Valterlucio Bessa Campelo escreve nesta sexta-feira santa: Deus me proteja da bondade da pessoa ruim

Acontecimentos dos últimos dias me fizeram lembrar a letra de uma música do paraibano Chico César, “Deus me Proteja”, na qual o artista se nega a aceitar a bondade de pessoas que julga ruins. Vindo da sabedoria popular, o trecho tem uma carga filosófica significativa, pois revela um ceticismo que remonta à antiguidade.

O Sistema que hoje governa o Brasil, formado basicamente por uma associação espúria entre Executivo e Judiciário, que poderíamos chamar de luloalexandrismo, terminou por ficar encurralado diante de um parlamento que, apesar do servilismo de seus chefes, em maioria assinou o pedido de urgência para votação do PL da anistia. Regimentalmente, o fato não obriga o presidente Hugo Motta a nada, mas o dispensa de mandar o PL para Comissões e nelas, derrotar ou postergar indefinidamente a votação. Do jeito que está, cabe a Motta levar ou não ao plenário.

O que faz o Sistema? Reage com as chantagens e ameaças de sempre aos deputados, retaliações públicas ou sigilosas e, como se viu nos últimos dias, com uma artimanha digna de bordel. Michel Temer, o criador do monstro, saiu da catacumba para dizer que o ministro Alexandre Moraes é um sujeito sem rancor, bondoso e compreensivo e, portanto, está disposto a rever a dosimetria das penas para aliviar o sofrimento dos presos políticos. Tudo isso descaradamente, como se a Lei dependesse da generosidade do juiz. Sai Moraes, o Valdemort, e entra Moraes, o magnânimo. Acredite quem quiser.

O objetivo claro do embuste é esvaziar de sentido o PL da anistia. Sem pena, para que anistia? Se, por exemplo, as penas forem dadas como cumpridas (já se vão mais de dois anos), a anistia perde objetivamente a razão e vai todo mundo pra casa reconstruir suas vidas prometendo nunca mais pecar como se fossem Marias Madalenas.

Isso é um escárnio, uma grandíssima fuleiragem como diria um nordestino da gema. Não se trata de dosimetria, mas de justiça. As penas não são altas, elas são INJUSTAS, não tem base legal. Se tivesse havido o crime de que são acusados aqueles manifestantes, a pena poderia ser até maior. Ocorre que as penas são injustas porque NÃO HOUVE CRIME.

A ideia de diminuir ou zerar as penas dos condenados equivale a um estuprador dizer à estuprada que vai parar de dar porrada, enquanto continua o estupro e ainda achar que está fazendo um grande favor. Não está. Se Moraes quer ser uma espécie de Sir. Gowther do século XXI, vá pelo caminho certo, sua redenção se dará quando assumir que agiu de modo perverso e condenou INOCENTES, anule o inquérito no todo pois no todo ele é ilegal (não respeita o princípio do juiz natural), e se contenha no cumprimento de sua função constitucional.

É claro que o servilismo na imprensa dará destaque à proposta do Michel Temer como sendo uma saída bondosa para os “golpistas”, afinal, eles ficariam 14 anos presos. Ora, ora. Então o juiz se dá por vítima, prende, apura e julga o acusado e, quando cogita diminuir a força da brutalidade é dado como herói pacifista? Em que mundo nós vivemos? Que pantomima de democracia é essa em que a imprensa e jornalistas a esmo aceitam, comemoram e, praticamente se ajoelham, para honrarem uma perfídia?

A oposição não deve sequer conversar sobre essa manobra criminosa. Aceitar que houve uma tentativa de golpe, passarem falsamente para a história como golpistas em troca de meio perdão da pena, seria de uma imoralidade imperdoável. Houve tentativa de golpe ou não houve? Essa é a questão. Aliás, se tivesse havido, a última coisa a pedir seria anistia.

A única saída aceitável é, neste momento, a anistia, que fará com que o crime seja desqualificado. A anistia implica um “esquecimento jurídico” do fato criminoso, como se ele nunca tivesse ocorrido para fins penais, com efeitos de extinção da punibilidade, retroatividade e ampla abrangência. Não existe anistia “relativa” como querem fazer parecer o luloalexandrismo e seus sequazes na imprensa.

Estejamos de olhos bem abertos, porque os sócios do monstro quererão se passar por pessoas boas, e oferecer uma crueldade moral envelopada de bondade. Os verdadeiros democratas não podem esperar nada de quem historicamente assentou sua ideologia na maldade e no ódio.

Valterlucio Bessa Campelo escreve às segundas-feiras no site AC24HORAS, terças, quintas e sábados no  DIÁRIO DO ACRE, quartas, sextas e domingos no ACRENEWS e, eventualmente, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor PERCIVAL PUGGINA, no VOZ DA AMAZÔNIA e em outros sites.