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Quem é o homem que saiu do ES rumo a RR e veio parar no AC duas vezes de bicicleta?

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Por Wanglézio Braga / Fotos: Wanglézio Braga

A curiosidade pela vida nômade que os primos levaram na década de 80 transformou de vez a vida de um jovem nascido no Espírito Santo (ES) e que viu no ciclismo oportunidades de compreender um hobby dos parentes, preencher lacunas da vida, superar barreiras físicas e ganhar bagagens culturais inimagináveis. Assim podemos definir um pouco da história de Cláudio Souza Coelho, de 53 anos, que cumpriu mais um ousado plano: atravessou o país montado numa bicicleta.

Cláudio deixou a família para se aventurar pelo mundo. Conheceu 16 países, fala três idiomas e revela amor pelo Acre

O encontro de Cláudio com a equipe do AcreNews ocorreu por acaso, num posto de gasolina, localizado na entrada da cidade, há poucos minutos de declarar o fim da etapa da façanha: ter iniciado uma viagem da capital do Espírito Santo à Roraima (RR) e da capital que tem a vista boa até Rio Branco, no Acre, num trajeto que durou meses, mas que garantiu o que a vida tem de melhor:  A sensação de liberdade das coisas.

Enquanto tirava alguns objetos de cima da bicicleta e alongava o corpo, Coelho conversou conosco abertamente e sem titubear disse que não quer parar tão cedo de pedalar, declarou amor ao Acre e elogiou os acreanos. Leia na íntegra o bate-papo: 

AcreNews: Cláudio, por qual ou quais motivos você resolveu encarar essas viagens?

Essa pergunta virou clichê pra mim, ela é clássica! Tudo começou em 1988 quando eu via uns primos viajando pelo mundo. Alguns foram para a Austrália, outros ficaram aqui na América, outros foram parar na Ásia, daí, eu criei uma curiosidade dessa vida que eles levavam e gostavam. Eu sempre quis saber como é ser nômade do que poderia trazer algo de bom para nós (…) Comecei a viajar pela América, viajei a alguns países, depois encontrei uma moça, namoramos e casamos. Fiquei casado por um tempo, tivemos filhos, mas eu me sentia preso no relacionamento. Eu falei pra ela que um dia voltaria à estrada. Foi o que eu fiz! Voltei a visitar alguns países, fui embora em seguida para o México, depois fui pra América Central, voltei para a América do Sul (…) O fato é que da curiosidade da vida deles e que passou a ser a minha também, acabei gostando das viagens. 

Cláudio atravessou o país pedalando numa ‘magrela’ e declarou amor ao Acre. Conheceu ainda 16 países e fala com fluência três idiomas

AcreNews: Para levar uma vida assim, de nômade, você deve ter lutado contra muitos conceitos ou situações, não é?

Sim, vários. Eu me desapeguei muito à matéria, das coisas, e até das pessoas. Esse materialismo, de ficar reunindo coisas, ter que abandonar outras ao longo do percurso da vida e aprender que algumas coisas vão e outras ficam me fez outro homem. Afirmo que a vontade de viajar é maior, passou a ser um vício, tanto é que voltei às viagens e não parei mais, nem quero parar.

AcreNews: A família apoia? 

Eu não sei, nunca mais falei com eles. Tem mais de 30 anos que não mantenho contato. Isso até se tornou um fenômeno. Sinto curiosidade para rever as pessoas que encontro pelo mundo. Não tenho esse sentimento com a família. Lembrei-me da família porque você comentou. Não tenho mais a vontade de revê-los (…) Já perdi muita gente lá no Espírito Santo. Meu pai morreu. A minha mãe, não sei. Perdi primos, tios (…) Nos dois primeiros anos, eu sentia saudades, depois passou (…) Eu tenho filhos, um mora na Guiana Francesa, uma tá tentando ir pra Bolívia estudar direito e outro vive em Roraima (…) Sinto saudades das pessoas que já reencontrei, da família não sinto.

AcreNews: Desapegar de algo, de alguém, requer coragem! E como você sobrevive?

Eu vivo de trabalho social na área da gastronomia e de empreendedorismo. Funciona assim; Paro num lugar e ofereço os meus serviços de gastronomia, de preparo de pratos brasileiros, de locais, ou até mesmo internacionais. Passo o conhecimento na área da confeitaria, das comidas típicas da Arábia, Itália, da Europa, e além disso, ensino os garçons de como servir os pratos, arrumar uma mesa, tratar os clientes. É um serviço bem didático, prático, mas cheio de conhecimento de quem já passou por muitos lugares nesse mundo (…) Assim, eu preparo as pessoas e em troca disso, recebo alimentação, hospedagem e às vezes dinheiro. Só que no caso do dinheiro é apenas um complemento, não é fonte de renda.

AcreNews: No seu caso, a questão central é a troca de conhecimento!

O dinheiro é bom! Para ter dinheiro basta ter iniciativa, ter uma boa administração e determinação. O resto, as coisas fluem. Eu não me preocupo com valores. Não fico preocupado com dinheiro (…) O dinheiro não pagou os meus conhecimentos dos idiomas que aprendi com o espanhol, o inglês, o francês. 

AcreNews: Para ter essa bagagem e virar uma espécie de ‘coach’, o seu passaporte deve ter muitos carimbos, não é?

Foram 16 países viajados, conhecidos, visitados até hoje. Esses países são daqui da América do Sul, da América Central e da região do Caribe.  Posso citar alguns que mais gostei como o México, a Guatemala, a Venezuela onde morei, em El Salvador, o Peru, a Colômbia, conheci a Argentina, a Bolívia, tô querendo conhecer o Equador. Esse último país, dizem os viajantes de que é um lugar fascinante. 

AcreNews: E a pergunta que não quer calar – E o Acre?

É a segunda vez que venho aqui. Todas as duas vezes foram de bicicleta. Muitas pedaladas. Eu amei esse lugar. Digo inclusive que se o povo, as pessoas do sudeste ou do sul soubessem como é o Acre, acredito que eles viriam todos para cá. Espero que eles não saibam! O Acre é muito bom, é de um povo humilde, hospitaleiro. Há algo do Acre que existe e as pessoas não se dão conta é de ser hospitaleiro e ter essência da humildade. O Acre tem uma inocência! Existe no mundo, lá fora, uma malícia que não vemos aqui. O materialismo não chegou aqui como lá fora. Se chegou tão forte, desconheço. 

AcreNews: O que mais o Acre te ofereceu?

O Acre tem certo encanto. O Acre tem certa magia! Quando estava viajando rumo a Roraima, pensava sobre retornar ao Acre. Então, não medi esforços. Pedalei quase 3 mil quilômetros até chegar aqui. De Roraima até o Acre é muito longe, mas eu vim. Eu venho para visitar algumas pessoas que conheço, amigos na fronteira do Brasil com o Peru e a Bolívia (…) A gastronomia do Acre me encantou, confesso. Amei conhecer a Baixaria, algo simples e único que é muito típico daqui, além dos salgados e dos sucos da fruta (…) Mas nada é tão belo quanto a simplicidade das pessoas.

AcreNews: Então, você tem uma boa ligação com o nosso estado!

Sem sombra de dúvida! Vale lembrar que nessa temporada por aqui, eu fundei uma casa de apoio para o viajante em Assis Brasil, logo quando desembarquei aqui pela primeira vez. Era uma casa para qualquer pessoa que estivesse de passagem, que ajudava no local para o ciclista dormir e tomar banho, para o caroneiro, para o cidadão que estava vindo de outro país e não tava querendo gastar muito, até mesmo a um turista. Essa casa estava abandonada, fiz uma reforminha, e ficou como ponto de apoio. Por lá passaram pessoas da Alemanha, costarriquenhos e pessoas da América Central. Depois de fazer valer o objetivo da casinha, eu retornei pra estrada. 

AcreNews: Conta um pouco desse projeto, da ideia de pedalar pras bandas de cá! 

Cheguei há alguns minutos em Rio Branco e pretendo continuar a viagem até Brasiléia, na fronteira com a Bolívia. Meus planos era seguir para o Peru, porém, não vou. Acredito que aquela região tá muito difícil de viajar por causa da forte imigração que vem ocorrendo de pessoas da África, do Haiti, da Angola. E tem outro fator, eles estão exigindo da gente tomar a vacina. Acredito que ainda podemos ter imunidade da natureza, sem precisar vacinar. Tomei uma dose da vacina, e devo completar o ciclo só depois. Até lá, vou fazer uma manutenção na bicicleta e pegar a estrada novamente para dentro do Brasil (…) Antes de tudo isso, preciso fazer a revisão da bicicleta para seguir com o projeto. 

AcreNews: Por falar em seguir a estrada, tens um destino em mente?

Sim, vou seguir até a Guiana Francesa. Estarei subindo até o Amapá, pegando por Roraima seguindo até Santarém, no Pará, pegarei um barco até Macapá, em Santana, seguindo até Oiapoque e cruzarei a fronteira da França. Já pensou pegar uma bicicleta e cruzar a fantástica BR-319?

AcreNews: Estamos curiosos para saber o que você leva nessa bicicleta. Conta pra gente!

Levo aqui boas histórias e algumas coisas que ajudam nessas histórias. Levo uma garrafa de água, é importante sempre ficar hidratando o corpo. Tem colchonetes, utensílios domésticos, facas, garrafas secas, algumas sacolas, levo também óleo, peças para a bicicleta, algumas ferramentas, uma vara de pescar, uma cabana e algumas roupas. Ela é bem completa, não é?

AcreNews: Estamos encantados com as suas experiências, Cláudio. Que recado ou mensagem você deixa aos nossos leitores?

A primeira coisa é deixar a dificuldade de lado. Não coloque dificuldades. Acredite e tenha fé. Além disso, é importante ter coragem. Se lançar é na vida é ótimo. Saiba chegar aos lugares, abuse da educação. Ela ajuda muito. Saiba um idioma e esteja aberto para aprender novas culturas. Não se esqueça de fazer a revisão na sua bicicleta. Ela vai levar você para o mundo. Por fim, ninguém é triste pedalando.

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