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Resgatando história e cultura do Acre, Casa Museu fortalece circuito turístico do estado: ‘É nossa memória’
A paixão e o orgulho de ser acreano fizeram com que o desembargador aposentado Arquilau Melo montasse, literalmente, um museu em casa, para resgatar e fortalecer a história do estado marcado por batalhas para se tornar brasileiro e alcançar a autonomia. A Casa Museu, espaço que compõe o circuito turístico de Rio Branco e preserva a memória do Acre, tem chamado atenção de turistas que desejam conhecer mais a cultura e a história acreanas.
De colecionador a curador, Arquilau expõe desde máquinas de datilografar a câmeras fotográficas, até um caminhão utilizado pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ainda em perfeito funcionamento. Fabricado em Olten, na Suíça, pela indústria Berna, o veículo foi adaptado e utilizado para transportar judeus aos campos de concentração.
Entusiasta da arte, da história e da comunicação, é ele quem guia a visita ao museu montado em sua casa. Conhecer o lugar é como entrar no túnel do tempo e reviver a trajetória daqueles que estiveram no Acre antes mesmo de ele ser considerado um estado brasileiro.
“Essa ideia do museu já demanda uns 15 anos. A ideia inicial era, com esse caminhão da Segunda Guerra, levar alguns objetos para as escolas e entregar para os professores de história. Porque a gente precisa fazer um link da história do Brasil, do mundo, com a do Acre. Mas o custo para fazer isso era muito alto, então tive a ideia de montar este espaço aqui em casa e o nome do projeto, que antes era Museu sobre Rodas, passou para Casa Museu”, diz.
O caminhão usado pelo exército alemão na 2ª Guerra Mundial teve as peças originais preservadas e é uma das grandes atrações do local, onde as pessoas podem conhecer o veículo e também posar para fotos.
“Esse caminhão era dos padres alemães que estavam em Cruzeiro do Sul, que o receberam como doação da Alemanha e o exploraram durante um período bem grande. Depois passaram para a mão de um particular e terminou na minha. Como o dono do caminhão era amigo da família, cedeu para que eu executasse a ideia do museu”, relembra.
O museu reproduz também partes da tradicional casa dos seringueiros, como o típico retrato pintado que havia na maioria das habitações, expõe documentos de tratados políticos importantes para a história do estado e objetos usados pelos seringueiros – um acervo historicamente rico.
“A gente tenta mostrar equipamentos para os jovens estudantes e falar da importância desse conhecimento que eles devem levar pra frente. Sem história, a gente não é nada. Temos que compreender o nosso passado para nos entender como gente e não nos deixar ser objeto de preconceito. Tendo um pouco de valor, cultura, a gente sabe se defender dos preconceituosos”, ensina.
Durante uma hora e meia de visita, Melo vai detalhando, principalmente, como era o período do auge da borracha, dividido em dois ciclos, sendo o primeiro entre o período de 1880 a 1910 e o segundo pico entre 1941 e 1945 e teve relação com a Segunda Guerra Mundial. Esse apogeu acabou atraindo milhares de nordestinos para a Amazônia em busca de riqueza, já que o látex era considerado o ouro da região no final do século 19 e início do século 20, sendo alvo de disputa entre Brasil e Bolívia.
“Muitos morreram com as mazelas. Vieram 5 mil homens para a Amazônia, que se tornaram soldados da borracha e a maioria morreu sem poder voltar para o Nordeste e sem concretizar sua perspectiva de ganhar dinheiro e ficar rico. Então, aqui faço questão de contar a história de luta daqueles que nos antecederam, os nossos pais e os nossos avós. A história deles está aqui, nosso propósito é contar essa história”, reforça.
Turismo
Durante visita ao Acre no ano passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil (STF), Edson Fachin, visitou a Casa Museu e pôde conhecer um pouco mais sobre o estado. “Com certeza foi uma grande personalidade que esteve aqui, mas sempre recebemos muitos turistas e muitas autoridades. O ministro ficou maravilhado, porque conhecia muito pouco sobre a história do Acre”, diz o desembargador.
Quem também quis se inteirar dessa história que encanta as pessoas foi Uanderson Ramos, sócio-proprietário de um circo que está na capital. “Quando o circo chega a algum lugar, a gente sempre procura se aprofundar, conhecer mais e fazer essa imersão no local. É importante saber a cultura, história, geografia, por que nasceu aquele estado; isso faz parte da cultura do circo também. Como é a primeira vez que estamos no Acre, a gente resolveu vir ao museu”, explica.
Roberta Maciel é mágica do circo e disse estar encantada com tanta informação. Acompanhada dos dois filhos, que também trabalham no circo, destacou a importância de mostrar-lhes objetos históricos que não fazem parte da realidade deles.
“Toda vez que vamos a uma cidade, a gente fica procurando saber sobre tudo. Estou relembrando muitas coisas, tipo a máquina de escrever, porque fiz datilografia e estou mostrando para os meus filhos como era, porque eles nunca viram e está sendo muito legal isso. Eles estão tendo esse acesso a coisas que eu vivi”, relata.
O seringueiro aposentado Antônio Paulino de Souza realiza a demonstração de como era defumada a borracha. Em uma casinha de palha do lado externo do museu, faz o trabalho, que também chama atenção dos visitantes.
“Trabalhei uns 15 anos como seringueiro e agora estou aposentado. No seringal, a gente começava a defumar e formava essa bola de borracha que vocês podem ver aí. Foi assim que meu pai criou os filhos: com a seringa”, narra.
Parceria
A diretora de Turismo e Empreendedorismo da Secretaria de Estado de Turismo e Empreendedorismo (Sete), Sirlânia Venturin, também esteve na instalação e disse que o governo do Acre planeja novos empreendimentos para fomentar o turismo na capital.
“Esses espaços para o turismo são de extrema importância, porque isso traz a nossa memória. O Acre é o único estado que tem uma história como essa e nós precisamos usar isso como um produto turístico, conhecer, saber falar, para explorar toda essa riqueza que temos e atrair o turista cada vez mais para cá”, frisa.
A gestora havia visto algumas reportagens que mostravam o local, mas reconheceu que ir até ali foi um diferencial e já pensa em parcerias. “O Arquilau esteve falando da vontade que tem de trabalhar com alunos, com a escola pública, e é possível sim a Secretaria de Turismo fazer uma parceria com a Secretaria de Educação e a gente promover a vinda de alguns alunos para conhecer este belíssimo trabalho e a história do Acre”, planeja.
Paola Ribeiro, curadora do Museu dos Povos Acreanos, também visitou o local e destacou que o desembargador aposentado é um grande parceiro do Estado, não só por fomentar o turismo, mas também pela troca de conhecimento estabelecida. “A Casa Museu é muito importante, porque é um complemento para os museus que já existem na Fundação Elias Mansour. Ele já doou pra gente uma sapucaia, castanhas, então a gente sempre se ajuda”, informa.
A curadora ressalta ainda que o jurista é um grande conhecedor da história do estado e enriquece essa cultura, não apenas com conhecimento, mas com ações como a que desenvolve com o museu.
“É muito legal a gente ter essa troca com alguém que conhece tanto sobre o Acre e é uma das pessoas que se encaixam muito na história do Museu dos Povos Acreanos; uma pessoa que pode estar na nossa Sala de Personalidades, já que logo vamos trocar as personalidades da sala. Ele pode ajudar a gente nessa pesquisa e estar presente nesse espaço que homenageia acreanos”, antecipa.
Os museus em Rio Branco, que aprofundam ainda mais essa história são: Memorial dos Autonomistas, Museu da Borracha, Museu dos Povos Acreanos e o Museu do Palácio Rio Branco. Além disso, há espaços históricos, como a Casa do líder seringueiro Chico Mendes, em Xapuri, e outros pontos cadastrados no Instituto Brasileiro de Museus (Ibram).