RAIMUNDO FERREIRA
As consequências das escolhas e decisões na vida é o assunto dissecado pelo professor Raimundo Ferreira em seu artigo desta sábado, 21
ESCOLHAS E DECISÕES
Segundo teorias do conhecimento filosófico, levamos a vida que temos — bem-sucedida, remediada (como se diz popularmente) ou enfrentando dificuldades — impulsionados pelas escolhas e decisões que tomamos. Ou seja, as diretrizes e os caminhos percorridos são frutos e construções das nossas próprias escolhas.
Assim, é de fundamental importância compreendermos melhor os meandros da arte de escolher corretamente antes de tomar qualquer decisão. Platão afirmava que a tomada de decisão acertada estaria sempre ligada à prudência. Não há por que duvidar dessa afirmação, pois, como as decisões definem os rumos de nossa vida, não podemos — e nem devemos — escolher ou decidir de qualquer maneira. Se assim procedermos, corremos o risco de criar embaraços para nós mesmos.
No momento de eleger as melhores alternativas, a virtude do discernimento precisa ser aplicada com sabedoria. Em hipótese alguma devemos nos deixar influenciar por maus hábitos, especialmente por um dos mais recorrentes atualmente: a superficialidade. Precisamos, portanto, observar as coisas e circunstâncias de maneira detalhada e profunda, analisando cada situação com o objetivo de enxergar sua essência — ou cerne —, que é, inclusive, o significado original da palavra “discernimento”. Só assim poderemos realizar escolhas e tomar decisões corretas e acertadas.
Segundo a filosofia, a parte mais difícil do processo é identificar quem somos de fato. Em muitos casos, nem sabemos o que queremos, tampouco para onde desejamos ir. Desconhecemos nossa verdadeira essência. E, nesse estado, torna-se impossível fazer boas escolhas ou tomar decisões certeiras.
Outro aspecto que deve ser considerado no ato de decidir é a questão da omissão. É muito comum que as pessoas não escolham o que realmente desejam, nem tomem decisões conscientes sobre o que querem — simplesmente se omitem, acreditando que, com o tempo, tudo se resolverá. No entanto, o tempo, por si só, não resolve problemas e tampouco decide por alguém. Ao contrário: os problemas mal resolvidos apenas são arrastados ao longo da vida e, mais adiante, podem retornar ainda mais complicados.
Existe também outro fenômeno muito presente atualmente: a terceirização das escolhas e decisões. Muita gente tem seguido modismos e tomado decisões com base em grupos ou influências externas — o chamado “pensamento de rebanho”. Por comodismo, muitas pessoas parecem ter esquecido que possuem personalidade e ideias próprias, e passam a simplesmente seguir o grupo, permitindo que outros escolham e decidam por elas, sem sequer saber que interesses podem estar por trás dessas decisões.
Há uma antiga lenda alemã sobre um personagem chamado Flautista de Hamelin. Segundo a história, uma cidade foi infestada por ratos e ninguém conseguia resolver o problema. Alguém sugeriu contratar Hamelin, que apareceu com sua flauta mágica e, ao tocá-la, atraiu todos os ratos, conduzindo-os até um abismo, onde caíram e morreram. Quando voltou para receber o pagamento, o contratante recusou-se a pagar, julgando a tarefa fácil demais. Hamelin prometeu vingança.
Algum tempo depois, durante um evento em que os pais estavam fora e as crianças ficaram sozinhas, ele retornou, tocou novamente sua flauta e atraiu todas as crianças da cidade, levando-as para a floresta e desaparecendo com elas para sempre.
Essa lenda nos ensina a ter cuidado com aqueles que influenciam nossas decisões. Existem muitos “flautistas” por aí — encantadores, interessantes, mas também interesseiros — que tocam suas melodias para seduzir mentes desatentas. É fundamental que sejamos conscientes das nossas escolhas, para que não sejamos conduzidos por outros a caminhos dos quais talvez nunca mais consigamos retornar.