ESPORTE
Narrativas e fatos
Dizem por aí (e eu acredito) que a história não é construída, necessariamente, pelos fatos, mas, isso sim, pelas narrativas. Dependendo do ponto de vista do narrador, os fatos podem ser absolutamente apagados ou distorcidos. E com o tempo o que acaba prevalecendo é mesmo a narrativa.
E isso nem é novidade. Já desde os antigos gregos, aqueles caras que costumavam tomar porres de cicuta, quando eventuais interlocutores não acreditavam na versão deles dos fatos, que se sabe que a verdade pode ter muitas faces. E assim, então, o que vale para uns pode não valer para outros.
Veja-se, por exemplo, as ações daqueles uruguaios que invadiram o Rio de Janeiro antes do jogo entre Botafogo e Peñarol, na quarta-feira retrasada, 23 de outubro, roubando celulares, queimando motocicletas, destruindo quiosques e assustando transeuntes. É prova cabal do que eu digo.
Pois apesar das imagens que correram o mundo, tem muita gente no Uruguai hoje garantindo que os facínoras não fizeram nada de mais e apenas se defenderam das agressões dos policiais cariocas. Garantem que os “pibes” são anjinhos inocentes e que é uma tremenda injustiça mantê-los no xilindró.
Tudo bem, eu sei que os defensores dos caras que promoveram a baderna vão dizer que as imagens não valem nada e que elas podem ser manipuladas, montadas, distorcidas e coisa e tal, através da inteligência artificial, tal como um certo gabinete do ódio fazia por aí até um dia desses.
Então, por conta dessa possibilidade de manipulação, eu meti o pé na estrada e me mandei para o Recreio dos Bandeirantes no sábado passado, para constatar (ou não) in loco o rastro da destruição. Fui e vi (sou testemunha ocular, portanto): a coisa foi mesmo como a gente viu pela TV.
Não contente em ver, tratei de assuntar com alguns comerciantes da área. E eles, em uníssono, me garantiram que a selvageria dos malfeitores travestidos de torcedores, que sequer tinham ingresso para ver o jogo do seu time, foi pior do que as imagens mostraram. Instantes mesmo de total terror!
Depois de tudo, o resumo da minha ópera é o seguinte: um fato e duas narrativas. O fato: aqueles uruguaios (não se pode dizer “os uruguaios”, para não cair numa generalização perigosa) causaram uma baderna sem precedentes. As narrativas: na deles, sobra inocência; na nossa, sobra culpa.
Pelo fim dos tempos ambos os lados vão acreditar nas suas versões. Inocentes e culpados são apenas faces de uma mesma moeda. Lá no rio da Prata formam-se correntes pela libertação dos “mártires”. Na terra de São Sebastião clama-se por justiça. Não importam os fatos. Publique-se a lenda!