PITTER LUCENA
Na coluna deste sábado, 16, o escritor e jornalista Pitter Lucena relembra da vida noturna de Rio Branco nos anos 1980
A VIDA NOTURNA NOS ANOS 80
Pitter Lucena
Nos anos 80, o tempo parecia mais leve, como se a música pudesse suspender os dias e prolongar as noites até o amanhecer. A Rio Branco de então pulsava em uma sintonia própria, uma melodia compartilhada por uma rapaziada que, hoje, já passa dos 50, mas ainda guarda em seus corações o calor das noites intermináveis. Era uma época em que a diversão estava garantida em cada esquina da cidade, seja em bares, boates, casas noturnas ou até botecos humildes que, mesmo com suas paredes amareladas, ressoavam as risadas mais sinceras.
O Paraíso dos Drinks era o ponto de encontro da juventude que buscava o sabor das bebidas exóticas, misturadas com os sonhos de uma vida que parecia começar a cada gole. O Recanto do Boêmio, com seu charme, era o refúgio dos românticos a apaixonados, que adoravam se perder na boa conversa, sempre embalada pela música de Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, enquanto a Cabana do Tio Bahia oferecia uma fuga simples, onde o suor na testa não era só do calor, mas da empolgação de estar com os amigos, ao som de uma velha guitarra, às vezes tocando Raul Seixas ou até a suavidade de Marina Lima.
Era nos centros de balada mais frenéticos como o Luar de Prata ou o Le Village que a verdadeira magia acontecia. Cada pista de dança era um campo de batalha, mas sem hostilidade, apenas uma guerra de olhares, onde um simples movimento de corpo valia mais do que qualquer palavra dita. A música das boates dominava, seja com o Michael Jackson provocando uma imitação de moonwalk ou com a sensualidade de Madonna tomando o controle do ambiente. Rock in Rio nunca foi só o nome do festival: era o espírito das noites de Rio Branco, um lugar onde a diversão era um grito de liberdade.
Quando a noite desabava sobre a cidade, as opções eram muitas. O Bar do Pelé era o refúgio dos mais tranquilos, mas com suas paredes encardidas e a cerveja sempre gelada, era lá onde os papos longos aconteciam, enquanto na Via Expressa, a música mais pulsante batia forte nas paredes daquelas primeiras boates que a cidade experimentava. O som das noites se alternava entre o rock e as baladas mais lentas, com Whitesnake, A-ha ou Tina Turner tocando como se o tempo tivesse parado, para sempre.
A Boate Voyage era um ícone de sofisticação, com sua pista iluminada por neon, onde o cenário parecia saído de um filme de ficção científica. Mas não era só nas baladas que a juventude se entregava ao prazer da música. No Piratas, as risadas ecoavam até o amanhecer, ao som de forró e músicas sertanejas, tudo misturado, como a bebida da casa, sem compromisso, sem reservas.
Mas se a noite nas boates e bares era vibrante, o que fazia aquela época ainda mais única era a sensação de que era a última noite do resto de nossas vidas, sempre. No Bangalô, quando o Sabor da Terra tocava aquele sertanejo romântico, a pista se transformava em um mar de pares se formando, se dissolvendo, mas sempre voltando, como uma maré. Cada passo, cada dança, cada risada compartilhada parecia um segredo, um pacto feito para durar eternamente. O Opção Bar também guardava algo de mágico: a ideia de que ali, entre amigos, todos estavam unidos por uma causa invisível — a alegria de estar juntos, de ser jovem, de viver sem medo do amanhã.
Era nos locais como o Barracão do 15 ou o O Porão que a noite ganhava um tom de rebeldia. O rock estava no ar, e se Barão Vermelho era ouvido de um lado da cidade, no outro, os riffs de Legião Urbana ecoavam como se falassem diretamente ao coração de quem, mesmo tão novo, já sentia que algo de grandioso acontecia ali, naquele momento.
E mesmo quando a cidade se rendia ao silêncio da madrugada, a diversão não acabava. Havia sempre os Nosso Club, o Lua Azul, a Saudosa Maloca, onde os casais se formavam ao som de baladas românticas, ou quem sabe ainda se encontravam em espaços mais improváveis, como o Boliche do Mira Shopping ou o Mamão Café, sempre rodeados por risos e histórias que se perderiam no tempo.
14 Bis, X43, Sahara, Flutuante, Zebu… Cada nome de lugar ressoava como uma música própria, uma trilha sonora para a juventude de Rio Branco que não sabia que estava vivendo os melhores anos da sua vida. Afeletro, Chalé Bar, Café Concerto, Kaxinuá, eram apenas outros refúgios para não queria perder o ritmo da cidade que nunca parava de dançar.
Ao cair da manhã, a ostentação não era algo material. A ostentação era, sim, saber que você amanheceu rodeado de amigos, com o corpo cansado, mas com a alma cheia de histórias. Cada noite não era apenas uma festa, era uma memória que se construía, e as discussões, quando aconteciam, se resolviam no entendimento de que o amanhã nos aguardava com mais diversão, mais música e mais possibilidades.
A gente não sabia que, no futuro, nos lembraríamos com tanta saudade daqueles dias. Hoje, olhando para trás, podemos ver que éramos felizes, sim. E sabíamos disso, como agora, onde quando cada riso, cada baile e cada música dos anos 80 ecoam como um eco distante, mas que ainda ressoa no fundo de nossas almas. A cidade de Rio Branco, nos anos 80, era o lugar onde as noites não tinham fim, e nós, inocentes, sabíamos muito bem como a vida deveria ser vivida: com intensidade, com amor, e, claro, com muita música boa.
Pitter Lucena é jornalista e escritor