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GERAL

Sob os ideais da Revolução Francesa, há 125 anos o espanhol Luiz Galvez fundava a República Independente do Acre

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Tião Maia para o Acrenews

Para uns, as datas, com diferença de cem anos entre um episodio e outro, seriam mera coincidência, coisa do destino. Para outros, uma evocação aos princípios de igualdade, liberdade e fraternidade, herdados dos ideais da Revolução iniciada um século atrás com a queda da Bastilha, uma prisão onde eram socados os opositores do regime absolutista que estava sendo derrubado, no coração de Paris, na França.

Coincidência do calendário ou capricho do idealizador do que poderia vir a ser uma nova revolução humanista em meio à floresta no coração da Amazônia brasileira, o fato é que aquele 14 de julho de 1989, um domingo, como o deste 14 de julho de 2024, aquele gesto do espanhol Luiz Galvez de Arias estava colocaria o Acre – senão no mapa mundial, mas no imaginário – como um novo país construído com ideais de desenvolvimento sem derramamento de sangue, canhões ou guilhotinas.

Assim, no mesmo dia em que o mundo festeja os 225 anos, do dia em que o ciclo revolucionário que marcou o fim do absolutismo, impossível não lembrar também que, em plena selva amazônica, nascia um país com ideais dispostos a por fim ao caráter burguês, com participação popular e radicalismo humanitários iguais ao que foi concebido, cem anos antes, pelo povo francês. O movimento que se tornaria um marco na história da humanidade, inaugurando o processo que levou à universalização dos direitos sociais e das liberdades individuais a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, abriu caminho para a consolidação de um sistema republicano pautado pela representatividade popular, hoje chamado de democracia representativa. Assim também nascia o Acre como país, sob os ideais do Iluminismo.

Se na França do final do século XVIII era preciso derrubar a monarquia em que o rei era Luís XVI era o senhor absoluto, que dividia a sociedade francesa em categorias definidas, com a burguesia dona de todos os privilégios e proletários que nada tinham, no Acre de 1889 era preciso por fim aos privilégios dos coronéis de barranco e senhores da borracha e à miséria absoluta de seringueiros trazidos quase à força do Nordeste brasileiro fugindo da seca e da fome para uma região rica e abundante mas sem nenhum princípio de liberdades.

Neste clima, cujo enredo mais parece ter sido caprichosamente escrito para as telas do futuro no cinema, o espanhol Luiz Galvez se apossa do que serias parte do território boliviano mas com uma população majoritariamente brasileira. Aquele ato tinha o apoio secreto do governador do Amazonas, Ramalho Júnior, as não contava com o apoio do governo central do Brasil, interessado em manter ares de diplomacia com os países vizinhos. Inicialmente, Galvez imaginou, mostra a historia, fazer daquele território uma extensão do Brasil, com moeda e idioma do país, para evitar que aquela parte considerável da Amazônia caísse nas mãos do capital internacional representado pelo Bolivian Syndicate, uma aliança econômica entre Estados Unidos e Inglaterra que alugariam o território da sempre miserável economia da Bolívia e passariam a explorar a produção e o comércio da borracha que iria ser fundamental na Revolução Industrial que começava a ganhar corpo.

A proposta foi um desastre. O Brasil, ao que mostra a história, se não queria problemas com a Bolívia, imagine com as potências dos Estados Unidos e Inglaterra. Galvez, então, cm altivez, decreta:

– See a pátria nã nos quer, então criamos outra.
Estava assim, naquele domingo d 14 de julho de 1889, criada um país chamado Acre, com língua, povo e território – se bem que a língua, segundo decidira o próprio Galvez, seria o português. O presidente seria, laro o próprio Gavez, segundo os documentos que ele passara a despachar às nações ao redor do mundo civilizado da época anunciando que havia nascido ali, na floresta, um novo país. Países como Argenina, mostra documentos, chegaram a reconhecer o Acre como novo país.

Mas os conflitos não pararam e o Acre teve mais duas proclamações da república diferentes, cinco mandatos presidenciais, num regime que durou quatro anos.
Esta seria um resumo da história da República do Acre — ou Estado Independente do Acre —, cuja proclamação se deu em 14 de julho de 1899 em Puerto Alonso, rebatizada de Porto Acre. O protagonista do feito, Luis Gálvez Rodríguez de Arias, nascido em 1864 em Cadiz, na Espanha, e falecido em 1935, em local não suficientemente esclarecido, não era um aventureiro, como muitos insistem historicamente. Era graduado em ciências jurídicas e sociais pela Universidade de Sevilha e trabalhou como diplomata em Roma e em Buenos Aires.

Consta que ele desembarcou no Brasil por pura aventura em 1897, em busca de uma decantada em todo mundo cidade chamada Eldorado, na qual tudo seria feito de ouro maciço – a esma cidade em busca da qual, mens de uma década depois, morreria o militar inglês Percy Harrison Fawcett, tratado no futuro, inclusive no cinema como uma mistura de Sherlock Holmes e Indiana Jones, que desapareceu, provavelmente em Mato Grosso, em busca da “Cidade Perdida de Z”, um uma espécie de Eldorado brasileiro. na Amazônia. Luiz Galvez deu mais sorte que o coronel de sua majestade inglesa, embora não tenha se aventurado a entrar na selva. Acabou se estabelecendo em Belém, do Pará, e, depois, em Manaus, no Amazonas. Em ambas as cidades, atuou como jornalista, escrevendo para o Correio do Pará e para o Commercio do Amazonas.

A tese de doutorado defendida pelo historiador Eduardo de Araújo Carneiro, na Universidade de São Paulo (USP), em 2014, registra Galvez, antes de aventurar no Acre, tenha se tornado dono de “casa de jogos e prostituição” na capital amazonense. O Brasil vivia o chamado Ciclo da Borracha, um momento em que estava em seu auge a extração de látex na região amazônica para abastecer o mercado internacional. E este cenário fez com que muitos seringueiros ultrapassassem as fronteiras do país e fossem praticar esse extrativismo em terras bolivianas. Onde hoje é o Acre, mostra aa tese do historiador.

É em Belém, como assessor do consulado argentino, na condição de diplomata, que que Luiz Galez tem acesso a um documento em que o governo boliviano celebrava um acordo de exportação de borracha com um grupo norte-americano. Ora, isso poderia fazer com que o país vizinho resolvesse controlar melhor suas fronteiras. Ele levou o assunto ao então governador do Amazonas, Ramalho Júnior (1866-1952). Sabendo que se se concretizasse aquele acordo, o governo do Amazonas perderia rendimentos em relação à borracha retirada dos seringais do Acre e comercializada sobretudo na província em que ele governava, Ramalho Júnior decide apoiar que o aventureiro espanhol fosse reivindicar as terras do Acre. Extra-oficialmente, deu a ele recursos financeiros, armas e um pequeno exército de 20 soldados mercenários.
Entre 1890 e 1900, o dinheiro oriundo da borracha havia feito com que a receita pública do Estado aumentasse quase dez vezes. Ter o controle dessa região seria, portanto, mais do que conveniente, muito lucrativo.

Gálvez foi para Puerto Alonso e, em 14 de julho de 1899, proclamou um território independente. Seu argumento era que o local era basicamente povoado por seringueiros brasileiros e estes, não podendo ser brasileiros, não iriam aceitar se tornar bolivianos. O espanhol se tornou o “imperador do Acre”. Assumiu o comando do novo “país”, mandou criar bandeira, assumiu o controle de escolas, hospitais, fundou exército e corpo de bombeiros.

Ele montou um ministério e despachou como um líder convencional, chegando inclusive a emitir despachos e enviar esforços diplomáticos para outros países, na expectativa de ter seu Estado reconhecido. Ali viviam 13 mil pessoas.
A república funcionou ativamente, mas em determinadas situações entrou em conflito com seringalistas por conta do controle da terra e de interesses externos. A independência da região sob a bandeira republicana foi iniciativa consciente dos produtores e negociantes da borracha. O objetivo foi provocar a solidariedade do governo do Brasil em defesa dos trabalhadores e de suas possibilidade de sustento pessoal e familiar, considerando o contingente de nordestinos, fugidos das secas no fim do século 19, apontam historiadores.

 

Os historiadores também mostram que a jovem, pequena e próspera República do Acre esperava contar com a solidariedade do Rio de Janeiro para integrar a federação da [então] República dos Estados Unidos do Brasil.”, diz o historiador. Mas alg deu errado.

O Brasil ou outro governo internacional atestou a legitimidade da república de Gálvez. Tampouco o brasileiro que, baseando-se na vigência do Tratado de Ayacucho, assinado em 1867, reconhecia o Acre como território da Bolívia.
Seis meses apenas durou este primeiro governo acreano de Galvez.. O seringalista Antônio de Sousa Braga (1841-1900) deu um golpe de Estado e, por um mês, foi o segundo presidente da tentativa de nova nação. Quando reconheceu que não conseguiria gerir a confusão, chamou Gálvez de volta, em 30 de janeiro de 1900.

A esta altura, o governo federal brasileiro já havia enviado para a região uma expedição militar com o objetivo de destituir a República do Acre e devolver o território à Bolívia. A ideia da diplomacia nacional era não criar problemas com o vizinho.

No dia 11 de março, Gálvez se rendeu aos militares brasileiros. Foi enviado a Recife e, de lá, exilado para a Europa.
Estipulou-se então uma espécie de governo de transição, com o vice de Gálvez assumindo a presidência até que a região fosse devolvida à Bolívia. De 15 de março a 25 de abril de 1900, o comando do Acre ficou, então, a cargo do coronel e seringalista Joaquim Vitor da Silva.
Então o governo boliviano tomou novamente o controle da região, inclusive com bases militares. No fim daquele ano, ainda houve uma outra tentativa de proclamação de república, desta vez empreendida pela inusitada Expedição dos Poetas, um grupo de boêmios e profissionais liberais da capital amazonense que tinha a pretensão de recriar o Estado independente. No navio dos que pretendisam retmar o controle do Acre nem que fosse na bala, descobriu-se depois, havvalcóolicas do que armas ou munições. Não deu certo a investida.

A iniciativa contou mais uma vez com apoio do governo do Amazonas , que cultivava o desejo de anexar a área. A derrota dos poetas ocorreu logo após a proclamação do que eles chamaram de “segunda República”, em 29 de dezembro de 1900.
Mas os empresários da borracha brasileiros, os seringalistas, não queriam ser obrigados a arredar o pé dali. A região era economicamente promissora para a extração do látex e eles temiam que o governo boliviano os obrigasse a voltar ao Brasil.

O grupo então se aproveitou da leniência da Bolívia e da indecisão brasileira. Organizou-se um exército de seringueiros e, sob o comando do militar brasileiro Plácido de Castro (1873-1908), ocorreu a chamada Revolução Acreana, com batalhas de agosto de 1902 a janeiro de 1903 — quando Rio Branco foi tomada.

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