RAIMUNDO FERREIRA
Num suco de filosofia pura, o professor Raimundo Ferreira viaja entre Gênesis e Espinosa para sugerir que “Devemos permanecer inocentes”
																								
												
												
											DEVEMOS PERMANECER INOCENTES
Raimundo Ferreira
A visão contraditória aos ensinamentos, orientações, costumes e à cultura da religião católica, e de toda a fundamentação das religiões ocidentais, presente na filosofia de Espinosa, nos convida a uma reflexão mais profunda. Contudo, não pretendemos detalhar excessivamente nem firmar conclusões sem o devido conhecimento da totalidade da questão. Afinal, essa visão vigente, que perdura desde os primórdios da civilização, tem dirigido e orientado os destinos e pensamentos dos fiéis em todo o hemisfério ocidental.
A narrativa bíblica, a partir de Gênesis, afirma que Deus criou o mundo e tudo o que nele existe, especialmente o homem, sua obra-prima. Deus é apresentado como a divindade central, absoluta e onipresente. Em contrapartida, Baruch Espinosa, embora não negue a criação ou as origens da humanidade, postula que a separação entre o homem e Deus é uma ilusão. Segundo ele, as pessoas, assim como a natureza em sua totalidade, são sagradas e manifestações do Divino, não dependendo de um salvador ou observador externo que tudo controla. Ele questiona a ideia de que a obediência e o bom comportamento nesta vida garantem a vida eterna após a morte.
Em essência, enquanto as religiões ocidentais pregam a obediência como caminho para a salvação, Espinosa argumenta que somos autossuficientes. Somos manifestações da vida em forma humana, como outras manifestações que surgem para cumprir uma missão. Assim como os seres vivos na natureza, nossas vidas são autônomas e devem ser vividas de forma livre e prazerosa, sem o receio de perder a salvação por um comportamento inadequado.
Na verdade, se essa ideia de Espinosa, que é bem embasada e defendida por ele, for verdadeira, governantes e instituições religiosas, que detêm poder sobre seus seguidores através do ensino e da exigência de obediência, perderiam sua razão de existir. Se as pessoas são autônomas e autossuficientes, qual seria o papel dos líderes religiosos e governantes? A humanidade e a natureza poderiam se autorregular, e a vida seguiria seu curso sem intermediários.
Aconselhamos a não se impressionar com essa perspectiva, pois, segundo Espinosa, a inocência é como plumas ao vento: uma vez perdida, jamais se consegue juntar.

																																						
													
																																			
													
																																			
													
													
													
													
													