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CULTURA & ENTRETENIMENTO

Neguinho Sanfoneiro, a história de um artista acreano lá das bandas do Abunã

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Oh, meu caboclo da sanfona e do clube Guarany, nascido nas terras seringueiras do Itamaraty, percorre as veredas que levam até seu canto na D10, na terra que herda o nome do bravo Plácido de Castro. Chega para abrir seu coração repleto de sensibilidade, a contar a história de dias de luta e conquista, pelo suor do rosto. Se algum forasteiro procura por esta personalidade, não lhe pergunte pelo nome Francisco Rodrigues da Silva, mas sim por Neguinho Sanfoneiro, como é conhecido. Suas atividades atuais se misturam com a tradição comercial, que pesa em seus dias de vida, trajetória que flui em suas veias, sempre ao lado de Raimunda Ribeiro de Melo, a querida Todynha, sua esposa.

“Quando meu pai partiu, eu ainda nem tinha um ano de idade. Ele se foi, afogado nas águas de um lago além do Itamaraty.”

Conta-nos que a luta enfrentada por sua mãe para garantir a sobrevivência, tanto para si quanto para os irmãos Antônio e Albertina, ultrapassava as dores físicas daqueles que labutam nas plantações e se enraizava nas dificuldades e desavenças com os padrastos, a quem, querendo ou não, devia respeito como enteado. Mas pais e filhos nem sempre seguem o mesmo caminho.

Após a separação de sua mãe, aos oito anos de idade, começou a cortar seringa. Mesmo após o novo casamento de sua genitora, ele continuou sustentando o lar com seu trabalho.

“Eu não frequentei escola, mas Deus me dotou de uma mente privilegiada.”

O padrasto se dedicava a viagens, principalmente até Porto Velho, e tinha predileção pelos jogos de azar. Perdia roupas e pertences nessas jogatinas. Respeitava a mãe, mas não aceitava vê-la em desigualdade de corpo e posse. Sempre era ele, o marido, quem ditava as regras. E o jovem Francisco se revoltava com essa situação.

Em uma dessas viagens, Francisco chamou seu irmão Antônio, reflexivo de tanto trabalho sem ter nada para si, e discutiram sobre o destino.

“Antônio, venha cá! Você é meu irmão e amigo. – Eu nunca bebi cachaça, mas meu irmão sim, e mesmo assim ele sempre me respeitou e me ouviu. – Rapaz, vamos embora? – Pra onde? – Vamos buscar uma colocação para nós. Nós que trabalhamos. Não vou mais trabalhar para o padrasto nem por um dia sequer, e não vou mais raspar seringueira. Eu tinha apenas treze anos.”

Ao retornarem para casa, encontraram sua mãe remendando suas velhas e surradas roupas.

“Vocês já voltaram da seringa?”, perguntou ela.

“Mãe”, disse Francisco, “não vamos mais trabalhar para o padrasto. Vamos buscar uma colocação de seringa. Trabalharemos até o resto de nossas vidas, se a senhora aceitar nos acompanhar.”

“E para onde vocês vão?”

“Iremos para uma colocação no Guarapari, da dona Rakel, uma boliviana. Esperamos que essa oportunidade esteja disponível. Se a senhora quiser, poderá nos acompanhar assim que retornarmos. Conversaremos sobre o assunto quando voltarmos para casa.”

Ao chegarem em casa, carregando remos e varejões, encontraram todas as coisas de sua mãe prontas para a partida. Um seringueiro não possui muitos bens, e isso inclui a mãe de Francisco, Antônio e Albertina, cujos poucos utensílios foram vendidos pelo padrasto, inclusive as malas.

“Eu sempre digo para os meus meninos: mãe é mãe. Quando eu chegava em casa, encontrava uns punhados de farinha, um mingau de banana, alguma coisa que ela deixava para nós, guardado. ‘Aqui, meus filhos, fiz e deixei para vocês’. ‘Comam, mãe!’ ‘Não, eu deixei para vocês’. Mãe é como uma formiguinha. Tudo o que ela pega é para levar para os filhos. Nós sabíamos que ela, às vezes, deixava de comer e passava por privações para nos alimentar e cuidar de nós.”

O padrasto, ao saber que sua mulher o deixaria para acompanhar os filhos, foi esperar a partida deles na casa de um vizinho. Ele desconfiava de Francisco, pois sempre que ele maltratava sua mãe, Francisco não gostava. Como um exímio caçador, ele era, na verdade, um bom atirador, abatendo as presas com destreza. Temia se tornar uma vítima do mal que ele mesmo propagava para as crianças e sua mãe.

“Minha mãe podia até me bater, mas eu não permitia que ninguém a maltratasse.”

Francisco sempre fala com seus filhos hoje em dia sobre o valor de uma mãe. Na colocação de seringa, eles trabalharam, tiveram lucro, e Antônio se preparou para ir a Porto Velho com a mãe, enquanto Francisco, Albertina e a avó ficaram para trás. Não havia aposentadoria naquela época, e a avó, que era deficiente visual, morava com a família.

“Naquela época, apenas os mais velhos tocavam instrumentos musicais.”

No seringal Guarapari havia um sanfoneiro, o Sr. Antonio Oliveira. Ele era o único sanfoneiro das redondezas. Depois de tocar uma noite inteira e parte do dia, ele se deitou em uma rede, tomado pelo cansaço. O filho do Sabiá tocava cavaquinho e cantava, enquanto outro batia em uma lata de milho, vendo o povo balançar.

“Eu comecei a cutucar o instrumento discretamente, com medo do dono, mas dessas pequenas mexidas saíam solos de música. Nisso, ele levantou a cabeça, olhou para mim. Eu parei imediatamente… ‘Rapaz, você vai aprender. Continue praticando aí, não tem problema.’ Aí eu comecei a treinar, e pela manhã eu já tocava ‘Asa Branca.

Francisco demonstrava, com persistência e fascínio pelo instrumento ao qual se entregava, que a música corria em suas veias. Foi convidado pelo sanfoneiro, que gostava de namorar, a assumir o comando da sanfona e das músicas que o encantavam. Mas Francisco ansiava por ter sua própria sanfona, e se quisesse sair daquela vida, seria fazendo o que amava.

A primeira sanfona veio após muitos dias de trabalho na seringa e negociações com credores. Pegou uma estopinha nova, feita de saco de açúcar, jogou-a nas costas e partiu em uma jornada de seis horas. Ao chegar ao destino, encontrou o dono da sanfona e seu filho. O pai tocava a sanfona e o filho, o pandeiro.

“A casa estava vazia. Mostrei o bilhete que o patrão havia escrito. Ele leu e disse: ‘Rapaz, eu vou vender a sanfona para você, porque eu prometi que a venderia.’ Mas ele alertou que não tinha rádio nem nada na casa. Após defumarmos o local, após o jantar, nós nos sentávamos ali e começávamos a tocar. Mas eu a comprei, pois ele havia prometido.”

A felicidade se misturou ao sonho de Francisco quando recebeu a sanfona e o pandeiro. E em apenas duas semanas, quando chegou o dia 7 de setembro, ele tocou durante duas noites de festa na casa do patrão, ganhando dinheiro.

“Comecei a tocar quando tinha apenas treze anos. Aos quatorze, já participava de festas como músico. Ninguém conseguia ficar parado. Graças a Deus, meu trabalho era apreciado. E eu nunca bebi. Quando começava, terminava.”

Aos quinze anos, recebeu um convite para tocar na vila Plácido de Castro. Nessa festa, pediram que Francisco mostrasse seu talento, tanto como cantor quanto como sanfoneiro.

“Naquela época, não existia essa coisa de microfone. Nós temos um computador na cabeça, mas nem todos sabem usá-lo. Eu ouvia as músicas no rádio e aprendia. Eu dedilhava e começava a cantar, e o salão ficava lotado. As pessoas diziam: ‘Esse garoto toca demais!’ Quando chegou o carnaval, eu já tinha contratos para cantar e tocar. E dali em diante, não consegui mais parar.”

Aos dezoito anos, Neguinho Sanfoneiro mudou-se para Plácido de Castro, após se casar. Ele passou a tocar em casas e clubes que promoviam festas na região. Nessa época, tinha um saldo de trinta e cinco mil cruzeiros. No entanto, para ter acesso a esse dinheiro, era necessário esperar a volta de Luiz Gonçalves Pinto, que estava em uma viagem. Durante esse tempo, ele foi morar com Manelão, um amigo que o convidou. Todas as semanas, ele acordava de madrugada, comprava mantimentos, fazia as compras da semana e pegava a bicicleta para ir ao núcleo, onde os preços eram mais em conta. Após três meses, recebeu o pedido para desocupar a residência.

“Rapaz, arrume um lugar para você, porque aqui não dá mais.”

Como ele estava com dinheiro no bolso e lembrava que em Plácido de Castro só havia mato, dirigiu-se ao campo de futebol. Lá, encontrou um caminho que levava até uma capoeira e um goiabal. Nas proximidades, morava Pé de Ouriço, pai de Zeca Boi, e Bruzugu tinha uma casa por perto.

“Eu o chamei e perguntei se ele alugava a casa. ‘Vamos lá para você dar uma olhada.’ A casa não tinha porta nem nada.”

“Essa casinha é minha.”

“Você não aluga?”

“Não.”

“Quanto você quer pela casa?”

“Rapaz, para você, eu vendo por três mil.”

“Então a casa é minha.”

O pagamento foi feito imediatamente. Eles foram até a subprefeitura, onde Domingos Galdino era o subprefeito e Wilson Pena o auxiliava.

“Agora, as coisas mudaram, pois a casa era minha. Eu tocava todas as semanas e trabalhava ali, onde hoje é o quartel do exército. Era a fazenda do Milton. Eu conseguia trabalho ali e passava a semana toda cortando mato com minha foice.”

Nos fins de semana, ele recebia o pagamento por seu trabalho, o que garantia sua sobrevivência. Aprendeu a serrar madeira com Davi, e em duas semanas já dominava a técnica, explorando toda a variedade de madeiras permitidas.

“Nessa época, ocorreu a separação, e tive um filho com minha ex-esposa, um homem respeitado como todos os outros filhos que seguiram caminhos diferentes e hoje estão realizados. Trabalhei uma temporada com Bianor e, em seguida, com o Sr. Alcides Pessoa de Carvalho, também conhecido como Carioca, que eu conhecia desde criança. Depois de um período trabalhando com um regatão no rio Abunã, fui convidado a trabalhar para ele. Eu disse que não queria um salário, mas, como já estava namorando minha atual esposa, Todynha, pedi sua ajuda para o casamento.”

“Vou construir um clube para mim. Vou fazer a serragem.”

Ganhou um terreno do compadre Euzébio, pai de Veríssimo, e começou a construir o clube Guarany. Mesmo inacabado, ele disse à esposa que poderiam começar a festa. O único problema era a falta de bebidas.

“Naquela época, começávamos com o que tínhamos. Hoje em dia, é mais difícil, pois você precisa ter todas as documentações em dia. Naquele tempo, tínhamos o grande empresário e seringalista José Cícero, dono da Casa Vencedora.”

Francisco procurou ajuda nos empresários locais, pedindo-lhes inicialmente três garrafas de cachaça e dois litros de conhaque, para vender em consignação.

Os comerciantes locais aceitaram o pedido de Francisco. Júlio Raposo, um dos empresários da região, dono de uma farmácia, concordou em fornecer-lhe três garrafas de cachaça e dois litros de conhaque por consignação. Se ele conseguisse vender, traria o dinheiro de volta, caso contrário, devolveria as bebidas. Mas Francisco ficou surpreso com a generosidade do comerciante.

“Seu Júlio Raposo disse que eu poderia pegar uma caixa de cada. ‘Não, seu Júlio, não preciso de tanta quantidade.'”

Então, o empresário pegou um saco de estopa e o estendeu para Francisco.

“Aqui está o saco. Pegue o que você quiser.”

Eu aumentei mais duas garrafas de cachaça, dois litros de Martini e dois de conhaque.

“Isso aí não vai dar, não.”

“Vai dar sim, seu Júlio. Vou começar.”

“Então vá para a festa.”

“O senhor está convidado. Pode ir.”

Francisco recorda que seu Júlio Raposo dançava muito bem. Sua esposa Todynha ficou responsável pela portaria, Tinoco veio ajudar e Francisco assumiu sua posição na sanfona. Chicute, um habilidoso pandeirista e sanfoneiro, também se juntou a eles. O Viriato foi chamado para tocar o banjo.

“Meu irmão, o salão ficou cheio e transbordando. Quando chegou meia-noite, não havia mais bebida alguma. Foi então que seu Júlio veio até mim e disse: ‘Eu disse que não daria certo? Agora você terá que pegar as caixas.’ Agora vai dar certo.”

A ascensão profissional de Neguinho Sanfoneiro se consolidou por meio do esforço de Francisco e de sua família, que não temeram os terrenos baldios que conquistaram e compraram, mesmo com a pele ressequida pelo contato com as aningas. E hoje, com mais de trinta anos desde a celebração do lendário Guarany, Neguinho Sanfoneiro atravessa o destino e a sorte, dirigindo sua caminhonete D10, fabricada em 1984, na trilha septuagenária da vida consolidada, sob aplausos de seus filhos e de toda a população que se embalou ao som da melhor música de seu tempo, em Plácido de Castro.

“Eu me orgulho em dizer que devo a esta sanfona, em grande parte, a criação e a educação dos meus filhos.”

Neguinho Sanfoneiro, um verdadeiro herói da música, segue compartilhando sua paixão e talento com aqueles que têm a felicidade de ouvi-lo. Sua jornada inspiradora e seu domínio da sanfona o tornaram uma figura lendária, um exemplo de perseverança e dedicação às suas raízes acreanas. Que sua música continue encantando e transmitindo a essência do povo do Acre por muitas gerações.

OBSERVAÇÃO:

Os dois desenhos em preto e branco foram produzidos pelo Bing; as fotos, cedidas pelo vereador Mazinho, filho do Sr. Francisco, o Neguinho Sanfoneiro.

Se você possui uma história única e inspiradora para compartilhar com o mundo, procure-nos. Será um prazer imenso ouvir suas palavras, capturar a essência de sua jornada ou de seus entes queridos e ajudá-lo a transformar sua narrativa em algo magnífico. Não hesite em buscar esse encontro, pois sua história merece ser contada e apreciada por todos. Juntos, vamos tecer as palavras e criar um retrato inesquecível do seu caminho extraordinário.

Por: Paulo Roberto, Informativo Plácido

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