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Mães retratam sofrimento ao se separarem dos filhos quando atuavam no mundo do crime

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Neste domingo, 8 de maio, comemora-se o Dia das Mães. E para duas mulheres a data será ainda mais especial. Uma passou alguns períodos cumprindo pena em regime fechado sem ver a filha, a outra, ficou detida por 24 horas ao levar drogas para o esposo na prisão e precisou deixar os filhos sozinhos. Agora, longe da prisão, elas contam o quanto a possibilidade de uma segunda chance e de ter os filhos próximos, são o combustível da vida.

A história aborda a vida de Carolina* e Denise* (nomes fictícios), que tiveram a experiência do mundo do crime e hoje se arrependem de terem seguido o caminho ilegal, sendo obrigadas a deixarem os filhos sem o acalento materno.

Elas partilham de um adoecimento mental que tem como causa principal o sofrimento relacionado à separação iminente dos filhos e filhas em um momento de grande fragilidade. Possuem em comum os erros, mas também segundas chances de uma vida que lutam para ser melhor. É o que vamos conferir abaixo.

“Só uma oportunidade”

Carolina é natural de Sena Madureira. Tem 25 anos. É a segunda filha de seis irmãos. Sua mãe é evangélica, o seu pai dependente químico. Estudou até a oitava série, mas aos 13 anos, começou a carregar cicatrizes que até hoje tenta ser curar.

Ela foi abusada dentro de casa. Denunciou o caso para a mãe, mas sua genitora não acreditou. Revoltada com a situação, foi embora de casa e diz que nutriu uma sentimento de revolta o que, segundo ela, a motivou a entrar no mundo do crime. “Nunca tive afeto de família, nunca tive ajuda de ninguém”, disse.

Em sua última passagem prisional, Carolina ficou três anos presa e sem uma única visita familiar, assim, não pôde acompanhar o crescimento da filha, que tem seis anos. Ela não esteve presente no crescimento de sua pequena, mas há um ano foi beneficiada com a Resolução N. 412/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabelece diretrizes e procedimentos para a aplicação e o acompanhamento da medida de monitoramento eletrônico de pessoas. O benefício possibilitou a aproximação entre mãe e filha em um momento importante para a criança, recentemente que foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

O Artigo 8 estabelece que a medida de monitoramento eletrônico busca assegurar a realização de atividades que contribuam para a inserção social da pessoa monitorada. No inciso II, determina que as condições da pessoa investigada, ré ou condenada tornarem excepcionalmente gravosa a medida, devido a dificuldades de locomoção, condições físicas ou necessidade de prestação de cuidados a terceiros, tais como, (alínea ‘d’) quando se tratar de gestante, lactante, mãe ou pessoa responsável por criança de até doze anos ou por pessoa com deficiência.

Desta forma, Carolina utiliza a tornozeleira eletrônica. Por um lado, ela afirma que é melhor do que estar em regime fechado, contudo os obstáculos enfrentados do lado de fora dos muros da prisão são tão difíceis que ela diz se sentir diariamente esgotada. Carolina tem depressão e por vezes se mutilou nos próprios braços.

A esperança de dias melhores para oportunizar casa e escola para a filha é o fio condutor que a motiva a levantar da cama diariamente.  Carolina fez parte de organização criminosa, e já foi torturada por seus membros e vive uma forte luta diária, recusando ofertas para voltar ao mundo do crime e enfrentando a dificuldade em conseguir um emprego. Atualmente faz “bico” em um salão de beleza em seu bairro e pretende voltar aos estudos. “Ninguém quer me dar emprego, por onde eu ando me olham de outro jeito”, ressalta.

Ela conta ter conseguido um emprego em um salão no centro de Rio Branco, mas quando a empregadora ouviu o alarme da tornozeleira eletrônica, decidiu não manter a oportunidade. Segundo Carolina, o preconceito das pessoas dificulta a ressocialização. “A sociedade fala em ressocializar, mas quando chega aqui fora (da prisão), a sociedade é a primeira a criticar, julgar, olhar com outros olhos. A sociedade mesma discrimina as pessoas”, desabafou.

Emocionada, conta que a filha não estuda porque ela não possui condições de comprar material escolar para ela.  “Tem dia que eu não tenho nem o que comer”, diz.

Depois de tanto tempo presa, neste domingo será o primeiro Dia das Mães de Carolina perto de sua filha. Quando perguntada como será essa data, ela diz que, apesar de todas as dificuldades, será um dia feliz por estar fora da prisão podendo ver sua filha e sua mãe, mas que deseja ainda uma oportunidade para trabalhar e se erguer.

A psicóloga do Instituto de Administração Penitenciária do Estado do Acre (IAPEN), Ozileide Paiva, enfatiza sobre a importância desse tipo de benefício para as mães que cumprem pena. Para ela, é a oportunidade de conviver junto à sociedade, à comunidade e principalmente à família.

“Bem como, a oportunidade de estudar, de se capacitar, de concluir estudos, pois a maioria não concluiu, além da chance de socializar. Não só o benefício social, mas trabalhar a questão do cuidado com a saúde e qualidade de vida delas, pois no ambiente .

“Meu pensamento era nos meus filhos

Denise, é casada, tem 3 filhos. O primogênito tem 15 anos, o segundo de 12 e o caçula com 5 anos de idade. Ela viveu um drama por três anos com seu marido, que é ex-detento e ex-dependente químico, enquanto ele cumpria pena em regime fechado. Na prisão seu companheiro fez dívidas em decorrência do vício, e numa das visitas Denise levou drogas para ele.

Segundo ela, na noite anterior ao crime, teria sonhado com o flagrante. Na entrada do presídio ela foi detida e levada à Delegacia de Flagrantes, onde permaneceu por 24 horas.

Ela diz que o primeiro pensamento foi nos filhos. “Dormi na Delegacia de Flagrante. Acho que foi a pior coisa que me aconteceu na vida. Orei muito e chorei, pois meu pensamento era nos meus filhos. Queria saber como eles estariam”, disse.

Durante a audiência de custódia, ela foi acolhida e orientada pela psicóloga da equipe multidisciplinar do Poder Judiciário do Acre. “A (psicóloga) Cláudia foi uma pessoa maravilhosa na minha vida. Ela me acolheu, ajudou, aconselhou, pois quando eu estava presa, meus filhos ficaram sozinhos”.

Segundo Denise, o dia da prisão foi o mais longo de sua vida. Ela conta que ao chegar em casa e reencontrar os filhos a emoção foi muito grande. “Quando cheguei em casa estavam apenas os meus filhos. E minha filha disse: – ‘mãe, aqui não tem nada. Eu comprei pão, porque encontrei R$ 0,50 na rua. Comprei e trouxe para cá, para tomar café’. Isso me doeu muito. Doeu na alma”, revela.

Na audiência de custódia, seu caso foi convertido em serviço voluntário. Ela trabalhou no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) e lá conseguiu uma oportunidade de emprego com carteira assinada, para trabalhar em uma empresa de serviços gerais que presta serviço para o Tribunal.

Em ação conjunta, o Poder Judiciário do Acre com a Central Integrada de Alternativas Penais (CIAP) do IAPEN, articularam para que a vaga fosse de Denise. Hoje ela trabalha em um dos prédios da Cidade da Justiça e está feliz no emprego que atua há um ano e quatro meses. Ela também está estudando, cursando o terceiro período de Serviço social, área que um dia ela foi cliente. Seu marido cumpriu a pena e trabalha como autônomo com pintura e auxiliar em construção civil.

Quando perguntada como ela avalia a própria história antes e agora, por ter vivido um drama por três anos, frequentando o ambiente prisional por causa do companheiro, e ter vivido 24 horas de pesadelo detida, ela respira fundo, o olho ganha um brilho mais forte e fala com orgulho.

“Eu nunca imaginei viver uma situação dessas. Foi um pesadelo, mas que se tornou um aprendizado. Isso veio para me ajudar a crescer como mãe e como mulher, evoluir, ter a determinação de não querer isso para mim. Isso não é vida para mim, é um caminho sem volta. É cadeia ou é a morte. Se surgir a segunda chance, você tem que agarrar. E foi o que eu fiz, eu tive a oportunidade de segurar essa chance”, disse

Atuação da Justiça

Em atenção à Resolução CNJ nº 307, de 17 de dezembro de 2019, que trata da Política de Atenção a Pessoas Egressas do Sistema Prisional no âmbito do Poder Judiciário, visando criar mecanismos de inclusão das pessoas egressas do sistema prisional, o Poder Judiciário do Estado do Acre celebrou Acordo de Cooperação Técnica com a Procuradoria Regional do Trabalho da 14 ª Região/MTP para a realização do Projeto “Resgate da Cidadania – Garantia de emprego e renda à mulher egressa do Sistema Prisional Acreano”, a ser implementado na Comarca de Rio Branco.

A juíza-auxiliar da Presidência Andrea Brito que atua nas audiências de custódia e unidade de execução de penas e medidas alternativas conhece inúmeros casos dessa natureza. A magistrada comenta que “a passagem pelo cárcere por si só é um fator dificultador de acesso a emprego, que se soma a outras vulnerabilidades sociais, de gênero e raça. Profissionais que atuam no atendimento de pessoas egressas afirmam que a vinculação do público feminino aos serviços é especialmente desafiadora”.

O foco central do projeto está na inserção das beneficiárias no mercado de trabalho, vez que este é uma importante ferramenta de autonomia financeira nesse momento, pois a mulher precisa arcar com gastos básicos, como moradia e alimentação, não apenas dela, mas, muitas vezes, de seus dependentes. Do mesmo modo, o projeto proposto pelo Poder Judiciário Acreano está alinhado ao Plano Nacional de Geração de Trabalho e Renda, uma iniciativa do CNJ, que tem por finalidade qualificar as estruturas do Poder Judiciário, por meio da atuação integrada entre os magistrados e parceiros estratégicos afetos à temática, para promoção de alternativas de trabalho e renda de forma sistemática em unidades de privação de liberdade, explica.

Mães em números

No cadastro da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco, das 234 mulheres presas, 180 possuem filhos com até 12 anos. Segundo o IAPEN, entre gestante ou mães, atualmente a capital acreana possui 69 mulheres no regime semiaberto com filhos e 23 em situação de prisão provisória.

A partir dessas duas histórias, recordamos de um trecho do livro “Tudo é Rio” (editora Record), de Carla Madeira, que se encaixa muito bem em nossas personagens, que são exemplos de tantas outras mulheres que passaram ou estão no sistema prisional brasileiro. Cada uma delas “poderia tantas coisas se pudesse. Mas só pôde o que fez. Quem vê de fora faz arranjos melhores, mas é de dentro, bem no lugar que a gente não vê, que o não dar conta ocupa tudo”.

Diante desse cenário e suas diversas problemáticas, a Justiça brasileira tem se esforçado muito para buscar diferentes caminhos que tragam resolutividade.

O Conselho Nacional de Justiça produziu o Manual da Resolução n. 369/21 para orientar os tribunais no encaminhamento de casos relativos à privação de liberdade para gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência. As orientações valem tanto no campo penal quanto no socioeducativo. A Resolução estabeleceu quais os procedimentos que devem ser adotados e as diretrizes que devem ser seguidas para substituir a privação de liberdade, por prisão domiciliar, no caso dessas pessoas.

A mudança da forma de reclusão atende ao art. 318-A do Código de Processo Penal e acata o cumprimento às ordens coletivas de habeas corpus concedidas pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal no HC n. 143.641/SP e HC 165.704/DF. O manual orienta a identificação e o registro de informações sobre as pessoas presas e aponta elementos que juízes e juízas devem considerar para tomar decisão, incluindo propostas de entrevista com essas pessoas. Além disso, traz diretrizes para o monitoramento e cumprimento da resolução, assim como para qualificação de quem lida com essas situações no Poder Judiciário  e o Poder Judiciário do Acre também mostrado resultados nesta direção.

Fazendo Justiça

O programa “Fazendo Justiça” é a segunda fase do projeto de cooperação técnica “Fortalecimento do Monitoramento e da Fiscalização do Sistema Prisional e Socioeducativo”, o “Justiça Presente”, firmado entre a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em janeiro de 2019. O projeto recebe apoio do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).

O Programa tem como objetivo buscar alternativas para os desafios do encarceramento no Brasil, oferecendo ferramentas e desenvolvendo estratégias para fortalecer o monitoramento e a fiscalização dos sistemas prisional e socioeducativo, por meio de maior controle e redução da superlotação e superpopulação nesses sistemas, informatização dos processos de execução, além de ações para a ressocialização das pessoas que cumpriram pena privativa de liberdade. Fazem parte do plano de ações do programa aquelas que garantam direitos e cidadania, atuando no fomento a abertura de mais vagas de trabalho a pessoas egressas, por meio de parceria com o Ministério Público do Trabalho.

Abraçando Filhos

Não é preciso ser especialista para saber que crianças e adolescentes precisam ter os pais e as mães por perto enquanto crescem, para se desenvolverem plenamente. Contudo, para as filhas e os filhos de pessoas encarceradas esse convívio, garantido pela Constituição Federal e tratados legais internacionais, precisa ser protegido pelos órgãos públicos. Para preservar e ampliar esse direito, o Tribunal de Justiça do Acre atua por meio da sua Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ) e do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF).

O Projeto “Abraçando Filhos” é um outro exemplo de ação social conjunta, organizado pelo Judiciário acreano com instituições parceiras do sistema penitenciário estadual, que avança no atendimento das normas legais, quando proporciona um momento fora das unidades prisionais para as crianças e adolescentes se encontrarem com as mães que cumprem pena privativa de liberdade.

O momento é monitorado e vigiado pelo Judiciário, Instituto Penitenciário e policiais, mas o clima de alegria, reencontro e amor prevalece. Afinal, as crianças e adolescentes reveem as mães e essas mulheres são levadas a refletirem sobre seus atos. Durante a ação vários parceiros e membros da sociedade civil contribuem financeiramente com a iniciativa, que faz distribuição de presentes, lanches e atividades recreativas.

Nesse Dia das Mães, o Poder Judiciário do Acre reconhece esses direitos à todas as mães, especialmente aquelas que prestamos atendimentos. A segunda chance é vital para sua reinserção social de forma efetiva, resgatando sua dignidade. O amor de mãe, de força descomunal e infinita está além das grades e não há muros que separem dos filhos.

[Elisson Nogueira Magalhaes | Comunicação TJAC]

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