Mora na Filosofia
Aldo Tavares estreia coluna “Mora na Filosofia” e sua primeira abordagem impacta: “Pastores satanizam a filosofia”
O ex-professor de Filosofia da Ufac e da Secretaria de Educação do Acre, Aldo Tavares, estreia nesta terça-feira, 23, a coluna “Mora na filosofia” neste Acrenews e sua primeira abordagem é impactante. Ele escreve sobre a polêmica visão de muitos evangélicos para essa disciplina. “Pastores satanizam a filosofia” é a manchete de sua primeira coluna.
Mais quem é o professor Aldo? Ele mesmo se apresenta no texto a seguir.
-Aos 8 anos de idade, me perguntei o porquê de árvore se chamar árvore, ou seja, desde cedo, mas, sem saber direito, a questão da linguagem sempre me atraiu. Formei, então, em Letras (Português-Literatura) e, depois de lecionar no Rio de Janeiro, o professor-doutor Anazildo Vasconcellos da Silva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, chamou-me para lecionar na Universidade Federal do Acre, onde minhas aulas destinaram-se à Literatura, primeiro, em Cruzeiro do Sul e depois em Rio Branco.
Além da UFAC, dediquei-me às disciplinas Língua Portuguesa e Literatura no ensino médio da Escola Heloísa Mourão Marques, onde o Acre ofertou a mim a melhor experiência em sala de aula, período em que houve uma política educacional com falhas, é verdade, mas muito séria para encontrar os acertos, e período em que a escola foi muito bem administrada pela diretora Osmarina Catarina Montrezol.
A fim de cuidar de meus pais e de um irmão especial, tive de deixa o Acre em 2012, após 20 anos de dedicação à educação pública. Uma vez no Rio de Janeiro, realizei o desejo de me graduar em Filosofia por uma faculdade cristã, foi quando estudei na Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro, apresentando a monografia “O palhaço e a potência da so(m)bra”; e, na mesma faculdade, concluí a pós-graduação Lato Sensu com a monografia “A criança e as duas mentiras do real”, obtendo notas máximas e com louvor nas duas monografias, que foram a base da Dissertação do Mestrado.
Para cursar o Mestrado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, apresentei um projeto sobre o conceito do ENTRE, envolvendo Platão-Nietzsche-Deleuze. Segundo a banca avaliadora, a Dissertação, na verdade, por causa do aprofundamento e do argumento novo, foi uma Tese de Doutorado, intitulada “Inocência Infantil como potência do falso: platôs entre as fábulas de Platão e a criança de Nietzsche-Deleuze”.
Sempre defendi a ideia de que o conhecimento acadêmico deve ocupar as linhas físicas e virtuais dos jornais, por isso deixo minha escrita no AcreNews a partir de hoje, já deixando-a no jornal carioca Correio da Manhã aos segundas-feiras. Pretendo apenas expor um pouco, e dentro do possível, as marcas da Filosofia. Espero não ser desagradável.
PASTORES SATANIZAM A FILOSOFIA
Aldo Tavares
Sem identificar nomes. Há pastores da Associação dos Ministros Evangélicos do Acre (AMEACRE) que, quando assim querem, usam o culto para propagar a ideia de que “a Filosofia não é coisa de Deus, de que a Filosofia é contra Deus”. Localizada na rua São João, 238, Palheiral, Rio Branco, a Associação definiu, há um tempo em uma reunião, que seus ministros levariam aos deputados federais evangélicos seu apoio contra a aprovação da disciplina Filosofia no ensino médio, porque tal estudo corrompe os jovens com valores anticristãos.
Contribuindo para essa diabólica incompreensão sobre a Filosofia, a Universidade Federal do Acre (UAFC) não incluiu em sua grade curricular formal estudos sobre a Filosofia Cristã, período medieval, é como se não houvesse existido na Idade Média pensamento profundo sobre “o ser”; trata-se, porém, de uma época em que se aprofunda a ontologia de tal forma que chega a influenciar filósofos do século 20, como Martin Heidegger e Gilles Deleuze. Excluir essa ontologia medieval na Universidade, lugar onde a sociedade é pensada, só permite deixar libertinas as falas de maldosos pastores incultos, que disseminam a ideia de que a Filosofia é o diabo na escola.
No Acre – e não apenas no Acre –, duas frentes institucionais erguem-se contra o pensamento filosófico: a igreja evangélica e a Universidade. A Filosofia, entretanto, pulsa nas páginas da Bíblia, por exemplo, em Êxodo (3: 14), onde Deus assevera que seu nome é “EU SOU O QUE SOU”, ou seja, Deus se chama Ser. Antes, em 3: 5, Deus diz “tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa”. Qual relação entre tirar as sandálias e a terra santa? Sem a Filosofia, não há resposta. Se no texto sagrado, o próprio Deus chama-se Ser, o que é o Ser? Mais: a palavra santa origina-se de “ser”. Posto isso à luz do Sol, a Bíblia, com toda clareza, mostra que o sagrado pertence ao ontológico. Ora, porque a Filosofia é o estudo do “ser”, apenas cabe a ela dizer a identidade de Deus, que é o Ser.
Nesse sentido, a Filosofia não é contra Deus, porque (só ela, apenas ela, somente ela) pode pensar Deus e, uma vez pensado, a Filosofia sabe que, embora Deus seja o pensamento do pensamento, isto é, ainda que Deus esteja acima do pensamento humano, a Filosofia pensa Deus como Ser, aprofundando o que é divino, o que é sagrado. Uma terra “santa” é terra do “ser” ou terra de “o que é”, pois, como escrevi antes, a palavra santa (ou são) deriva do “ser”. Há historiadores que defendem a ideia de que houve no Oriente Médio o encontro entre as culturas grega e judaica, por isso o registro bíblico de Deus se chamar Ser.
Como são responsáveis pelas palavras sagrado e conhecimento no sentido educacional mais amplo, a Associação dos Ministros Evangélicos do Acre e a Universidade Federal do Acre deveriam se aproximar a fim de que o estudo religioso fosse lido no ensino superior como ciência ou como episteme, e tal estudo passa entre a Filosofia, a História, a Sociologia e a Teologia. Deus deveria receber o devido conhecimento na Universidade, porque reduzir a palavra do Senhor apenas à fé significa não compreender o porquê de Deus se chamar Ser.