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Estudo revela potencial de Terra Indígena no Acre para gerar créditos de carbono

Trabalho mostra que os Poyanawa têm priorizado as atividades agrícolas em áreas já alteradas, investido na recomposição de áreas degradadas e na implantação e fortalecimento de quintais agroflorestais. Estimativa aponta que, até 2025, deixarão de ser emitidas 6,4 mil toneladas de gás carbônico por ano, em média, nas terras dessa etnia

Publicado

em

Embrapa

Resultados de pesquisa desenvolvida na Terra Indígena (TI) Poyanawa mostram que é possível promover serviços ambientais e garantir créditos de carbono por meio da relação harmoniosa que esse povo mantém com a floresta. O estudo “Desmatamento Evitado na Terra Indígena Poyanawa, Mâncio Lima, AC, Brasil”, realizado por pesquisadores da Embrapa do Acre (Rio Branco) e Pará (Belém) e outras instituições, indica caminhos para o alinhamento de estratégias para aproveitamento das emissões evitadas nesse território protegido pelo programa jurisdicional do estado Acre.

A análise da evolução do uso da terra no território Poyanawa, realizada com base em dados de referência de biomassa florestal e na série histórica de desmatamento de 1988 a 2017, revelou uma taxa média de desmatamento de 21,3 hectares/ano. Nos últimos cinco anos, porém, essa média baixou para 12,8 hectares, evidenciando uma redução no uso de florestas primárias em função de mudanças nas práticas de uso da terra nas aldeias. 

Homologada em 2001, a Terra Indígena Poyanawa possui uma área de 24.499 hectares e apenas 5,8% desse território foi alterado. Esse percentual corresponde a 1.422 hectares, que são utilizados com pequenas pastagens, roçados, capoeiras, quintais agroflorestais, casas, escolas, igrejas, galpões, arena cultural, entre outros usos. 

Segundo a pesquisa, o povo Poyanawa tem priorizado as atividades agrícolas em áreas já alteradas e investido na recomposição de áreas degradadas e na implantação e fortalecimento de quintais agroflorestais. “São ações que reforçam a cultura local, aumentam e diversificam a produção agroflorestal e conservam o meio ambiente, gerando um ciclo de retroalimentação. Dessa forma, também contribuem para o alcance de metas estaduais de redução de gases de efeito estufa, uma vez que garantem a manutenção da floresta”, explica o pesquisador Eufran Amaral, coordenador do estudo e chefe-geral da Embrapa Acre. A pesquisa foi realizada por meio do projeto “Etnoconhecimento, agrobiodiversidade e serviços ecossistêmicos entre os Puyanawa”, executado com o apoio da Fundação Nacional do Índio (Funai).

O projeto integra o Portfólio Amazônia, um conjunto de 75 iniciativas de pesquisa e inovação da Embrapa em parceria com uma rede de instituições públicas e privadas, que buscam desenvolver, ampliar e incentivar novos modelos de desenvolvimento por meio da integração da ciência, tecnologia e inovação com as políticas públicas, mercado e com a sociedade. 

US$ 38 mil anuais em créditos de carbono

A estimativa do desmatamento evitado na Terra Indígena Poyanawa (veja localização ao lado) contempla um horizonte até 2025. Os resultados da pesquisa mostraram que, nesse período, a média de emissões evitadas será de 6.381 toneladas de gás carbônico (CO2) por ano. Com base em parâmetros de negociação do mercado mundial de créditos de carbono, os pesquisadores estimam que cada tonelada de CO2 evitada pode valer até 6 dólares ou alcançar valores mais elevados, dependendo do investidor interessado. 

Esse cálculo equivale a 38.286 dólares que, convertido para a moeda nacional (à taxa de 5,17 reais o dólar), corresponde a um ganho anual de 197.938 reais. A partir desses valores, a remuneração pelo desmatamento evitado na Terra Indígena, estimada pela pesquisa para um período de 20 anos (2006 a 2025), seria de 3,9 milhões de reais.

De acordo com Amaral, os resultados do estudo apontam a possibilidade de elaboração por comunidades indígenas de projetos para Redução de Emissões Provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD). Os dados científicos, aliados à formação de redes de apoio institucional e alinhados ao Sistema Estadual de Incentivo a Serviços Ambientais do Acre (Sisa), podem subsidiar estratégias eficientes para o aproveitamento do carbono social da Terra Indígena e gerar benefícios econômicos para o povo Puyanawa.

“Iniciativas de captação de recursos financeiros com esse enfoque, além de fortalecer a autonomia ambiental e territorial das Terras Indígenas, ajudam a integrar esses territórios ao Sisa e contribuem com a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI)”, acrescenta o pesquisador.

Para Lucieta Guerreiro Martorano, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental e co-autora do estudo, as políticas de Prestação de Serviços Ambientais têm muito a contribuir para evitar o desmatamento na Amazônia. “É preciso sair do campo do discurso e popularizar esses mecanismos, a fim de tornar o pagamento por serviços ambientais uma prática em Terras Indígenas, Unidades de Conservação, propriedades rurais e outros territórios tradicionais do País”, defende. 

Ainda de acordo com a pesquisadora, a prestação de serviços ambientais também pode ser promovida por produtores rurais que utilizam tecnologias sustentáveis nos sistemas produtivos da propriedade, como os sistemas agroflorestais, a roça sem queima e a integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), entre outras alternativas tecnológicas. “Essas modalidades de produção aumentam o potencial das comunidades quanto à obtenção de ganhos econômicos pela prestação de serviços ambientais, por evitarem o desmatamento e contribuírem com a regulação do carbono na atmosfera, fatores intrinsecamente conectados ao clima do planeta”, explica. 

Mercado brasileiro de compra e venda de carbono

Considerando que no mercado internacional iniciativas com carbono sociocultural têm sido cada vez mais valorizadas, o desmatamento evitado pode configurar um negócio rentável para as famílias indígenas. Os pesquisadores ressaltam ainda a possibilidade de regulamentação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e regulação da compra e venda de créditos de carbono no País, por meio do Projeto de Lei 528/21, em tramitação na Câmara Federal. 

“A compensação ambiental por créditos de carbono representa uma estratégia para criar condições para a manutenção de povos indígenas em seus territórios, além de contribuir para o fortalecimento do modo de vida e para a conservação ambiental no contexto das comunidades”, defende Amaral. 

Nessa mesma perspectiva, o coordenador de políticas ambientais da Fundação Nacional do Índio (Funai), Weber Braz Silva, considera os resultados da pesquisa promissores na busca por alternativas que aliem preservação ambiental e geração de renda nas aldeias. Ele conta que esses estudos vão ao encontro de outras ações, já em desenvolvimento pela instituição, com foco na promoção da autonomia e autossuficiência dessas comunidades. 

“O mercado voluntário de carbono tem potencial para implementação em áreas indígenas, mas as iniciativas com essa finalidade devem ser concebidas e executadas em articulação com políticas ambientais em níveis estadual e federal. Atualmente estamos em tratativas para formalizar cooperação internacional visando à elaboração de estudos que avaliem a viabilidade desse mercado em Terras Indígenas do País”, afirma o gestor que ressalta, ainda, a importância de utilizar abordagens adequadas para garantir resultados de longo prazo em relação à preservação do meio ambiente e à sustentabilidade desses territórios.

Para o líder indígena Luiz Puyanawa, é gratificante saber que com a adoção de formas sustentáveis de uso da terra o seu povo contribui para reduzir as emissões de carbono. “Por meio de práticas agrícolas herdadas de nossos ancestrais mantemos uma convivência harmoniosa com a floresta e, com isso, os Puyanawas fazem a sua própria agricultura e a sua medicina nas aldeias, reforçam seus valores e preservam a vida. Deixar de emitir carbono na atmosfera é uma ação que tem serventia para o mundo, porque todo o planeta se beneficia”, ressalta.

Metodologia para diferentes territórios

Para apurar o desmatamento evitado, quantificar o volume de carbono no solo e transformar em créditos de carbono as emissões evitadas na Terra Indígena Poyanawa, os pesquisadores utilizaram uma metodologia baseada em inventários florestais disponíveis na base de dados do Zoneamento Ecológico Econômico do Estado do Acre. Os cálculos foram realizados com aplicação de equações que estimam a biomassa de cada árvore e a composição da biomassa da tipologia florestal, considerando a análise histórica das taxas de desmatamento e a recuperação das áreas de floresta. 

Lucieta Martorano explica que a partir do resultado da disponibilidade florestal, foi possível avaliar os níveis de desmatamento evitado, mensurar a evolução do desmatamento e realizar projeções. Os ganhos e perdas de biomassa florestal descrevem padrões de comportamento e, dessa forma, o método permitiu modelar e estabelecer distintos cenários de desmatamento evitado. 

“Entre 2006 e 2010 os níveis de desmatamento na Terra Indígena foram superiores à linha de base considerada para os cálculos, resultado que gerou um déficit de 1.678 toneladas de CO2. O ano de 2008 apresentou o maior índice de conversão da floresta na série histórica avaliada, na ordem de 43,7 hectares. Já nos três anos seguintes, a recuperação de áreas florestais gerou emissões positivas (evitadas). Para cada hectare de floresta em desenvolvimento foram armazenados em torno de 448 toneladas de CO2, mais que o dobro da média apontada pela literatura, que é em torno de 200 toneladas por hectare”, acrescenta a cientista.

Segundo Amaral, por utilizarem modelos que podem ser adaptados e replicados em diferentes territórios, os estudos sobre desmatamento evitado são uma grande contribuição para a Gestão Territorial em Terras Indígenas da Amazônia. “No Acre, o trabalho ocorre integrado com o Sisa, mas cada estado pode utilizar o seu próprio sistema. Essa flexibilidade nas estratégias adotadas também poderá criar oportunidades para integrar os Planos de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas com as ações de governos estaduais”, diz o pesquisador.

Pioneirismo em crédito de carbono

Para o professor da Universidade Federal do Acre (UFAC) William Flores, atual diretor-executivo do Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais do Acre (IMC), instituições parceiras na pesquisa, os resultados apresentados evidenciam a importância das Terras Indígenas no contexto das mudanças climáticas e confirmam a necessidade de manutenção dos serviços ambientais fornecidos pelas florestas à humanidade. 

“O Acre é pioneiro na comercialização de créditos de carbono, por meio da sua política pública instituída em 2010. Atualmente comunidades indígenas já se beneficiam das ações promovidas pelo Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais do Estado, na medida em que recursos captados via ações governamentais, junto a outros países, especialmente Alemanha e Inglaterra, com base no desempenho de desmatamento evitado, são destinados a diferentes públicos, incluindo as comunidades indígenas”, declara Flores.

O gestor destaca também que no Brasil esses territórios armazenam uma grande quantidade de carbono e, em algumas comunidades, como os Puyanawa, uma série de atividades produtivas e culturais implementadas contribuem para a captação de carbono na atmosfera e incorporação na estrutura da vegetação, funcionando como sumidouros de carbono.

“Com a regulamentação do mercado brasileiro de carbono, bem como a implementação do Programa Floresta +, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, além da possibilidade de regulamentar metas do Protocolo de Quioto, aprovado na COP-26, poderão ser criados mecanismos para viabilizar iniciativas concretas com créditos de carbono que possibilitem a remuneração de populações indígenas e outras comunidades. No caso do Acre, a política de incentivo a serviços ambientais já existe, entretanto, mecanismos jurídicos no âmbito nacional podem ajudar a gerar resultados mais efetivos”, enfatiza.

Pesquisas continuam

Os métodos utilizados para mensuração das emissões  evitadas são validados por mecanismos internacionais como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU). A partir desses métodos oficiais e dos contextos estudados, as pesquisas da Embrapa sobre o desmatamento evitado em Terras Indígenas do Acre podem abrir possibilidades para a construção de novos formatos metodológicos.

Em 2020, durante o primeiro estudo com esse enfoque, realizado na Terra Indígena Kaxinawá Nova Olinda, em Feijó, para estimar o volume de biomassa presente no solo, os pesquisadores utilizaram imagens orbitais produzidas por Lidar (Light Detection and Ranging), sistema que atua com equipamento a laser aerotransportado. 

“Inovamos ao incorporar ao método de estudo uma tecnologia que permite maior precisão nos dados topográficos e na caracterização da estrutura da vegetação, entretanto, é importante avaliar os custos do uso de tecnologias na pesquisa. Cada contexto investigado tem suas particularidades e cabe à ciência encontrar alternativas para vencer possíveis desafios. Vamos continuar pesquisando o desmatamento evitado e o nosso próximo destino será a Terra Indígena Gregório, no município de Tarauacá, território que abriga os povos Yawanawá e Katukina”, anuncia o pesquisador.

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