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RAIMUNDO FERREIRA

Artigo do professor e arquivista Raimundo Ferreira: “Voltei à boca da estrada”

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VOLTEI À BOCA DA ESTRADA

Raimundo Ferreira

No último dia 09/09/24, resolvi viajar até Mossoró, RN., aventura essa, para conhecer de perto a cidade de onde meu pai, Raimundo Ferreira de Santana, partiu em 1944, alistado e contratado como soldado da borracha, patrocinado pelo convênio firmado entre os governos brasileiro e americano, que visava produzir borracha natural nos seringais nativos da Amazônia e que seria utilizada como matéria prima para indústria pneumática na segunda Guerra mundial. Na época, essa viagem se deu, iniciando através de caminhões, nas estradas sem pavimentação, meio do sertão nordestino, com parada nos locais que denominavam ‘pousos’. Chegando no mar embarcaram em navio e seguiram até a região norte, o último pouso na cidade de Belém do Pará, onde os seringalistas faziam as visitas, fechavam os acordos e encaminhavam os nordestinos, já alcunhados de brabos e arigós, para os seringais da Amazônia, onde seriam distribuídos pelos rios, para chegar nas sedes dos seringais nativos, e destas localidades, os trabalhadores ainda eram enviados para as colocações, onde iriam de fato residir e realizar o trabalho de produção da borracha natural e colheita da castanha-do-Brasil. No caso da nossa família, os Ferreiras, originárias de Mossoró, fomos designados para o seringal Peri, nas proximidades do município Amazonense de Lábrea, às margens do rio Purus. Nessa localidade, após 15 dias já faleceu o patriarca da Família, nosso avô João Ferreira de Santana. Todos os membros da família tiveram que suportar os momentos difíceis e sem contar com outra alternativa, ergueram a cabeça e seguiram tocando a vida na terra estranha. A família era formada por nove pessoas, meus avós e sete filhos, duas mulheres e cinco homens, meu pai era o mais velho. Para enfrentar essa nova realidade, algum tempo depois, meu pai, minha tia e mais dois tios já se casaram. Dois tios já começaram a trabalhar com a atividade de transporte fluvial, em embarcações de médio porte e os outros seguiram na labuta como seringueiros. Após alguns anos, eu já era nascido, a família Ferreira começou a se iludir com os boatos que circulavam sobre os seringais do alto Acre, dando conta de que eram mais rentáveis e certamente as condições de vida seriam mais facilitadas. Ou seja, as seringueiras produziam mais látex e por essa razão, era possível produzir maior quantidade de borracha. Depois foi constatado que nada disso era verdade, no entanto, conforme já tinha acontecido com os anuncios de vantagens para quem quisesse vir para a Amazônia como sendo o eldorado e que nada disso foi verdadeiro, da mesma forma, na região norte, as notícias falsas continuavam iludindo os nordestinos. Mesmo assim, nossa família migrou para o alto Acre. Trabalhamos nos seringais: São Francisco do Iracema e Novo Andirá, depois mudamos para vila Porto Acre para trabalhar como agricultor, local onde fui alfabetizado já com 14 anos. Por último, mudamos para capital Rio Branco. Na atividade de seringueiro, nos seringais nativos, o trabalhador todos os dias percorria um longo caminho no meio da selva, o trajeto da estrada de seringa, que consistia entrar por um caminho, percorrer grandes distâncias na selva e após descrever uma parábola, sair no ponto inicial, essa bifurcação denominava-se de “boca da estrada”. Percorremos milhares de vezes esse roteiro no decorrer da atividade de trabalhadores da floresta. Atualmente, após ter percorrido por muito tempo e por muitas vezes os percursos e roteiros da vida, voltei a “boca da estrada”, onde os caminhos se encontraram, Mossoró, RN.

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