Política & Economia
Nosso artículista Valterlucio Bessa Campelo se posiciona no centro do tema mais atual do Brasil: “Vai um reborn aí?”
Vem causando debates e até alcançando parlamentos estaduais e federais, a onda de bebês “reborns”, que em bom português quer dizer renascido. Trata-se de bonecos, normalmente de pouca idade de aparência realista. Possuem peso e tamanho compatíveis com os humanos e podem apresentar detalhes que personalizem, conforme o gosto do freguês. Com detalhes minuciosos, como textura de pele, veias, e até cheiro característico de recém-nascidos, os reborns conquistam não apenas admiradores, mas também um público que encontra neles uma forma de terapia e conforto emocional.
Embora esteja na vitrine midiática neste momento por aqui, essa coisa começou a ganhar força nos anos 1990, especialmente nos Estados Unidos, e desde então se espalhou globalmente. Gente especializada dedica horas ou até semanas para criar cada peça única, utilizando materiais como vinil ou silicone, além de pinturas em várias camadas para alcançar o efeito realista. Muitos deles adicionam cabelos implantados fio a fio, olhos de vidro e até mecanismos que simulam batimentos cardíacos ou respiração, aumentando ainda mais a semelhança com um bebê de verdade. O troço é sinistro.
É bastante razoável desconfiar que o indivíduo chegado ao reborn tem algum “pobrema”. Não é natural que uma pessoa 100% saudável dê a uma massa de materiais artificiais, inanimada, o valor moral de uma vida humana. De todo modo, sinaliza que a sociedade está gerando distúrbios e transtornos que merecem cuidado, ainda mais quando seus portadores ao invés de os terem como bonecos que realmente são, passem a demandar, como se vem atribuindo em alguns casos, uma indistinção em relação a direitos civis. Há louco pra tudo, já diziam os antigos.
Diante da “novidade”, é de se perguntar por que raios um adulto se deixa levar ao fascínio por um desses bonecos e passa a tratá-lo como humano. Mesmo sem ser do ramo, indicamos algumas possibilidades. Pensemos, por exemplo, em uma situação de luto, em que após a perda de um bebê (natimorto, aborto espontâneo ou falecimento precoce), a mulher encontre nos bebês reborns uma forma de lidar com a dor e o vazio. A necessidade de cuidar e nutrir pode ser uma tentativa de preencher a lacuna deixada pela perda. O termo reborn efetivamente remete para essa circunstância.
Outra situação pode vir de indivíduos com histórico de dificuldades de apego, que podem buscar nos bebês reborns uma figura de “apego seguro” que não os rejeitará ou abandonará. O controle sobre o bebê reborn pode trazer uma sensação de segurança e previsibilidade. Este caso se assemelha aos donos de cães que os humanizam de forma exagerada.
A solidão e isolamento social podem provocar no indivíduo uma tendência de se relacionar com esses bonecos como substitutos de pessoas. O hiper-realismo, pode significar a sensação de companhia, de ter alguém para cuidar etc.
Tem ainda a possibilidade de que pessoas cujas necessidades maternal/paternal não foram realizadas. Pessoas podem ter um forte desejo de ter filhos, mas por diversas razões (infertilidade, circunstâncias pessoais etc.) não conseguem realizar esse desejo. Então, os bebês reborns podem oferecer uma forma de expressar esse instinto maternal ou paternal.
Há, no limite, alguns casos em que o sujeito tem sintomas dissociativos, ou seja, ele de fato acredita que aquele boneco é humano e transfere para ele sentimentos e cuidados e atenção correspondentes.
Certamente, há ainda muitos outros tipos de comportamentos sociais que expliquem a adoção de reborns, porém, desde logo é possível afirmar que aqueles em que o boneco seja humanizado, seguramente corresponde a alguém que deveria estar na sala de espera de um profissional da área psíquica.
O problema é que não faltarão “influencers” ou noticiário para, de algum modo, estimularem no imaginário das pessoas a curiosidade ou o desejo de experimentar essa fantasia, nem que seja para aparecerem em redes sociais etc., gerando com isso a ampliação e o surgimento de novos transtornos. Está na hora dos especialistas se manifestarem.
Valterlucio Bessa Campelo escreve às segundas-feiras no site AC24HORAS, terças, quintas e sábados no DIÁRIO DO ACRE, quartas, sextas e domingos no ACRENEWS e, eventualmente, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor PERCIVAL PUGGINA, no VOZ DA AMAZÔNIA e em outros sites.