GERAL
Ministério Público Federal recomenda instalação de Comitê Memória e Verdade do Acre em 90 dias
Após criada, a Comissão deverá promover audiência pública para resgatar a memória dos fatos ocorridos no período da ditadura militar
O Ministério Público Federal (MPF) enviou recomendação ao governo do Acre para que, em 90 dias, sejam tomadas as medidas necessárias para a instalação e efetivo funcionamento da Comissão Estadual de Memória e Verdade.
A medida foi tomada pelo procurador da República Lucas Costa Almeida Dias, após levantamento de dados sobre medidas oficialmente iniciadas pelo estado em prol da promoção da memória e da verdade diante das violações cometidas pelo regime civil-militar no estado.
O MPF lembra que o Acre foi palco de perseguições políticas, violências, ameaças e mortes cometidas pelo regime, inclusive a renúncia forçada do seu primeiro governador eleito democraticamente, José Augusto Araújo. “As perseguições a José Augusto e seus correligionários, por meio de denúncias, prisões arbitrárias e humilhações, ocorreram no mesmo contexto repressivo enfrentado em outros estados contra reformas sociais”, diz o documento.
Segundo Lucas Dias, o estado do Acre, a exemplo de outros estados do Norte, sofre até hoje com os prejuízos ambientais e socioeconômicos do modelo desenvolvimentista imposto pelos governos militares à região, marcado pela expansão desenfreada da agropecuária e pela expropriação de populações tradicionais. Ele lembra ainda que articulações de trabalhadores rurais e extrativistas do estado foram reprimidas pelo aparelho governamental militar em aliança com os latifundiários locais, o que culminou no assassinato do ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia Wilson Souza Pinheiro.
O assassinato de Wilson Pinheiro foi reconhecido pela Comissão Nacional da Verdade como decorrência de ação de agentes do Estado brasileiro, em um contexto de sistemáticas violações de direitos humanos que eram promovidas pela ditadura militar.
“Essas vítimas têm nome e família, muitas são conhecidas, outras nem tanto, mas todas merecem ter reconhecida a verdade sobre os traumas e violências que sofreram”, diz o procurador, ao lembrar de Maria Lúcia Araújo, Ariosto Pires Miguéis, Hélio Cézar Khoury, Demóstenes Coelho, João Moreira de Alencar Borborema, Edilson Martins, Lourival Messias de Oliveira, Manoel Alves Carneiro, Epaminondas Jácome Rodrigues, Hiamar Pinheiro, Chico Mendes, entre outros.
O MPF cita, também, o esforço de setores da sociedade civil e da comunidade acadêmica de debaterem o tema, sem que isso tenha motivado manifestação oficial do estado do Acre sobre o assunto.
O governo do estado informou ao MPF que reconhece a importância da preservação da memória histórica e da apuração de violações de direitos humanos durante o regime militar, mas entende que a lei que criou a Comissão Nacional da Verdade já teve seu prazo de funcionamento encerrado e o decreto que a regulamentava foi revogado, e que, por isso, não há, atualmente, iniciativa formal para implementação da Comissão localmente.
Recomendações – O MPF entende que apesar de formalmente extinta, a CNV apresentou 29 recomendações de medidas institucionais a serem implementadas pelas autoridades brasileiras ao longo dos anos, com o objetivo de preservar o Estado Democrático de Direito. Além disso, o prazo estabelecido na lei (16/12/2014) para a conclusão dos trabalhos se refere unicamente à data final das atividades da própria Comissão, e não a um limite temporal para a efetivação das políticas públicas pautadas em seu relatório final.
Lucas Dias lembra que a CNV projetou recomendações que visam ampliar progressivamente o horizonte da democracia brasileira e que continuam a inspirar medidas de transição. Ele exemplifica com da Comissão de Memória e Verdade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Comissão de Memória e Verdade da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, criadas em 2024, além da retomada da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), também no mesmo ano.
Objetivos da Comissão – Para melhor operacionalizar as atividades da Comissão, o MPF recomenda que os objetivos dela contemplem, no mínimo:
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o reconhecimento e esclarecimento dos fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos cometidas no estado do Acre durante o regime empresarial-militar brasileiro (1964-1985);
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identificar e tornar públicas as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionadas à prática de violações de direitos humanos no Acre;
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sugerir medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos e assegurar sua não-repetição; e
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com base no que for obtido, propor políticas de memórias em prol das vítimas, além de outras medidas que pretendam reconstruir historicamente as violações cometidas.
Além disso, também é recomendado que a Comissão promova audiência pública para resgatar a memória dos fatos ocorridos no período da ditadura militar, por meio da coleta de depoimentos das vítimas e seus familiares, com a participação de docentes da Universidade Federal do Acre, historiadores de reconhecida idoneidade, autoridades públicas e representantes da sociedade civil organizada.
Composição – A Comissão também deverá ser pluralista, composta por familiares de vítimas acreanas da ditadura e membros da sociedade civil, identificados com a defesa da democracia e institucionalidade constitucional, bem como com o respeito aos direitos humanos. A atuação deve ser articulada e integrada com os órgãos públicos e instituições e articulações sociais, e deverá ser dotada de poderes para solicitar informações, dados e documentos públicos ou privados necessários para o desempenho de suas atividades.
O MPF recomenda que componham a Comissão, pelo menos, os seguintes órgãos: Ministério Público Federal e Estadual, o Arquivo Público Estadual e Nacional, Comissão de Anistia, Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Universidade Federal do Acre, Instituto Federal do Acre, Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos do Acre e a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública do Acre.
O governo tem o prazo de 30 dias, para informar se acata a recomendação e relate as ações tomadas para seu cumprimento ou indique as razões para o não acatamento, tendo sido advertido sobre a possibilidade da adoção das medidas judiciais cabíveis.