança de paradigma na perspectiva do atendimento.
Com o encerramento das adequações ficou organizado que no primeiro piso estariam as varas cíveis; no térreo, as criminais e o Tribunal do Júri; no subsolo a gráfica e a capela.
A escultura enquanto elo entre identidade e cultura
A empresa Itaforte Pedra Sabão Ltda., situada na cidade de Ouro Preto – Minas Gerais foi contratada para a confecção da estátua da “Deusa da Justiça” do TJAC. A pedra-sabão presente no nome do empreendimento refere-se a matéria-prima de seus produtos e também à alcunha da esteatita, rocha metamórfica que é assim chamada por admitir corte com faca de aço “como um sabão”, resultando no nome popular “pedra-sabão”.
A pedra-sabão é um mineral símbolo da herança cultural mineira, sendo utilizada desde o século XVII. Entretanto, passou a estar mais presente na arte e arquitetura do período barroco brasileiro, pois foi o principal material utilizado por Aleijadinho (Antônio Francisco Lisboa). Ainda hoje é empregada em esculturas e peças de artesanato, que movimentam o fluxo turístico da região. Além disso, a mineração é uma das fortes vertentes econômicas e força motriz da atividade industrial no Quadrilátero Ferrífero.
O esmero em esculpir uma divindade mitológica ficou a encargo do artista João Matias e seu assistente Mário Calango. A escultura possui 2,07 metros de altura, pesa aproximadamente 1,5 toneladas e levou 45 dias para ser confeccionada. Contudo, não foi possível resgatar mais memórias dessa tarefa, pois o escultor faleceu em 2007.
Pelas fotos vê-se que a produção teve um valor especial, o suficiente para o registro e a revelação destas fotografias, pertencentes ao arquivo pessoal do diretor da empresa Carlos Valdemar Dias. Ele contou que o produto foi enviado em um caminhão Ford F4000 de Ouro Preto para Rio Branco.
De acordo com o contrato resgatado no Arquivo do TJAC, a deusa Themis foi preparada a partir de dois blocos unidos. A licitação para sua compra foi dispensada, por se tratar de uma obra de arte/objeto histórico, conforme o parecer assinado pelo diretor executivo da época Agnaldo Dantas.
Ela custou R$ 7.000,00, equivalente a R$ 37.186,19 nos dias atuais, conforme a correção monetária computada pela Calculadora do Cidadão. O montante total foi pago em três parcelas.
A representação da Justiça
A Justiça é personificada pela deusa Themis. Filha do Céu e da Terra, irmã mais velha de Saturno e segunda esposa de Zeus. Segundo a lenda, era a deusa da lei, da ordem e protetora dos oprimidos, por essa razão Zeus costumava aconselhar-se com ela, porque suas palavras eram inspiradas pela prudência e amor à justiça.
“Visualizamos que a estátua da deusa Themis ficaria pujante em frente ao Fórum, totalmente reformado. Assim foi feito e deu muito certo. Ficou uma escultura muito bonita, à época” – a lembrança foi compartilhada por mensagem de WhatsApp pelo desembargador aposentado, Jersey Pacheco.
À vista disso, a aquisição não era apenas de uma representação da Justiça, mas também da réplica do ícone situado na Praça dos Três Poderes em Brasília, o que para o Pacheco cumpriria o intuito de fortalecer a identidade do Judiciário acreano.
A escultura situada em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal se chama “A Justiça”. Aquela também produzida por um artista mineiro, mas de granito pelas mãos de Alfredo Ceschiatti.
O que chama atenção é que a deusa da Justiça geralmente é representada por uma mulher vendada, segurando uma espada e uma balança. Porém nessa versão ela está sentada, a espada está em seu no colo (e não bramida) e não há balança.
Segundo o artigo “Arte e direito: a Justiça de Alfredo Ceschiati no STF”, o artista renunciou a completude dos elementos tradicionais para simbolizar uma dinâmica inscrita em uma relação com o tempo.
De fato, a ausência da balança da ponderação pode ser compreendida como um convite à participação do observador, “talvez a balança não esteja com a Justiça porque ela deve estar em nós”, sugere Rafael Simioni em seu estudo.
Para o autor, outra interpretação possível a essa simbologia pode partir de uma comparação: assim como o Davi de Michelangelo não tem o Golias, A Justiça de Ceschiatti não tem a balança porque encontra-se retratada no tempo imediatamente posterior ao da ação principal, que seria a realização da justiça.
Com efeito, o limiar entre a arte e o Direito também entrega uma mensagem sobre a convicção de que a justiça é o equilíbrio.
Nossa hipótese é a de que o artista, de modo inteligente, deslocou elementos que definem a identidade da Justiça para demonstrar que a verdadeira justiça não está em uma divindade ou em uma dimensão mítico-metafísica, mas, sim, dentro do prédio, na atuação dos operadores do Direito e em nós mesmos.
(Rafael Simioni)
Dois pesos, duas medidas
Themis tem a balança no braço esquerdo e os pratos pareados igualmente indicam que não há diferenças entre os homens quando se trata de julgar os erros e acertos. Contudo, o emblema da balança teve origem com o deus egípcio Osíris: para julgar o destino dos mortais, ele pesava seus corações em uma balança.
O instrumento de pesar é frequentemente empregado na Bíblia em lições sobre valorar atitudes. Um exemplo está em Provérbios 11: 1, no qual há a definição de que honra e integridade são equiparadas a balanças certas.
A expressão popular “dois pesos e duas medidas” também é proveniente da escritura sagrada. No livro de Miquéias, o profeta denuncia uma fraude comum da época, no qual comerciantes desonestos tinham dois pesos diferentes para contrabalancear a balança, assim utilizavam os mais pesados quando compravam e os mais leves quando vendiam. “Poderia alguém ser puro com balanças desonestas e pesos falsos?” (Miquéias 6:11).
A precisão sobre a virtude dos pensamentos, sentimentos, caráter e motivações está concatenada ao ato de julgar, principal missão das juízas e juízes de Direito. “Pesado foste na balança, e foste achado em falta” (Daniel 5.27). Por fim, a imagem da Justiça com os olhos vendados fala sobre imparcialidade, característica essencial ao caráter do juiz.