ECONOMIA
Marcelo Moura: “Não preciso ocupar cargos públicos ou ter mandatos eletivos para ajudar a sociedade”
Por Jorge Natal
Quando Roberto Alves Moura, o maior e mais influente empresário do Acre, deixou o município de Tarauacá, embarcou numa aventura de sonhos de uma vida melhor, rejeitando aquilo que o destino lhe impusera. Era início dos anos 80, momento em que a extração da borracha perdera o seu valor, culminando na desativação dos seringais e da nossa principal fonte econômica.
A Tarauacá daqueles tempos nem tão longínquos, com suas ruas empoeiradas e de terra batida, com casinhas de tábuas e outras peças de madeiras serradas quase de forma artesanal, muitas ainda cobertas de palha, era uma cidade em formação. Banhada por dois rios, o Tarauacá e o Muru, que, na frente da cidade, se encontram, se fundem e a partir dali se tornam um único manancial, e vão despejar-se, como afluentes, no grandioso rio Amazonas. A localidade, daqueles tempos, era uma das clareiras amazônicas transformadas em cidades, parecia um quadro pintado executado por um pintor caprichoso. Ou saída do romance “Cem Anos de Solidão”.
Aquela bela imagem de quadro amazônico, no entanto, se não escondia, servia para disfarçar a hecatombe social que a falência dos seringais iria atingir a incipiente economia local. As ruazinhas acanhadas começaram, de repente, a ser atulhadas de gente. Eram os seringueiros e suas famílias tangidos da floresta pelo debacle dos seringais e também pelo que hoje se convencionou chamar de agronegócio, a agropecuária, que iria substituir o homem pelo boi e a selva pelo capim.
Foi naquele momento que a matriarca Raimumda Alves de Sousa percebeu que Tarauacá havia se transformado e se tornado inóspita para ela e sua família, que sonhavam com dias melhores. Um dia aquela senhora mandou um dos seus arrumar as malas e partir para Rio Branco, onde iriam, no início dos anos 80, iniciar a fundação da maior empresa privada do Acre, com negócios e filiais em Rondônia e Mato Grosso, a qual, nos dias atuais, gera milhares empregos e é uma das maiores pagadoras de ICMS (Imposto Sobre Mercadorias e Serviços) do Estado.
O holding Recol, levado a cabo pela visão empreendedora de Roberto Moura, que faleceu há cerca de dez anos, hoje é administrado por seu filho, Marcelo Henrique Esteves Moura, de 42 anos. À frente da Associação Comercial, Industrial de Serviços e Agrícola do Acre (Acisa), o empreendedor recebeu a nova reportagem para falar de sua gestão, da crise econômica que assola o país, dos destinos do Acre e um pouco de política. Veja os principais trechos da entrevista:
Acre News – Como é ser empreendedor no Acre?
Marcelo Moura – É difícil. A logística é complicada. Para comprar produtos dos grandes centros é preciso ter contatos fortes. O transporte é caro e muitas vezes a mercadoria chega avariada. Quem trabalha com frutas e hortifrúti, às vezes, tem prejuízo. Os prazos de pagamento com os fornecedores não são os melhores, falta mão de obra qualificada e os consumidores não têm um poder aquisitivo grande. No Acre, o empresário precisa ser muito focado e cuidadoso.
Acre News – Como o Acre pode se desenvolver?
Marcelo Moura – A conta da Amazônia é muito cara para a sua população. Em nome da preservação ambiental, a pobreza predomina em nossa região. Quero salientar que sou cumpridor das leis. Por não poder usufruir o uso da terra, que pertence ao proprietário, ele não tem como fazer investimentos. E para utilizar essa pequena parte (20%), ele ainda tem que se submeter a um monte de regramentos e leis de todas as esferas do poder estatal.
Acre News – Então é através da agropecuária que o Acre pode se desenvolver economicamente?
Marcelo Moura – A agropecuária é o setor que mais gera e distribui riquezas. A pecuária em si tem que ser respeitada e homenageada. É o setor que mais gera divisas para o nosso estado. Temos outro filão, que é o turismo, destacadamente na Serra do Divisor. Se bem aproveitado, como fez o estado de Mato Grosso, com Bonito e a Chapada dos Guimarães, pode gerar oportunidades de emprego e renda.
Acre News – A reforma tributária e o novo marco fiscal são os desafios do atual governo. Comente sobre isso.
Marcelo Moura – O Brasil discute a reforma tributária há décadas. Eu acredito que ela não será boa para o Norte, pois o lobby das regiões desenvolvidas é muito forte. O Acre é um dos filhos da União que menos se desenvolveu, fazendo com que precisemos de uma política desigual, ou seja, de mais investimentos e políticas fiscais vantajosas. Dessa forma, no futuro, não precisaríamos desses aportes. Apenas o estado do Amazonas cresceu com a instalação da Zona Franca. Mesmo sendo o estado mais ocidental e de posição estratégica, essas políticas públicas não vingaram por aqui.
Acre News – Qual é a sua avaliação da infraestrutura do Acre?
Marcelo Moura – O Peru já resolveu isso. A interoceânica, que está levando produtos da região do Alto Acre, liga Assis Brasil a Lima. O Acre está mandando embutidos de frango e suíno por aquela rodovia. Estamos criando empresas de importação e exportação, tradings, para aproveitar o frete das carretas que essas empresas acreanas mandarem. Isso já é uma realidade. O Acre não vai se desenvolver com o seu próprio consumo. É preciso criar alternativas e inovar na produção, agregação de valor e intensificar intercâmbios econômicos. A gente produz proteínas (vegetal e animal) e os países vizinhos compram os nossos produtos.
Acre News – Existe a possibilidade de o senhor ser candidato a governador?
Marcelo Moura – A minha posição, como representante dos empresários, é suficiente na missão de contribuir com o desenvolvimento do meu estado. Eu já me sinto contemplado. Mesmo depois de terminar o meu mandato na Acisa, não me desligarei dela. Quero também contribuir para que esta geração valorize o empresário. Eu não preciso ocupar cargos públicos ou ter mandatos eletivos para ajudar a sociedade. Temos um projeto de lei na Assembleia Legislativa, de autoria do deputado Eduardo Ribeiro, que propõe a disciplina educação financeira no ensino fundamental. Não temos uma cultura empreendedora ou cooperativista. Mas iremos chegar lá, ou seja, vamos quebrar esses paradigmas.
Acre News – Comente sobre a crise econômica.
Marcelo Moura – O mundo vive ciclos econômicos. A cada cinco ou seis anos, temos uma evolução da economia e depois a sua queda. A partir de 2014, passamos a ter policrise, que é uma crise atrás da outra. O único ano tranquilo foi 2019. Em 2020 começou a pandemia. Depois de dez anos, o nosso grupo saiu do setor de alimentos porque não conseguimos mais viabilizar o negócio. Ainda teremos que esperar um pouco para fazermos outros investimentos.
Acre News – O senhor e outros empresários acreanos fizeram uma viagem à Lima, capital do Peru. Qual o propósito daquela visita?
Marcelo Moura – Foi uma missão empresarial. A Acisa levou vinte e seis empresários e visitamos a Câmara do Comércio. Conhecemos algumas empresas e estamos em tratativas. Volto a dizer: nós temos uma logística funcionando e, com absoluta certeza, traremos produtos de lá para o Brasil, via Acre, obviamente. Temos empresários que irão investir na importação e exportação. Eu defendo todas as estradas e modais de transporte. Quanto mais pontes, mais conexões possíveis, mais riqueza e prosperidade. A estrada que liga Cruzeiro do Sul a Pucalpa tem uma distância pequena (160 quilômetros) e é em uma região de planície. Será mais uma oportunidade de gerar oportunidades e negócios, destacadamente o turismo
.
Acre News – O senhor fala muito a palavra prosperidade. E o que é desenvolvimento?
Marcelo Moura – É adquirirmos um patamar de qualidade de vida. A nossa população não tem acesso ao básico. Temos mais pessoas inscritas no programa Bolsa Família do que com carteiras assinadas. É comer bem, morar bem e conseguir educar os nossos filhos. Se conseguirmos isso, podemos afirmar que estamos no caminho do desenvolvimento.
Acre News – As comunicações passaram por uma revolução nas últimas décadas. Como a TV aberta está se adaptando a esse “admirável mundo novo”?
Marcelo Moura – O fim do poderio da imprensa tradicional, que veio com a internet e as redes sociais, é uma quebra de paradigma. Antigamente com quatro retransmissoras e quatro jornais impressos, tinha-se o monopólio da comunicação no Acre. Hoje a informação é rápida e vem em outros formatos. Para a gente é um desafio muito grande. A nossa empresa teve que se adaptar, o que também ocorre em todas as TVs Brasil afora. A população reconhece que a nossa informação tem mais qualidade, ou seja, a TV brasileira ainda é a maior detentora de confiança. A pessoa assiste o noticiário antes, mas ela espera a TV noticiar para ela, digamos assim, poder confirmar a informação. A gente também pode desenvolver melhor a notícia, uma vez que dispomos de mais tempo. A TV aberta vai se adaptar a esse novo momento.