Em junho deste ano, o Império de Juramidam se encontrou com o império do Leão de Judá por intermédio do paulistano rastafári Ras Kadhu Qdus, que poucos anos depois da sua iniciação na religião judaico-cristã afrocêntrica surgida na Jamaica conheceu o Santo Daime por meio do africano Sam Black, também rastafári.
Ras Kadhu Qdus teve seu primeiro contato com a doutrina durante um feitio do chá em Betim, em Minas Gerais em 2002, cinco aos após sua iniciação na religião rastafári. Mesmo Minas Gerais sendo um lugar geograficamente longe da origem acreana da religião fundada pelo mestre Raimundo Irineu Serra, o feitio trazia a força dos caboclos do Norte por meio de outra figura importante da doutrina, o padrinho Chico Corrente, com quem Ras Kadhu logo se conectou. Após esse período, porém, o rastafári recebeu a instrução de conhecer uma igreja do Santo Daime em São Paulo, mas a experiência se mostrou diferente do que ele havia vivido no feitio.
“Até então, o contexto que eu conhecia do daime era mais caboclo, mas ao entrar em uma igreja eu estranhei a diferença. Todo mundo de branco, as fardas, eu nunca tinha visto. E tinha muito forte a questão do cabelo. Sempre me pediam para cortar os dreads. Mudei de igreja, mas só me fardei mesmo sem cortar o cabelo depois que o padrinho Alfredo [filho do padrinho Sebastião] deu o seu consentimento.
Porém, as coisas mudaram em relação ao uso da Santa Maria [outro nome dado à ganja em contexto religioso] por questões legais. Foi quando em 2008 decidi abrir uma igreja, o Céu de Santa Maria de Sião, e fazer os trabalhos do Santo Daime e de Nyahbinghi (música do povo Rastafari para louvar a Jah) com ayahuasca”, explica.
E foi na sua jornada espiritual que Ras Kadhu começou a receber o chamado de levar a doutrina do Santo Daime para a Jamaica, mais especificamente para a Rastafari Indigenous Village, uma comunidade jamaicana que congrega com diversas linhas rastafáris e é bastante aberta às medicinas tradicionais indígenas, como o peiote. Segundo Ras Kadhu, a ayahuasca já havia chegado lá por intermédio do xamanista Léo Artese, porém em um formato de ritual diferente do daime.
Eu senti de estabelecer uma aliança, a qual a chave está no mestre Irineu, que tem sua ancestralidade africana, e que, através do Daime, requalifica essas questões do cristianismo e valoriza a parte dos hebreus pretos, trazendo para o centro da discussão a comunidade e o plantio, questões fortes para a africanidade. Temos uma leitura africana desse cristianismo”, conta. “O padrinho Sebastião construiu a Nova Jerusalém, assim como Leonard Howell, o primeiro rasta. Ele tirou o povo de um lugar para viver em uma comunidade, repatriar, planta a própria comida, fazer a própria indústria e ir vender na cidade”, pontua Ras Kadhu.