Liliane Maia – A primeira mulher indígena Puyanawa que receberá o título de Bacharel em História

Por Wanglézio Braga

Aos 26 anos, a jovem Liliane Araújo Maia está bem próxima de realizar um sonho pessoal e por que não dizer coletivo: receber o primeiro diploma de nível superior. Muito mais que um simples certificado para o currículo educacional, tal realização virou algo inédito para um povo que vem resistindo desde 1904: Os Puyanawas [Povo do Sapo]. Liliane será a primeira mulher indígena Puyanawa a receber um diploma de Bacharel em História pela Universidade Federal do Acre (UFAC).

Liliane nasceu em casa, numa área indígena pertencente ao município acreano de Mâncio Lima, mas foi registrada somente alguns  (dias) depois em Cruzeiro do Sul. Filha de mãe indígena, dona Ederlandia Alves e de pai branco, seu Claudiomar de Lima, a jovem veio para Rio Branco ainda criança. A mudança de cidade ocorreu por questões do casamento dos pais. A princípio a família de seu (pai) foi contrária à união pelo fato de Ederlandia ser indígena e pertencer a uma família humilde.

O casal resolveu viver em Rio Branco. Passaram quase sete dias na estrada. Liliane, apesar de muito pequena, acompanhou a agonia dos pais e ainda lembra vagamente daquele período turbulento. A menina cresceu, virou adolescente, foi morar sozinha, arrumou um emprego, virou adulta. Mais, o futuro resguardava outra fase: de fazer escolhas.

“Quando meu nome saiu na lista de chamada eu não tive dúvidas de que seria uma nova fase na minha vida, alcançando os estudos na fase de vida acadêmica. O curso era vespertino e meu trabalho era em turno integral. Infelizmente os horários não batiam e tive que fazer uma escolha, entre continuar trabalhando ou começar a estudar. Foi uma decisão muito difícil, pois eu dependia do salário, mas eu queria muito estudar. Foi quando pedi as contas e tive que ser muito corajosa. Então comecei a estudar e me virar como podia para produzir e vender alguns quitutes e pequenas peças artesanais como brigadeiros, que levava para a universidade, geladinho que vendia em casa, fazia bolos, lacinhos para bonecas, fazia o que podia para pagar o aluguel e as outras coisas. Até que fui selecionada pela bolsa permanência, e consegui me manter melhor na universidade e assim garantir minha formação”, revelou.

A vida em Rio Branco, longe dos seus ancestrais, não tirou os costumes da aldeia. Pelo contrário, ela leva consigo até hoje, com muito orgulho, a identidade Puyanawa por todo canto que passa ou que publica. Nas redes sociais, se apresenta como “Liliane Puyanawa” e leva aos seus seguidores o dia-a-dia de uma jovem indígena que vive na capital e que não deixa os costumes do seu povo.

Puyanawa sempre estudou em escolas públicas, incluindo uma na modalidade indígena, assim como também os sete irmãos. O ingresso para a universidade foi por ampla concorrência. Abdicou do direito a “Lei das Cotas”, porém, defende o dispositivo por considerar ser uma “reparação para com os povos indígenas e negros”. Mesmo assim, ao longo da vida acadêmica, sofreu preconceito dentro e fora da sala de aula, por considerá-la ‘desaldeada’ termo usado para designar algum indígena fora do seu povo.

“Foi desafiadora, um universo novo, principalmente quando chegou a parte da escrita, permanecer na universidade também é difícil. E aí foram situações que fui superando para garantir a formação. Tive momentos incômodos quando falava que era indígena e a pessoa não achava só porque pintava o cabelo ou porque estava em contexto urbano”, disse em entrevista ao AcreNews.

Na última semana, Liliane apresentou à banca examinadora o seu trabalho monográfico intitulado; “Entre escrevivências e (Re)Existências – Um relato de Memória(S) e História(S) do Povo Puyanawa”. O documento que é requisito obrigatório na fase final da graduação traz uma verdadeira obra-prima sobre a origem desse povo que habita a cidade mais oeste do Brasil. Ela foi aprovada pela banca, alcançando mais que a média da universidade.

O trabalho monográfico tem 79 folhas, com três capítulos que abordam a sua própria trajetória dentro da UFAC, a luta do povo Puyanawa para a demarcação do território e por fim, a busca pela educação indígena específica.

“O desenvolvimento deste trabalho buscou traçar um panorama de aspectos da trajetória do povo Puyanawa ao longo das últimas quatro décadas, em que a etnia se mobilizou para assegurar direitos que foram garantidos na Constituição de 1988. Direitos como a reconquista territorial, o direito a uma educação escolar indígena, específica, diferenciada e bilíngue voltada para o resgate cultural e autonomia. O povo originário Puyanawa teve que se movimentar para ter suas terras demarcadas, assegurar direitos para então poder praticar sua cultura com autonomia em suas terras. Portanto, o objetivo principal deste trabalho é problematizar memórias para registrar uma escrita da História das lutas e trajetórias do grupo indígena. E como resultado de pesquisa e escrita, essa monografia espera contribuir para uma compreensão dos contextos históricos e socioculturais das lutas e trajetórias do povo Puyanawa”, resumiu.

O próximo passo que Liliane vai ter que seguir é de vestir a beca para a colação de grau. A universidade vai programar a data da cerimônia. Festança garantida também na aldeia, afinal, mais um Puyanawa venceu o sistema complexo. Enquanto isso, a jovem reflete num questionamento do AcreNews: O lugar do indígena também é nas universidades?

“Falando como uma estudante indígena Puyanawa destaco que a universidade também é um espaço que devemos demarcar e ocupar. Quando um indígena forma ele não pensa apenas em si, pensa no coletivo e deseja um retorno positivo para a comunidade. No meu caso a história, deixo registrado na academia um pouco da história do meu povo e ensinamentos que vem da floresta. Conhecer sobre a história dos povos indígenas do Acre é conhecer a própria história e valorizar essa riqueza cultural que nosso estado tem”, respondeu.

O exemplo de garra e afinco de Liliane também repercutiu dentro de casa. A irmã dela cursa na maior universidade pública do Acre, a UFAC, o curso de engenharia florestal. O curso está em andamento, no entanto, a torcida pelo sucesso da jovem Puyanawa é grande e ecoa das entranhas das florestas do Juruá para o mundo.