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PITTER LUCENA

Pitter Lucena relembra a trajetória de um dos maiores jornalistas da Amazônia, Elson Martins

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O jornalista e escritor acreano, Pitter Lucena, que hoje vive em Brasília, faz um dos maiores apanhados de figuras da comunicação no Acre, por meio de uma série publicada pelo www.acrenews.com.br. Na pauta deste sábado, 20, a história de um dos maiores da Amazônia, o Elson Martins.
Veja a seguir:

ELSON MARTINS
O JORNALISTA DAS SELVAS

  • Pitter Lucena

Naquelas tardes ensolaradas no Seringal Nova Olinda, Elson Martins da Silveira encontrou a primeira tinta de sua caneta, a qual, ao invés de riscar papel, riscava o límpido igarapé que margeava sua casa. Ele e seu irmão exploravam a natureza com a curiosidade de crianças e aventureiros, tornando a floresta um lugar mágico e acolhedor. Com a família, os vizinhos e as festas, vivia uma vida que resplandecia com a ternura que só a lembrança pode conceder.
Mas a vida é uma correnteza, e em algum ponto, a criança que vive em um mundo de maravilhas deve enfrentar as correntes da mudança. Aos dez anos, Elson foi retirado desse paraíso. A água do igarapé já não o envolvia, e a mata densa ficou para trás à medida que ele descia o Rio Iaco em direção a novos horizontes. O coração do menino do seringal se partiu, a saudade daquele lugar acolhedor e das brincadeiras intermináveis marcava cada passo em direção ao desconhecido.

Com um amigo da juventude aos 20 anos, quando morava no Amapá


O choque não foi apenas geográfico. Nas cidades, as opiniões eram diferentes, as visões de mundo divergentes. O que antes era um lugar cheio de significado, agora era considerado atrasado e ignorante. Ser chamado de “seringueiro” era como um corte, um termo pejorativo que feria mais do que qualquer faca. A identidade que Elson carregava, sua bagagem de vida, agora parecia inútil e indesejável.
O desejo de escapar dessa pecha o levou a buscar conhecimento pelo mundo afora. Os horizontes se expandiram, mas as memórias do seringal permaneceram intactas. Ele estudou, viajou e se aventurou por novos territórios. Mas a pulsação das raízes nunca cessou. Em meio à realidade política e social da ditadura militar, Elson sentiu o chamado da resistência. O socialismo o encontrou, mas as armas não eram seu caminho. Ele queria liberdade para amar, para ter amigos, para viver uma vida plena. E assim ele resistiu, com palavras e coragem.
A oportunidade de viajar para Belém e depois para Macapá após se destacar no Colégio Acreano foi a porta de entrada para uma jornada que se estenderia por vários lugares e carreiras. Belo Horizonte, faculdades de Belas Artes e Cinema, os primeiros passos no jornalismo – cada passo contribuía para o crescimento pessoal e profissional de Elson.
À medida que o cenário político foi sendo moldado pela ditadura militar, ele mergulhou nas lições do socialismo. Foi nesse contexto que ele cruzou caminhos com a ALN, uma experiência que o aproximou do conceito de resistência, embora não se alinhasse à guerrilha armada. Sua busca era pela liberdade de viver, amar, ser feliz, e não pela violência.


A vida o levou por prisões e liberdades, casamento e filhos, construindo relações políticas, incluindo a com João Capiberibe. O jornalismo também permaneceu um fio constante em sua trajetória, culminando com o convite para ser correspondente do Estadão em Macapá.
No Acre, uma luta fervilhava: o desmatamento desenfreado, a chegada dos fazendeiros, a expulsão dos seringueiros. Elson se envolveu com paixão, compartilhando as histórias que transbordavam em emoção. Foi nesse contexto que ele cruzou com Wilson Pinheiro e, mais tarde, com Chico Mendes.
Chico Mendes se tornou seu parceiro ideológico e um ícone na luta pelos direitos dos seringueiros. Elson se tornou o primeiro jornalista a trazer o nome de Chico Mendes para o cenário nacional. Em meio a esse ativismo, Elson e Silvio Martinello fundaram o jornal Varadouro, um fenômeno editorial no Acre, um grito em defesa da terra e das pessoas. O jornal, feito por uma equipe diversificada, tornou-se um farol na defesa dos direitos humanos e da resistência ao desmatamento. Elson não apenas relatava eventos, ele vivia a jornada, chorava com os seringueiros, se envolvia nas lutas.


Suas reportagens e esforços na defesa das causas sociais foram reconhecidos com um Prêmio Esso de Jornalismo, uma honra que brilhou em seu caminho, mas ele permaneceu humilde, falando mais com suas ações do que com palavras. E enquanto a sociedade mudava e o jornalismo evoluía, ele lamentava a perda da conexão entre os repórteres e as histórias reais das pessoas.
Após uma vida dedicada ao jornalismo e experiências dignas de serem partilhadas, o jornalista Elson Martins, 83 anos, publicou o livro “Acre: Um Estado de Espírito”. A obra autoral reúne algumas das crônicas, reportagens e entrevistas produzidas ao longo de sua trajetória profissional.
Ao longo de sua jornada, Elson Martins enfrentou desafios, prisões e momentos de incerteza. Ele testemunhou a dura realidade da luta pelo meio ambiente, pelos direitos dos trabalhadores rurais e pela justiça social. Suas palavras eram suas armas, suas reportagens eram suas batalhas, e sua dedicação era sua vitória. Ele viajou pelo mundo, conheceu pessoas extraordinárias e trouxe suas histórias para o público, nunca perdendo de vista a paixão que o impulsionava.
A vida de Elson Martins é uma crônica de resistência, empatia e compromisso. Ele se tornou uma voz para aqueles que eram marginalizados e explorados, um defensor da natureza e um contador de histórias incansável. Sua jornada ecoa através das páginas da história do Acre e além, lembrando-nos do poder das palavras e do compromisso com um mundo mais justo e sustentável.


Elson Martins é um testemunho do poder do jornalismo comprometido, da busca pela verdade e da dedicação às causas justas. Sua jornada o levou de igarapés tranquilos a centros de luta, de recordações ternas a situações de pressão, e de um paraíso amazônico a um papel crucial na defesa dos seringueiros e do meio ambiente.
Hoje, suas memórias são uma tapeçaria rica de experiências que abrangem a beleza da floresta, as complexidades do jornalismo e o calor humano das lutas compartilhadas. A canoinha de sua infância deixou traços que não se apagam com o tempo, e Elson Martins permanece como uma testemunha viva da importância de contar histórias que tocam corações e mudam o mundo.

  • Pitter Lucena é jornalista e escritor
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