Connect with us

PRINCIPAL

Radicado no Acre supera a depressão viajando a extensa Transamazônica numa POP-100

Publicado

em

Por Wanglézio Braga

“Ressignificar” é a expressão que mais faz sentido na vida de Reginaldo João Guimarães Reis, de 50 anos, funcionário público, paranaense radicado no Acre, e dono de uma bela história de superação que controlou a depressão através de um projeto audacioso: percorrer a Rodovia Transamazônica a bordo de uma POP-100, em um trecho de 6,5 mil quilômetros, passando por cinco estados brasileiros, em menos de 25 dias.

Antes de abrir seu diário de bordo, é preciso compreender algumas nuances. No auge da pandemia, João Guimarães, como também é conhecido, recebeu por duas vezes diagnóstico positivo para Covid-19. Os tratamentos foram aviltantes e, por conta disso, desencadearam algumas sequelas físicas. A depressão chegou junto, promovida pela ansiedade e alimentada pelas condições desafiadoras da época, como o isolamento social.

Para acelerar o processo de renovação do bem-estar, Reginaldo decidiu que precisava fazer coisas prazerosas, como se aproximar da natureza. Nesse primeiro regimento, o aventureiro lembrou-se dos tempos de quando chegou no Acre com sua família, em 1982, para habitar em um seringal entre Brasiléia e Assis Brasil. Talvez daí venha o fato de gostar da floresta e querer vivenciar outras aventuras nela. Na outra ponta, resistir a dependência de antidepressivos e desafiar seus limites, promovendo um ‘efeito positivo’ nessa ‘condição’.

“Eu sempre tive um espírito aventureiro, então, tomei a decisão, chamei minha família e peguei a estrada com a POP-100, uma motinha de 110 cilindradas. A escolhi porque todo mundo consegue percorrer, por exemplo, uma BR-364 em um motor potente, mas ao contrário é quase impossível termos relatos. No início, eles [filhos e esposa] ficaram preocupados, temerosos, mas depois combinamos que todos os dias conversaríamos. Isso amenizou a preocupação em ambos!”, contou com exclusividade ao AcreNews.

Além de tomar a iniciativa, João queria passar uma lição: “Muita gente cai nessa situação e não consegue reagir. E devemos ter um sentimento contrário, que é o de cair e se levantar”. Mas, para isso tudo acontecer, ele viu que precisava investir em um sonho, ter um planejamento e fazer valer as duas etapas. Vamos conferir?

TRANSAMAZÔNICA, PARTE 1

A ideia original, apelidada de Transamazônica Parte-1, envolvia percorrer até o último trecho – sem asfalto – da rodovia, no território do Pará. Conversando com os locais, chegou à conclusão de que não havia ‘encerrado’ essa etapa. Por outro lado, foi convencido de que percorreu muito mais, inúmeras outras cidades como Santarém e o famoso distrito de Alter do Chão, às margens do Rio Tapajós, e pelo extenso Mato Grosso.

“Fiquei sabendo que o último trecho sem asfalto da Transamazônica, dentro do Pará, era em Rurópolis, mas, na verdade, eram mais 300 km daquela cidade. Ou seja, faltou pouquinho para chegar de fato e de direito naquele último pedacinho de chão”, comentou.

https://www.instagram.com/p/CwwSRuyMNoX/

João saiu de Rio Branco rumo a Porto Velho (RO), seguiu para Humaitá (AM), e acelerou até Lábrea (AM). É nessa cidade que ‘terminava’ seu projeto original, já na foz do Rio Purus, mas o plano seguiu em sentido oposto. O aventureiro retornou para Humaitá, cruzando o Rio Madeira, sentido município de Apuí (AM), até desembarcar em Jacareacanga (PA). A viagem ocorreu no ano passado.

“Esse trecho de Lábrea até Itaituba é totalmente isolado. É um dos trechos mais difíceis. O movimento de veículos é pouco, quase não tem posto para dormir, quase não tem moradores, só encontrei mata, animais silvestres e alguns trechos de total escuridão. Nesse período, pernoitei à beira da rodovia, sem ninguém, totalmente isolado, por três dias”, relembra.

ACAMPAMENTOS

Antes de sair de casa, João Guimarães tinha noção de que precisava se desprender do luxo de uma casa, da cama macia, do chuveiro com água quentinha, da cozinha para preparar os alimentos e, principalmente, do convívio com a família. Essa última – a sagrada comunicação – era uma “condição” imposta pela esposa e pelos filhos para que pudesse seguir com seu sonho na Transamazônica.

“Minha família apoiou, porém, tínhamos esse trato de falar todos os dias. Por isso, no meu planejamento, tinha como cumprir em pontos de dormida em Vilhena, Porto Velho, Humaitá, Sinop e outras cidades do Pará. Até aí foi fácil. Eu dormia nos hotéis. Só que por diversas vezes acampei em postos de gasolina, às margens de rios, em pontos de parada de caminhoneiros e na beira da rodovia. Isso devido ao cansaço, às condições da viagem e à demora. Foi a fase em que minha família ficou mais preocupada, pois não havia internet. Algo difícil para nós”, confessou.

https://www.instagram.com/p/Cwksv4bhBNE/

Além desses pormenores, quem enfrenta a Rodovia Transamazônica, concebida ainda no governo do Presidente Médici, segue em condições geográficas desafiadoras, com trechos instáveis, rios caudalosos e florestas densas. Do pouco que sobrou da pavimentação, a melhor época para fazer a travessia são os meses de seca, geralmente entre junho e setembro. Neste período, a incidência de chuvas é menor, porém, o motorista encontrará muitos desafios.

EMOÇÕES, DESFRUTES

Na imensidão do verde da floresta, quando encontrava pessoas, João tratava de conversar, extrair o melhor dos locais e transeuntes, como caminhoneiros arrojados. Descobriu um personagem marcante: um dos trabalhadores da obra da rodovia, de 75 anos, que detalhou como foi executar essa difícil estrada, em plena floresta, nos anos de 1979. Falas comoventes que vão permanecer, agora, na memória do motociclista e compartilhadas por onde o aventureiro andar.

Nos registros, lagos, banhos em rios, diversas cachoeiras, reservas indígenas, vilas de pescadores e ‘acesso’ a algumas realidades que ainda não chegaram à maioria da população brasileira, e que evidentemente foram escondidas – a destruição da natureza segue na velocidade máxima na Amazônia brasileira.

“Infelizmente, fui testemunha ocular de incêndios às margens da rodovia, inclusive nas áreas de proteção ambiental na região do Tapajós. Aquilo me marcou muito! Vi um rio, com água diferente, totalmente contaminado pelo mercúrio vindo do garimpo. Era um rio belo, porém, triste, pois estava quase morto. Os nativos lamentavam a situação, não podiam nem comer os peixes, nem tomar banho, quanto mais beber água. Por isso, há uma grande necessidade de trabalhar os recursos naturais na nossa Amazônia”, ressaltou.

 

VEM AÍ A PARTE 2

À nossa reportagem, Guimarães adiantou que a Parte 2 do projeto já foi programada para acontecer em julho deste ano. O plano da vez é conhecer a imponente Chapada dos Guimarães, em MT, e seguir novamente o acesso para a Transamazônica. Mas, se for preciso e as circunstâncias permitirem, haverá ainda a Parte 3. A ideia geral é chegar em Cabedelo, no estado da Paraíba, localizada no nordeste do país, às margens do Oceano Atlântico, início da Rodovia Transamazônica, tudo sem pressa.

Na internet, Reginaldo se aprofundou em pesquisas sobre a Chapada dos Guimarães e as regiões da Transamazônica que ainda não explorou. À medida que a data para a próxima aventura se aproxima, ele intensifica os preparativos. Está atento à manutenção da sua POP-100, garantindo que a motocicleta esteja em perfeitas condições para enfrentar os desafios que virão. Também revisita o planejamento da rota, desta vez com um enfoque especial nas paradas estratégicas, considerando não só os pontos turísticos, mas também lugares seguros para descanso. Seu objetivo é maximizar a segurança e a experiência, minimizando os riscos associados a viagens tão longas e isoladas.

“Os detalhes já foram acertados. Estou na expectativa de viajar em julho. Aguardo somente o aval do trabalho para as férias e vou encarar a estrada novamente. Não posso mais parar. Quem alcança a estrada como eu alcancei, com um objetivo pessoal, de cura, não pode se acomodar. Então, tá avisado de que em breve vai ter João na estrada novamente e, dessa vez, com muitos bons relatos, fotos, e vídeos de pessoas que entrevistarei”, brincou.

Por falar em plataformas sociais, o aventureiro filiou-se a grupos de viajantes. Somente em um grupo, ele expôs seu relato e recebeu apoio de mais de 14 mil seguidores e milhares de comentários. Alguns vídeos também receberam notáveis audiências no Youtube. “É gratificante receber os comentários positivos de diversas pessoas em vários estados. Isso é um incentivo grande para nós”, enalteceu.

PAPAI, MAMÃE E AS CRIANÇAS?

Durante a entrevista, nosso personagem não esconde seus planos de futuro duradouro. Servidor do Governo do Estado desde 1992, João Guimarães segue almejando os trâmites da aposentadoria que possibilita ‘cair’ de vez na estrada ao lado da esposa e dos filhos.

Ele sonha com isso. Imagina os filhos e a esposa ao seu lado, compartilhando da mesma paixão pela estrada e pela descoberta, algo de grande motivação para ele? “Ter a companhia deles é um sonho e sei que vai ser realizado, se Deus permitir”, vibrou.

ENCONTROS E LIÇÕES

Atualmente João segue refletindo sobre os encontros significativos que teve na primeira parte da jornada e se prepara para novas histórias e lições. Ele também se engaja mais ativamente nas redes sociais, criando conteúdo que não só narra suas aventuras, mas também aborda questões importantes como a preservação ambiental e a saúde mental. Seu objetivo é usar sua plataforma para conscientizar e inspirar outros a buscarem suas próprias formas de ressignificação.

“Cada viagem é uma lição de vida. Aprendemos a valorizar o que temos, a respeitar a natureza e a entender que os desafios são oportunidades disfarçadas. A estrada ensina muito mais do que qualquer livro”, afirma Reginaldo.

A história de Reginaldo João Reis é um poderoso testemunho de resiliência, coragem e a busca incessante por significado e cura. Sua jornada pela Transamazônica não é apenas uma aventura pessoal, mas um movimento de superação que inspira muitos.

De pronto, ele deixa claro que a estrada é mais do que um caminho físico; é uma metáfora para a vida. Uma vida que ele escolheu viver plenamente, com coragem e determinação, demonstrando que, independentemente dos obstáculos, sempre há uma maneira de ressignificar e seguir em frente. E no fundo, deixa-nos uma lição:

“Nos lugares que parei, as pessoas falavam que viam no meu rosto a minha felicidade em alcançar esse objetivo. Outras reclamavam que não conseguiam. Infelizmente é algo real, elas sempre têm seus projetos, planos, e passam a vida nos seus trabalhos, não se desprendem dos planos materiais, e se esquecem dos seus sonhos. A mensagem que deixo é somente uma: é possível superar a depressão desde que você tenha determinação, foco e o apoio familiar. Não é fácil vivenciar essa doença, você não sai dela facilmente, mas é possível superá-la”, finalizou.

Continue lendo

EXPEDIENTE

O Portal Acrenews é uma publicação de Acrenews Comunicação e Publicidade

CNPJ: 40.304.331/0001-30

Gerente-administrativo: Larissa Cristiane

Contato: siteacrenews@gmail.com

Endereço: Avenida Epaminondas Jácome, 523, sala 07, centro, Rio Branco, Acre

Os artigos publicados não traduzem, necessariamente, a opinião deste jornal



Copyright © 2021 Acre News. Todos os direitos reservados. Desenvolvido por STECON Soluções Tecnológicas